uma noite em 99
#124: o dia em que juntaram tina turner, elton john, cher e whitney houston dividindo o palco em para um "criança esperança" da gringa
olá vocês!
existe uma máxima recente na internet de que nenhuma experiência é individual. dias desses eu estava explicando para o meu marido o ritual de toda gay pobre nos anos 2000 que era se reunir com as amigas em casa mesmo, fazer um jantarzinho, tomar uma cerveja e ver show de diva no youtube. e não é que em outro país, vivendo outra cultura, ele não fazia a mesma coisa nos fins de semana?
pois neste sábado eu revivi esta tradição canônica, assamos uma carninha, gelamos uma quilmes e fui lá eu procurar algum registro ancestral naquele site das cavernas. meu marido ama pop anos 2000, nossa amiga tata que estava aqui, prefere música indie e se dependesse de mim, eu emendava um show da maria bethânia em outro. mas eu sabia de um vídeo que com certeza deixaria todos contentes.
e foi só digitar “divas live 1999” na lupinha da coisa e meu coração já começou a palpitar mais forte: o especial da vh1 de mesmo nome está inteirinho disponível no youtube, com 2h de duração e nada menos que tina turner, elton john, cher e whitney houston dividindo o palco em los angeles. traduzindo para quem é hétero, é como se o maradona, o romário, o pelé e o zico se juntassem pra uma pelada no maracanã.
simplesmente the gayest gay event de todos os tempos. e eu decidi escrever aqui as impressões que eu tive ao rever este show mais de 20 anos depois.
pra quem não se lembra, o canal vh1 era uma mtv menos xóvem, mas ainda assim bastante pop e esse evento anual1 era tipo um criança esperança onde toda a renda do show e dos registros em cd e dvd, ia para um projeto musical voltado para jovens carentes. para a caridade era bom, para os artistas, que tinham uma baita visibilidade e ainda podiam sair com a imagem de bons samaritanos, melhor ainda. não sei se ainda existe o divas live, o vh1, se alguém ainda compra cd, mas naquele tempo era um must.
é um grande momento da tv e eu me lembro vividamente de ter esse dvd em mãos lá pelos idos de 2003, emprestado de um amigo como uma relíquia rara. e é mesmo: não somente pelas estrelas de peso como também pelo registro de uma época. a plateia coalhada de celebridades como sarah michelle gellar, claudia schifer, martha stewart e donald trump, quando ele era só um magnata excêntrico e não um pedaço de bosta com poderes.
também é um barato de ver a moda daquela virada de milênio: cabelos beeem lisos, vestidos beeeem brilhantes, acessórios beeeeem metálicos. e as sobrancelhas eram nada mais que dois riscos arredondado sobre os olhos. e jovens cantoras tratadas como promessas de serem grandes estrelas, como brandi, lee ann rimes e faith hill. por onde andam? tomaram doril, ninguém sabe ninguém viu. ver o show me encheu de nostalgia e também me emocionou em muitos momentos, sobretudo por ver tina e whitney tão vivas e tão grandes em cima do palco.
tina turner abre o show com the best e já beirando os 60 parecia uma garota no palco, uma verdadeira rockstar, com pernas belíssimas e com a voz em melhor forma do que nunca. logo emenda com let’s stay togeter, e gente, que música deliciosa. em seguida há um dueto com elton john (também ao piano) e a canção the bitch is back é icônica para o momento, já que corriam boatos que tina e elton tinham tretado nos ensaios pra ver quem tinha mais destaque na apresentação. elton john é gigante, mas nem ele conseguiria ofuscar tina fucking turner.
cher se une à dupla em proud mary, que meu marido gleelenial2 adorou. elton mandou a animada I’m still standing e logo chamou lee ann rymes para um dueto, com uma música que naquela época era parte de aida, musical da broadway assinado pelo cantor. lee ann cantou o hit how do I live, que com certeza você não se lembrava que existiu, mas depois de ouvir vai pensar “nossa é mesmo, essa música fez sucesso”.
o segundo set tem cher cantando a poderosa If I could turn back time e emendando com o recém parido hino nacional believe. 25 anos depois, ouvir esta música é algo comum e corrente, mas naquele ano, ouvir believe parecia algo como ter contato imediato de primeiro grau com algum tipo de nave fazendo um som nunca ouvido antes por humanos. o autotune era tipo o chat gpt daquela época, todo mundo meio assustado, metade com medo e metade maravilhada com as possibildades.
