o que a colômbia tem?
#148 - eu devia à colômbia um texto, mas meu cérebro ainda me devia palavras à altura dos encantos que esse país me proporcionou.
si quieres leer este texto en español, haz click acá.
olá vocês!
a cidade em que você mora tem uma música feita em sua homenagem? se você é do rio de janeiro, nova york ou balneário camboriú, eu sei que a resposta é sim. mas nenhuma canção é tão bonita quanto cámbulos y gualandayes, feita em homenagem ao vilarejo de pandi a 100 km de bogotá.
“rojos se ponen los cámbulos, azules los gualandayes
son orgullo de la tierra, son la alegría del paisaje,
todos harán con sus flores alfombra para que pases.
pasaremos por el puente y muros naturales
sobre el misterio del río vuelan halconeras aves,
yo te contaré leyendas de unas remotas edades.
roja bandera en los cámbulos, azul en los gualandayes
unos son conservadores, los otros son liberales,
todos se pondrán de acuerdo si vienes conmigo a pandi.”cámbulos y gualandayes, carlos del valle y lucho garcia
incrustada em uma montanha, a cidade de pouco mais de mil habitantes tem como flores símbolos as que dão nome à canção. uma é azul e outra vermelho encarnado. e como eu sei tanto sobre pandi? é que é lá que vive a família do meu marido e eu visitei em outubro do ano passado.
normalmente lugares assim tão pequenos estão em paragens de beira de estrada, mas para ir a pandi você tem que querer ir lá. e querer descer de bogotá, que é uma cidade com uma altitude incomum, contornando uma montanha em uma estrada tão sinuosa quanto estreita e depois subir outra estrada, contornando outra montanha, e passar por povoados e lagos, e restaurantes e de nomes engraçados, e pontes e rios.
aí você chega a pandi, com suas quatro ruas circundando uma praça. com sua feirinha de frutas, seu mercado, seus tuc-tucs. e seu dia que demooooora a passar e onde o sino toca duas vezes na manhã de domingo. das pessoas com um ritmo ritmo diferente nos passos e música na forma de falar. das porções gigantescas de comida que você aceita, em parte porque é impossível parar de comer, em parte porque recusar comida é proibido na casa da minha sogra. e das muitas e muitas histórias de gente que eu nunca vi nem verei, mas ouvia, totalmente entregue, como quem ouve uma radionovela. passar três dias em pandi resetou a minha vida, colocou meu sono em dia e me tirou a pátina cinzenta de cidade grande.
eu devia à colômbia um texto, mas não o escrevia porque meu cérebro ainda me devia as palavras que estivessem à altura dos encantos que esse país me proporcionou. eu queria fazer justiça a pandi com sua vista para um vale colorido de árvores e flores. então decidi escrever primeiro sobre o povoado, que espero, não vire nunca um lugar de turismo predatório. esse texto não é para encorajar ninguém a ir lá. mas se você quer viajar à colômbia eu posso te dar uma lista aqui de outras coisas e lugares que ganharam meu coração latino. afinal, o que a colômbia tem?
a colômbia tem uma capital tão alta que me custava respirar depois de alguma caminhada. são 2.64km acima do nível do mar. e aí a gente inventa de querer ver tudo isso do alto e sobe de bondinho, montanha acima, mais 900m. e lá de cima do monte serrate vê a imensidão bonita que é bogotá. é uma cidade fria e misteriosa, mas que tem encantos a se descobrir, como o centro histórico la candelária, a plaza bolivar, cercada de edifícios históricos e até hoje palco da vida política cotidiana do país.
tem o museu botero, que eu sempre sonhei em conhecer. uma coleção de 123 obras do pintor colombiano retratando suas musas e musos rechonchudos em cenas cotidianas. as telas, que eu achava que eram quadros normais na parede, na verdade são gravuras que vão do chão ao teto. e as esculturas, também gigantes, retratam mulheres voluptuosas e sensuais. no mesmo museu há uma ala com obras de picasso, degas, monet, renoir e tantos outros. além de um pavilhão que conta a história da arte colombiana desde o século 16. é um dos melhores passeios que alguém que ama ou quer conhecer mais de arte pode fazer.
