sopa de letrinhas
#99 - geração x, y, z... a quem interessa segmentar e dividir as pessoas em gavetas segundo seu ano de nascimento?
olá vocês!
há um par de anos, houve uma treta chata na internet sobre qual geração é a melhor, não me lembro exatamente qual era o ano. (tenho muita dificuldade de precisar em que ano desta década aconteceu algum evento, por exemplo, em que ano o tarcísio meira morreu? em que ano teve o tabefe do will smith no chris rock? parece que a pandemia aplastrou os dias em uma linha do tempo bizarra e difícil de definir.) enfim, vocês devem lembrar, foi a partir de um tweet em que os ditos geração z tiravam sarro das obsessões dos millennials, tipo jeans skinny e harry potter.

o conceito de gerações está neste momento já cristalizado como algo a que se ter em conta para absolutamente todas as esferas que compõem o mundo moderno. porque os millennials não querem ter filhos? porque a geração z está cortando os pais de suas vidas? porque a geração alfa tem problemas de leitura?
ah, sim, a geração seguinte já tem nome. quem nasceu depois de 2010 está sendo chamado de geração alfa. já estão criando uma caixinha para quem está neste momento em plena puberdade. enfim, eu comecei chamando essa discussão de chata por duas razões.
a primeira é que quase toda treta de twitter é que nem aquela obra do shakespeare, muito barulho por nada. gente velha incomodada com gente mais jovem é um tema mais batido que coronel em novela do benedito. e segundo, porque eu não compro nem um pouco essa catalogação de pessoas por um código generacional. nesta edição eu vou dizer porque acho esse papo, nas palavras de bianca del rio, boloney. vem comigo!
um dos hábitos apontados como “cringe” pelos jovens na cultura dos um pouco menos jovens é acreditar em horóscopo. mas convenhamos, acreditar que todos seus hábitos estilo de vida estão ligados única e exclusivamente ao ano em que você nasceu é tão estranho ou mais. por exemplo, uma pessoa que nasceu em 1980, segundo essa catalogação, teria mais a ver com alguém de 1965 que de alguém que nasceu em 1981. não faz sentido.
apesar de essa discussão de jovens versus velhos existir desde sempre, os primeiros estudos sobre o tema foram publicados no século 19. só em 1951, em reportagem da time, se nomeou uma geração: para a revista, os jovens nascidos entre 1921 e 1931, que estavam então tentando dominar o mercado de trabalho, eram a “geração silenciosa”. o apelido denotava um suposto tom conformista destes jovens.
já o termo baby boomer (1946-1964), cunhado em 1963, refere-se aos mais de 75 milhões de nascidos nos eua durante o período de prosperidade econômica pós-guerra, marcado pelo rápido crescimento do pib e da população. mesmo no brasil, onde o contexto pós guerra não faz tanto sentido, o número de pessoas cresceu 80%1 em duas décadas, mais que qualquer intervalo de 20 anos que viria depois.
os nascidos na era baby boom realmente foram um fenômeno porque o mundo teve que aprender e se adaptar a uma nova safra de pessoas.foi maior quantidade de jovens que a humanidade já teve até então. era um tema interessante de estudar, porque até o conceito de “juventude” estava mudando. foram os anos da contracultura, em que o rock, o movimento hippie, a liberação sexual, drogas lisérgicas e protestos marcaram a cara de uma época.
os baby boomers, por trazerem mudanças significativas, passaram a ter expectativas mais altas em relação aos seus filhos. como a geração seguinte não apresentava características tão distintas, nem quantidade suficiente ou motivação clara, ficou conhecida como geração x (1965-1980). o termo foi popularizado pelo livro generation x: tales of an accelerated culture, de 1991, que aborda a vida dos jovens dos anos 1980. a partir desse ponto, começaram a surgir numerosas reportagens sobre a tal nova geração.
ainda em 1991, outro estudo chamado gerações de neil howe e william strauss. suas teorias eram uma pataquada, porque remontavam desde o século 16 para sugerir que a história do mundo é cíclica e o comportamento dos jovens tende a se repetir. uma bobagem só, nem vale a pena aprofundar, mas tem tudo detalhado aqui se você quiser ler depois. porém o que ficou de legado é que eles chamaram a próxima geração, depois da x, de millennials, a geração que seria jovem na virada do milênio. o nome bonitinho pegou e passou a designar a geração y, que vivia a passagem de um mundo analógico para um cada vez mais digital.
e depois do x e do y, claro que vem o z, né? sim e não. paralelo às duas, alguns estudiosos apontam a existência dos zennials, termo criado para definir quem nasceu no final dos anos 1990 e se identifica tanto com os millennials quanto com a geração z. mas para mim essa sopa de letrinha sobre o que é cada quem, a partir de seu quando, demonstra que enfiar pessoas em caixas geracionais é bastante impreciso. e sem fundamento algum se você tiver que observar um pouco mais atentamente.
primeiro, vamos aos anos em si: quer dizer que madonna, trump, obama, bolsonaro, a princesa diana e tiririca são pessoas com caraterísticas sociais em comum porque nasceram entre 1946 e 1964? e o que dizer de elon musk, kurt cobain, kylie minogue, mano brown, shakira e carla zambelli, todos nascidos entre 1965 e 1980? eu não consigo ver duas figuras públicas mais díspares que britney spears e nikolas ferreira, mas segundo a tabelinha eles são super besties de geração.
e será que absolutamente todas as pessoas nascidas depois de 1997 já vêm ao mundo conectadas à internet? num mundo tão desigual, será que todas as pessoas possuem as mesmas características? aos interesses de quem atende essa necessidade de “buzzfeedizar” o mundo e dividir a gente em quadradinhos? se você acha que eu vou falar que a culpa é do capitalismo, acertou porque neste canal a gente chega a esta conclusão para quase todos os temas.
