totalmente tutti-frutti das idéias
uma série que me deixou muito boiolinha, um dos melhores filmes da sessão da tarde e porque eu devo tudo que tenho à shakira
menina, cê tá boa? (ler com sotaque da doutora laís caldas)
eu tenho uma teoria de que é possível saber a idade de um gay pela maneira que ele viu queer as folk. se foi na tv a cabo, de madrugada, meio escondido, rezando pra mais ninguém ver que tinha uns home pelado fazendo bobiça: tem mais de 40. se foi numa série de dvds piratas que um amigo de um amigo gravou pra você: tem entre 35 e 39. se foi num series online da vida, enchendo o computador de vírus, saltando um pop-up “casadas querem sexo” a cada 5 minutos: tem entre 30 e 34. Se baixou no torrent um episódio, deu espiada , mas achou meio coisa de velho: mais de 25. agora se está neste momento jogando no google “o que é queer as folk?”, aí é alguém que nasceu depois que a série já tinha acabado. mas com certeza já viu heartstopper.
a esta altura todo mundo já deve ter visto a série que a netflix fez pros gays (pros gays!!!)
eu vi todinha numa noite e terminei com um sorrisão na cara, totalmente tutti-frutti das idéias. é bonitinha demais. a proporção de 1 série realmente boa para tanta porcaria que a netflix lança é tanta que eu fico feliz em ver algo realments bom por lá. e é dessa série que eu vou falar hoje, mas não apenas. tem também um filme ótimo da sessão da tarde e um disco precioso da minha adolescência. vem comigo!
PROS GAYS! PROS GAYS!
heartstopper é tudo isso mesmo?
Charlie é um aluno muito dedicado, mas que tem sofrido bullying na escola de forma constante desde que se assumiu gay, o que resultou em uma personalidade bastante acanhada e insegura nos últimos tempos. Já Nick, é super popular e querido por ser um excelente jogador de rugby. Quando os dois começam a sentar próximos todas as manhãs, eles desenvolvem uma amizade intensa e imprevisível, se aproximando mais a cada dia.
Charlie logo percebe o que está sentindo por Nick, apesar de entender que se apaixonar por um amigo, ainda mais hétero, pode acabar sendo uma grande furada. No entanto, Nick também está em dúvida sobre como se sente a respeito de Charlie. Quem sabe talvez os dois garotos estejam prestes a descobrir que o amor pode funcionar de maneiras incríveis e surpreendentes.
esta é a resenha do adoro cinema para heartstopper, da netflix. a série, baseada nos commic books de alice oseman, vem sendo celebrada pelo tom otimista com que aborda a descoberta da sexualidade na adolescência.
filmes séries para e com homens gays (e aqui eu falo especificamente sobre eles, infelizmente porque não bastasse a escassa produção para a população lgbtqia+, ainda tem o fato de quase todo esse conteúdos seja direcionado a homens gays) sempre existiram, não nasceram neste século. mas, ou eram uma representatividade velada, meio em códigos ou totalmente estereotipada, em tom de chacota. claro que aqui e ali era possível se fixar em histórias de personagens secundários, eleger como ícones gays personagens que tivesse alguma inclinação por mínima que fosse.
aos poucos e cada vez mais, históricas com temáticas diversas sobre todas as orientações sexuais e identidades de gênero apareceram e hoje é muito estranho ver uma série em que nenhuma personagem esteja debaixo do guarda-chuva colorido. e isso é importante por uma série de razões. a mais óbvia é educar para a diferença. quanto mais pessoas veem de forma normal diferentes expressões de afeto, mais rápido e fácil se caminha rumo a uma sociedade mais tolerante.
mas para mim, o maior efeito de uma série como heartstopper é que jovens gays (e lésbicas, bissexuais, transexuais, não-binários, etc) podem se ver em mais um tipo de história. e para quem está em formação, se ver possível é transformador.
na minha juventude, onde a heterossexualidade compulsória era a norma, não havia uma série água com açúcar. para onde eu olhasse, os modelos eram pouco diversos: malhação, carrossel, anos incríveis, sandy e júnior, confissões de adolescente, todas as séries da disney, todos os filmes da sessão da tarde, vamp e todas as novelas em que haviam jovens e adolescentes, só havia uma maneira de existir e ela era heterossexual.
curiosamente, uma desculpa que sempre deram para que não se abordassem temáticas sobre diversidade sexual era a de que crianças não estavam preparadas para estes temas. só que qualquer produto cultural que eu conheci no meu tempo, de barrados no baile a chiquititas, formar um par e ser feliz para era parte importante das tramas. mesmo as primeiras narrativas que conhecemos, ainda na primeira infância, o amor heterossexual é a promessa de um final feliz. quem não se vê aí vai aprendendo a deixar de sonhar.
havia nos anos 90, claro, modelos gays: o will de will and grace, um advogado bem sucedido de nova york, que vivia longe de sua família. um modelo tão distante para mim quanto um personagem de star trek. ou personagens caricatos como o uálber (diogo vilela) de suave veneno, ou o discretíssimo mordomo eugênio (sérgio mamberti), de vale tudo. isso quando não continham enredos trágicos (brokeback mountain, torre de babel) ou forçosamente ligados ao vírus hiv (filadelfia). nada onde um adolescente pudesse sentir conforto ao assistir. quem não se lembra todo o sensacionalismo em cima do beijo entre junior e zeca (bruno gagliasso e eron cordeiro) em américa, que ao final nem foi ao ar?