a colômbia tem sabores que são um convite ao aconchego, um abraço quente em forma de prato. o desjejum comum do colombiano leva algum prato salgado e tradicional. uma changua, espécie de sopa de leite e ovos; ovos pericos, pães de nomes e aromas diversos; e a refeição do meio dia leva arroz, feijão, carne e verduras, e de entrada uma sopinha quente, chova ou faça sol. há que ir ao mercado da perseverança e comer um ajiaco, um caldo de galinha, espesso e fumegante, com o conforto de três batatas diferentes e o perfume sutil da guasca.
há que comer tamales, assim, no plural. envolto em folhas de bananeira como um presente ancestral, o tamal guarda em seu interior a essência da terra e do tempo. O milho, moldado em massa dourada e macia, envolve pedaços suculentos de carne, enquanto cenouras e ervilhas se escondem como pequenos tesouros entre camadas de sabor. há que provar a bandeja paisa, uma porção generosa de feijão, carne e chicharrón desafia qualquer fome. há que comer um peixe frito acompanhado de arroz de coco e tomar um ceviche de camarão carregado no molho de pimenta. há que colocar limão na sopa, mel no frango assado e ketshup no arroz.
há que caminhar pela costa e ir parando a cada banquinha de comida. há que provar as arepas e cada tipo de fritura a base de banana da terra, mandioca, milho. há que sentir o prazer de conhecer, pelo paladar a história indígena e afro-caribenha da colômbia. há que comer uma oblea, uma bolacha redonda e doce, recheada na hora com doce de leite, amoras e creme batido. há que parar na beira da praia e pedir um manguito, que é uma manga de vez cortada em palitos e temperada com sal, pimenta defumada e limão. o caipira goiano que eu fui, criado a base de manga verde com sal adorou redescobrir esta maravilha.
e já que falei em manga, há que ir a um mercado de frutas e se entregar à variedade e a diversidade de sabores, texturas e formas: o lulo, com sua casca áspera e polpa dourada, equilibra o azedo e o doce e figura ali no topo da lista dos melhores sucos que eu já tomei; a granadilla, que te engana com a forma de um maracujá, mas quando a polpa e as sementes dançam na boca, se revelam a coisa mais doce e suave que eu jamais havia provado; os mamoncillos, minúsculos e pegajosos deixam um travor doce pelo paladar. isso fora os mamões, goiabas, carambolas. na colômbia eu redescobri papilas gustativas há muito tempo adormecidas.
a colombia tem bebidas, não se pode não falar sobre elas. o café de lá é uma experiência que muda vidas, o aroma forte e profundo que desperta as manhãs. a água de panela, densa como uma tarde preguiçosa. versão local da nossa rapadura, a panela é o ouro escuro da cana e se dissolve lentamente, tingindo a água com sua doçura terrosa. o chocolate quente, servido com cubinhos de queijo no fundo, que ao final se derretem e te apresentam um novo jeito de tomar chocolate.
no calor, há que se refrescar com um guarapo ou um leite com aveia bem frio. e minha paixão líquida, as aromáticas, vendidas por senhoras pelas ruas. são infusões de frutas e ervas e para quem gosta, o carajillo, que é uma aromática com aguardente, garantindo calor e energia para enfrentar o frio bogotano.
a colômbia têm povoados cheios de histórias que parecem ter saído dos romances de realismo fantástico de gabo, como guatavita, uma cidade que renasceu das águas e do tempo. o nome da cidade vem da lenda do cacique que, coberto de pó de ouro, mergulhava no lago sagrado em oferenda aos deuses. o famoso “el dorado”. os ecos dessa história brilharam nos olhos dos que vieram buscar riquezas, mas encontraram apenas a vastidão verde refletida na superfície impenetrável. e quando as águas do lago escorreram da montanha e engoliram a antiga vila, um novo povoado nasceu às margens, guardando nos muros brancos e nas ruas silenciosas os mistérios de uma glória submersa.
e o que mais tem a colômbia? tem santa marta, entre o azul infinito do mar e as montanhas que tocam o céu, a cidade onde o tempo caminha devagar, embalado pelo ritmo das ondas e pelo calor do caribe. ali que desembarcaram os primeiros colonizadores, onde nasceu um destino traçado em sal e sangue, entre o brilho da coroa espanhola e a resistência das almas indígenas. o mar de águas cálidas e calmas de um azul hipnotizante. o parque tayrona, reserva florestal que abriga paraísos escondidos tão bonitos e silenciosos que um dia de visita valem por uma vida inteira.