ainda sobre o set de cher: não sei se é exatamente ok, em um show chamado divas live, uma diva não cantar ao vivo. entretanto se a diva em questão for a cher eu acho que ninguém ousaria fazer qualquer objeção. existe alguma regra implícita de que só há uma cher no mundo e quando você é a cher, você tem uma carta branca do universo para fazer o que te compraz.
passado o choque de ter ao mesmo tempo no mesmo lugar três divindades do olimpo, passamos a um set ligeiro onde vemos como a palavra diva pode ser ampla. brandy canta duas músicas lindíssimas com uma voz também lindíssima, mas totalmente esquecíveis. emenda com um cover de (everything I do) I do it for you, clássica canção de motel dos anos 80 ao lado de faith hill e depois faith tem um solo pra cantar this kiss, que era parte da trilha de um dos melhores filmes já feitos, da magia à sedução. quem lembra?
e em seguida, começa o momento mais emocionante desta noite, o set de whitney houston. nada havia me preparado para este momento, cheio de beleza, mas visto hoje, também muito triste. whitney entra ofegante e suando no palco. a quem ocorreu a brilhante idéia de vestirla com um terninho de couro vermelho, que alem de limitar os movimentos da estrela, ainda parecia ser bastante quente? a voz dela não está no seu melhor momento, e sabendo o que sabemos hoje, é possível entender os motivos. segundo o filme biografia i wanna dance with somebody, ela estava no meio de um dos muitos processos de reabilitação nesta época.
mas, mesmo com metade da capacidade vocal, whitney ainda é o dobro de artista que a maioria dos mortais, então é sempre uma dádiva ver a diva performar ao vivo. com apoio das backing volcals, ela chega íntegra ao final da recém lançada is not right but it’s ok. depois um dueto poderoso de ain’t no way com mary j. blidge e pergunto, como é que a mary não teve seu próprio set no show, já que ela é mais talentosa e era um nome muito maior que brandy, faith hill e lee ann rymes juntas? vai saber.
um pouco mais de show e é hora da música mais aguardada da noite, que é I will always love you. é um hino brega de amor? sim, mas ele é poderoso e amado por tanta gente por uma razão: a voz de whitney houston é emocionante demais. ao vivo então, chega a arrepiar. sem fôlego pra chegar às notas necessárias, ela fez algumas mudanças no arranjo e é visível que é um grande esforço pra ela, que parece não acreditar que pode chegar. mas então ela vai lá e faz uma das performances mais emocionantes que eu já assisti.
porque música é técnica e talento, mas também é emoção e história. eu estava segurando o choro, mas não aguentei quando ela cantou “I hope life treat you kind” olhando na plateia sua filha bobbi kristina brown, então com seis anos de idade. chorei porque sei que a vida não tratou bem nem a mãe nem a filha: bobbi morreu aos 22 anos, em circunstâncias que lembravam a morte de sua mãe, apenas quatro anos antes.
tanto whitney houston quanto tina turner passaram por problemas horríveis apesar do enorme talento. se envolveram com homens horríveis, viveram abusos e violências e foram enganadas por pessoas que queriam aprisionar seu talento. e é em performances assim ao vivo é que podemos ver como para elas, cantar era uma forma de transcender, de tocar no divino. o mundo nunca esteve à altura do que elas tinham para oferecer e elas mereciam muito mais.
o show termina com uma grande celebração, a canção escolhida é I’m every woman com a própria chaka khan se juntando a todas as estrelas que cantaram aquela noite. quer dizer, todas menos elton john, tina turner e cher, que deixaram o local antes do fim apenas porque sim. existem divas e divas, não é mesmo?
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
o show divas live de 1998 também é incrível, com celine dion, mariah carey, aretha franklin e shania twain também está disponível no youtube, mas esse é assunto para outro dia.
gleelenial: neologismo, como chamamos aqui em casa a geração que conheceu músicas históricas através das versões de glee.
que texto PRECIOSO <3
(e pelo amor de cher, patenteia (!) o termo "gleelenial", por favor)
eu tenho o DVD do da Mariah!!!! maravilhoso! fui olhar o preço dele hoje e é caríssimo! relíquia daqui de casa. Ainda não vi esse de 99