verde, anil e amarelo
#39: uma declaração de amor a uma cantora que devolveu as cores a uma brasilidade que eu fingia que não existia mais
querida marisa,
acabo de chegar em casa, eufórico, com todo o repertório do seu show ecoando na minha cabeça. eu achei que nunca mais ia te ver ao vivo, mas você veio até aqui, em buenos aires e não resisti, eu estava morrendo de saudades de você. sempre que um amigo vem me ver, me traz algo do brasil de lembrança, uma caixa de bis, leite de coco, café, cachaça. mas você me trouxe o brasil inteiro, de samba da portela ao jingle do lula.
a primeira vez que eu te ouvi foi no meio dos anos 90, no rádio. eu era adolescente e ouvia muito rádio à noite, antes de dormir. tinha um programa só com música romântica e todo dia tocava alguma sua, das mais famosas: bem que te quis, beija eu, ainda lembro. sua voz me embalava, entre hits românticos antigos e a voz melosa do locutor que traduzia letras e mandava mensagens de namorados distantes.
quando saiu o memórias, crônicas, declarações de amor, eu ouvi sem parar, no meu toca-cds. com meu primeiro salário de menor aprendiz eu dei entrada num radinho que fosse só meu (não aguentava mais ter que ouvir catedral e bon jovi no aparelho que dividia com meus irmãos). e foi ali naquele cce redondinho que nasceu um amor de verdade, o meu, pela sua música. conheci paulinho da viola, passei a ser portelense e a procurar todo tipo de matéria, por menor que fosse, que você fosse aparecer.
uns anos depois, vivi um amor, desses pra ficar na memória e nos acompanhar, e óbvio você era a trilha. o primeiro presente que ganhei dele foi o dvd do show, aquele que tem você cantando ontem ao luar, e eu nunca tinha ouvido nada tão bonito assim. a gente foi comprando juntos todos os seus álbuns. e dvds. e o livro de fotos. me lembro bem de passar uma noite inteira, numa fazendinha no sertão da bahia em férias, olhando as estrelas e te ouvir cantando segue o seco e tentando decifrar a letra.
quando você lançou aqueles dois discos, um de samba e outro mais mpb, eu estranhei um pouco a proposta de ambos, mas você me ganhou em vilarejo, música que até hoje enche meu coração de esperança e alegria. é a música que eu paro pra ouvir, quando aparece de surpresa numa playlist. e dou repeat, pra aproveitar o momento.
foi no show desses discos que eu te vi pela primeira vez ao vivo. meu ex namorado queimando em febre, a gente super apertado na grade que separava a geral do vip, que perrengue. mas tudo vale a pena pra quem ama e é jovem.
depois veio o que você quer saber de verdade, e, mesmo sendo muito fã, suas letras pendiam mais para um lado otimista e bucólico. não foi nosso melhor encontro, mas nesse disco tem depois. e olha, tem que ser de ferro pra não dar uma tremida na base quando você manda essa. você sabe ganhar meu like. durante mais de 10 anos, você foi a minha diva pop. minha madonna.
um dia tudo mudou. eu perdi aquele amor, me desiludi e mudei de vida e de país. e tive que deixar pra trás seus discos. te ouvir doía muito. por sobrevivência, eu acabei adormecendo essa parte da minha vida e fui descobrir outros sons, em outra língua. quando você veio com os tribalistas, em 2018, eu virei a cara, não vou negar. me desculpa, eu estava de mal com o brasil e com um passado que você ainda me fazia recordar.
aí no ano passado, no meio desse caos pandemônico, veio o portas. não sei se era o clima que eu esperava. você meio tilelê, pedindo calma e convidando a gente pra abraçar árvore e falar com bicho. pra falar a verdade, eu te achei otimista demais, sabe? mas se não era o que eu esperava, certamente era o que eu estava precisando. aos poucos você foi ganhando cada vez mais espaço no meu spotify e sei lá, quando vi, eu já tava cantarolando pelas ruas, vendo tudo com mais cor e vida.