as marcas perseguem o jovem porque a juventude é aspiracional, mas ao mesmo tempo as cabeças por trás das marcas são pessoas que pertencem a gerações anteriores. já viu coisa mais vergonhosa que uma marca tentando falar a língua dos jovens? em vez disso disso, criar ícones e dizer que eles são a cara ou a voz de uma geração é sempre mais viável. os jovens de hoje não vão querer saber o que um empresário tem a dizer sobre seu produto, mas se a billie elish, ou a maísa ou a millie bobby brown disserem, eles vão prestar atenção.
porque a gente gosta de pertencer, de ter uma tribo, de ter algo que nos confirme e valide: nosso signo, nossa casa em hogwarts, nossa linguagem do amor, nossa personalidade no teste mtbi. quanto mais segmentado, mais fácil nos encher de produtos feitos para nosso tipo. dá uma idéia de exclusividade, quando na verdade é só uma coincidência.
se as pessoas se identificam - ou querem se identificar - com algo que é comum de sua geração, eu acho ok. não é menos ou mais eficaz que acreditar em astrologia por exemplo. meu problema é com que levem como se fosse um tratado sociológico sério quando não há qualquer rigor científico em tais estudos. veja bem, não há nenhum problema em incluir a idade como um componente para compreender a mentalidade de uma pessoa ou de um grupo. desde que se entenda o contexto e se considerem questões de classe, gênero e raça.
no século 21 a divisão geracional tem sido considerada sagrada, seja para analisar os funcionários de uma empresa ou para identificar padrões de consumo, os meios de comunicação frequentemente estampam essas classificações geracionais em suas manchetes, buscando antecipar as próxima tendências. o problema é usar isso para vender coisas que não precisamos, de copos térmicos a partidos políticos.
neste momento, millennials são os vilões da humanidade. visto como uns reclamões, ansiosos, individualistas, que fazem pouco sexo e se recusam a comprar bens imóveis e vivem para seus brinquedos. (todas essas definições foram retiradas de manchetes dos últimos 5 anos). e ao parecer, a mídia neste momento ama a geração z. em 2020 a forbes publicou: “3 razões pelas quais a geração z é a geração mais incrível que existe”.
bom, grande parte desses novos jovens ainda não teve a oportunidade de votar, trabalhar e mesmo sendo um público-alvo de marcas, ainda não compra com seu próprio dinheiro. enquanto isso, a geração anterior já sabe o que é ter conta para pagar, ver as condições de trabalho cada vez mais precarizada e herdar um colapso financeiro de quem veio antes.
quando se trata de falar sobre comportamentos e mudanças provocadas pelas novas gerações, há muita responsabilidade depositada em ombros tão jovens: “nós falhamos, mas eles não vão”. mas poder falhar é parte fundamental da aventura de ser jovem. e a gente não vai deixar para eles um mundo com condições mínimas para que triunfem. nós acreditam que os jovens, repletos de vigor e uma cuca fresca, são o motor por trás da história; mas a verdade é que os próprios eventos históricos (guerra, ditaduras, crises e pandemias) que moldam as gerações, e não o contrário.
eu nasci em 1982, num mundo absolutamente diferente do de hoje, mas garanto que naquela época era muito comum ouvir um velho falando “no meu tempo é que era bom” e um jovem revirando os olhos e resmungando “gente velha é um saco”.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
fonte: https://super.abril.com.br/sociedade/o-mito-das-geracoes
Eu tenho um bode tão grande dessas coisas...
Acontece que a gente hoje importa e traduz à moda caralho palavras, referências e conceitos estadunidenses que, em última análise, só fazem sentido pra eles. E forçamos a barra pra amoldá-las às nossas experiências, que são - às vezes dramaticamente - distintas. E nem há muita precisão nessas teorias, porque já vi recortes diferentes de tempo pra indicar as tais gerações.
Mas o ponto é: nossa infância e adolescência não foram iguais às de um garoto da nossa idade em Oklahoma. Nem em Bucareste, Acra ou Nova Delhi. E, olhando no microscópio, talvez até entre nós mesmos existam diferenças sensíveis. Essa classificação por faixa etária é, portanto, limitada e rasa porque ignora fatores sociais, culturais e econômicos ao redor do planeta.
Aliás, um parêntese: essa coisa de colocar em caixinhas, de "perfilar" o público, é muito Estados Unidos. Dá pra fazer uma analogia com a música porque lá é que surgiram as rádios segmentadas, as paradas de sucesso por gênero (Black, Modern Rock, Adult Contemporary) etc. Enquanto na Inglaterra, por exemplo, só havia a Radio One e o Top Of The Pops na BBC misturando tudo, do reggae ao country, do tecnopop ao hard rock.
Aliás, acho muito mais interessante e rico assim, como foi durante muito tempo inclusive aqui no Brasil - pensa num Globo de Ouro ombreando uma Legião Urbana mandando ver em "Que País É Esse?" a uma Adriana cantando "Te amar é tão bom, tão bom, tããão bom".
Mas, de novo, a gente anda com essa mania de importar segmentação, de nos determinarmos como sociedade de acordo com conceitos de fora, sem questionar se faz sentido à nossa realidade.
Preguiça disso.
Excelente análise, Júnior. O ser humano tem essa necessidade de enquadrar as pessoas em 'caixas' legíveis. Mas o surpreendente é ver como as pessoas levam a sério essas classificações, que vai desde geração a horóscopo. Uma bobagem que poderia servir pra entretenimento e gerar memes.