às margens do magdalena, rio que beija o mar, tem a cidade de barranquilla, que deu ao mundo shakira, o carnaval e o júnior, meu novo time de futebol do coração. barramquilla pulsa como um tambor, e o vento quente carrega o aroma de sal e festa. a vida dança ao ritmo do porro e da cumbia, os pés deslizam sobre o chão fervente e os rostos brilham com as cores de uma festa que nunca morre. o museu do carnaval resgata e conta histórias da festa, cujas origens fala de resistência conta a dominação violenta dos europeus.
no mallecón, um calçadão à beira do rio, uma escultura em forma de bartatana de tubarão louva ao juniors e suas conquistas, mas para mim, o ponto realmente alto da cidade é a estátua gigante de shakira. com 6,5 metros e esculpida em bronze pelo artista yino marquez, é o cristo redentor dos gays latinos. e não é força de expressão, estivemos em barranquilla no momento que que abriram as vendas para o show da loba em buenos aires e não estávamos conseguindo os ingressos. aos pés da estátua eu pedi por um milagre e no mesmo dia não só abriram uma nova data quanto conseguimos comprar os ingressos. expliquem essa, ateus.
por fim, a colômbia também tem cartagena das índias, cenário de o amor nos tempos do cólera, onde eu sonhava em pisar algum dia da minha vida. de frente para um mar que sussurra histórias de piratas e conquistas, cartagena se ergue como um poema esculpido em pedra e brisa. as muralhas, feridas pelo tempo e pelo fogo dos canhões, contam segredos de ouro e resistência, as sacadas floridas testemunham o vaivém de séculos e as ruas de paralelepípedo, aquecidas pelo sol impiedoso, se perdem entre casarões coloniais e igrejas. no coração da cidade, os ritmos afro-caribenhos se misturam ao aroma das arepas de ovo1.
e tem o claustro da universidade, onde repousam as cinzas de gabriel garcía marquez, morto em 2014 e sua companheira de toda a vida mercedes, que nos deixou em 2020. há ali também um pequeno museu em memória ao homem que soube transformar a colômbia em literatura, capturou seus amores, suas tormentas e suas magias em páginas que jamais se apagarão. como as brisas quentes que passeiam entre os muros da cidade amuralhada, o espírito de gabo ainda vagueia por lá, entre o real e o imaginário, sussurrando histórias a quem souber escutá-las.
talvez não seja uma dica para todos, mas para ir a colômbia, eu recomendo amar a um colombiano e conhecer seus cantos, cores pelo ponto de vista de alguém que ama seu país apesar de suas enormes contradições. conhecendo a colômbia ao lado do victor eu descobri que amar alguém de outro país é amar este país em segunda mão, mas ainda assim, amar melhor. o que a colômbia tem? agora tem o meu coração.
antes de ir, um recado
criei um canal de comuniçação mais íntimo, onde você pode deixar, se quiser, perguntas, sugestões ou o que mais te der vontade. e de vez em quando eu vou usar algumas dessas mensagens como inspitação para um texto. pra enviar um alô é só clicar no botão logo abaixo. desde já, muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
no caribe se comem letras para melhorar ainda mais o idoma: arep'ehuevo.
Que texto lindo! Faz 10 anos que conheci a Colômbia e me senti caminhando por essas ruas de novo. Dos países latinos, o mais próximo culturalmente do que temos no Brasil. Amei!
Meu sonho conhecer a Colômbia. Que viagem linda.
Um beijo, Ju.