então eu estou aqui para agradecer. por ter vindo aqui, por fazer um show de quase três horas sem apresentar cansaço. por ter uma voz que soa ao vivo como se fosse no rádio, como na primeira vez que eu te ouvi. por estar animada e presente totalmente no palco, mesmo um pouquinho nervosa com o idioma. por cantar as minhas preferidas. jurei que iria ficar quietinho, só absorvendo o momento, mas não teve jeito, na segunda música eu já tava dançando e cantando junto. olhinho fechado, mãozinha no peito e tudo.
obrigado por ter trazido o brasil pra mim. esse país tão complicado que parece que nunca vai ter jeito. mas com você dá certo. obrigado por cantar coisas que te emocionam e por isso me emocionam tanto. quando você sambalança, sambalança meu coração também. e sobretudo, obrigado por mais uma vez pintar de verde, anil e amarelo uma brasilidade que eu fingia nunca ter existido. um beijo grande!
TOP 10
minhas músicas preferidas da marisa monte
segue o seco
vilarejo
o que me importa
depois
para ver as meninas
ontem ao luar
lenda das sereias, rainhas do mar
na estrada
beija eu
vento sardo
ps: eu queria muito falar de eleições aqui hoje, mas sei lá, quero espantar esse clima ruim. e quero esperar um pouco pras ideias assentarem melhor, estamos ainda muito no calor do momento. mas obrigado por não desistirem, olha só o tanto que fizemos, faltou muito pouquinho. vamos lá, não desiste daí que eu não desisto daqui. até semana que vem, um abraço!
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Eu me lembro da Marisa cantando "Bem Que Se Quis" na televisão (não me lembro se no Fantástico) lá em 1989. Mas entrei de fato em contato com sua obra em 1991. Foi o ano em que comecei a ler todo mês a revista Bizz, e a Marisa foi a capa numa das primeiras edições que li. No fim do ano, no Natal, minha mãe ganhou o LP do "Mais" no amigo oculto da família e ouvimos muito, muito mesmo, o disco lá em casa. Até hoje é o meu preferido. Como eu era fã dos Titãs (e na época ela andava muito com eles, inclusive namorava o Nando), foi uma porta de entrada bem natural.
O "...Cor de Rosa e Carvão" já me lembra a época da minha mudança de Itaperuna pra Campos, começo de 1995, a gente ouvindo a fita gravada com o disco no carro nas viagens entre as cidades, geralmente à noite. Talvez por tudo isso, as despedidas, a estrada noturna, eu sem saber o que me esperava, me passe mais uma sensação de melancolia, de beleza triste.
O "Memórias, Crônicas..." eu me lembro exatamente da primeira vez que ouvi. Foi numa aula de Literatura no colégio, terceiro ano do Ensino Médio. A professora levou o som pra sala e anunciou: "esse é o novo CD da Marisa Monte". E tocou "Amor I Love You" pra começar a falar, claro, de Eça de Queiroz. A música foi tão marcante pra turma toda que no fim do ano, quando fizemos uma viagem pra praia juntos à guisa de "formatura", um amigo nosso tocava no violão, todo mundo cantava e eu solava a parte do Arnaldo Antunes, que aprendi e decorei.
Gosto bastante também do "Universo Ao Meu Redor" e do "Infinito Particular" e ouvimos muito aqui (meu pai adora, especialmente o primeiro). Mas depois disso, gostei de pouca coisa que ouvi (e nada desse último disco, "Portas"). Algumas delas, eu sinceramente achei bem fraquinhas. Mas a Marisa, com trocentas canções que marcaram a minha vida, já tem o cantinho dela especialmente reservado aqui na coleção. E no coração.
Ah Junior! Obrigada por me fazer ter vontade de voltar a ouvir a Marisa (fiz a listinha com as músicas que você listou no spotify) porque, assim como você, precisei dar um tempo nela depois do coraçãozinho partido!