já adulto, os cds piratas com dezenas de filmes, como c.r.a.z.y, hedwig, adam and steve, testosterone, animes, enfim qualquer coisa com a temática gay, eram passados de mão em mão. e em algum momento, o pornô gay passou a ser parte do material didático. a própria queer as folk, que tirou a tv do armário, era uma projeção do adulto que poderiamos vir a ser: espalhafatoso como emmet, amargurado como mike ou uma piranha sem coração como brian. desde que sempre relegados a um gueto (lgbt, povo animado).
vi no twitter alguém reclamando que heartstopper é demasiado casto e que falta sexo ali. e aí alguém respondeu que tudo no mundo gay é sexualizado demais. eu opino que há espaço e público para as duas narrativas. pra quem descobriu afetos na vida primeiro pelo sexo, sem os anseios e delícias de um primeiro amor juvenil, é estranho que dois adolescentes queiram não somente dar uns beijinhos e passear de mãos dadas. não é elite em que o estudante do ensino médio precisa fazer a chuca antes de ir para a escola, mas ao mesmo tempo tem um enredo raso como um pires.
sabe a cena de primeiro beijo mais icônica das nossas gerações foi a do macaulay culkin e a anna chlumski em meu primeiro amor? se houvesse algo parecido, com o mesmo peso e a mesma relevância entre dois meninos, talvez não houvesse esse estranhamento. e é esse o lugar que heartstopper ocupa para as novas gerações.
uma série com adolescentes que parecem mesmo adolescentes, falando sobre inseguranças adolescentes e calhar de esses personagens serem um menino gay, outro bissexual, um casal de garotas, uma menina trans e um garoto hétero que não performa uma masculinidade padrão é sim um marco. para quem vem aí, é poder sentir conforto em ver uma série adolescente com final feliz, para variar.
e para quem, como eu, que sentiu falta de um romancinho na adolescência e só recebeu porrada no ensino médio, a série toca nesta ferida. mas em vez de deixá-la doída, ela cura.
FILMINHO
muito louco, do barulho e da pesada
não sei exatamente o porquê nem como começou, mas para fazer sucesso entre a garotada nos anos 90, bastava tacar uma das expressões acima no título do filme. se um filme não era alguma coisa do barulho, da pesada ou muito louca, ela tinha ao menos que apresentar algo de modo adoidado ou se passar numa loucademia. quem criava esses títulos? e principalmente, quem fala que alguma coisa é “do barulho”? com certeza o mesmo sujeito que chama policial de tira. mas dia desses eu estive revisitando um dos meus filmes da sessão da tarde preferido e ele não tem nada disso no título: cuidado com as gêmeas.
não que não seja uma tradução muito louca da pesada, já que o título em inglês é big business, que convenhamos, não quer dizer muita coisa. mais engraçado é em espanhol, que batizaram de sopa de gemelas. enfim. o filme de 1988 é um dos que eu via sempre que passava na tv depois da novela da tarde (naquela época era depois). resumindo a trama, se trata de dois pares de gêmeas que nasceram no mesmo dia no mesmo hospital. duas são filhas de um casal ricaço e as outras duas, de dois caipiras. óbvio que alguém, por engano trocou uma das crianças de um casal pela do outro e aí começa a confusão.
muitos anos depois, a sempre incrível betty midler e sua marilia gabriela lilly tomlin comandam um império que decide fechar uma fábrica do outro lado do país, onde duas mulheres do campo, também feitas pelas mesmas atrizes precisam se mobilizar para que a cidadezinha em que vivem não seja afetada por isso. claro que as caipiras vão a nova york e acabam indo parar no mesmo lugar onde estão as ricaças e aprontam mil confusões que até deus duvida.
fazia bem uns 25 anos que eu não via este filme, então dia desses zapeando pelo disney plus1 eu vi esta joia no catálogo e garanti risadas muito boas. o filme não envelheceu nada, as piadas são ainda mais engraçadas que eu me lembrava e tem uma cena que logo depois foi *inspiração* para o diabo veste prada, quase 20 anos depois.
pra quem quer um filme muito bom e infelizmente subestimado, essa é a minha dica. eu poderia agora mesmo fazer uma lista de filmes da sessão da tarde que não tiveram o apreço que mereciam e que podem te fazer feliz de uma forma que talvez um filme de super herói não consiga. e para você qual era o filme da sessão da tarde mais marcante?
DISCOGRAFIA BÁSICA
shakira conte comigo para tudo
em 1996 eu tinha 14 anos, nenhum amigo e três fitas cassete rodando sem parar no meu aparelho de som: equilibrio distante, do renato russo, a trilha internacional de cara e coroa e o álbum que definiu meu futuro, embora eu nem desconfiasse, piez descalzos, da rockeira shakira.
quem vê a jovem senhora de cabelos loiros emendando um feat de reggaeton atrás do outro talvez não se lembre o furor latino que shakira foi nos anos 90. morena, falando em português shaki estava o tempo todo na tv, até no aniversário da ana maria braga.
e fazendo shows em tudo quanto é lugar, inclusive no jaó, em goiania. quando ouvi estoy aqui no rádio aquilo foi uma revolução, era uma mina roqueira, jovem, cantando aquele refrão que você chega no fim quase sem fôlego: “estou enlou-queciendome cambian-dome unpieporlacaramíaestanocheporeldía-qué nada le puedo yo hacer”.
o primeiro dinheirinho que arranjei, corri para a feirinha e voltei para casa com uma fita k7. e anotava num caderninho tudo que eu entendia. imagina um mundo sem o site vagalume. essa era minha adolescência.
pies descalzos foi um marco na minha vida por duas razões. a primeira era que eu me sentia totalmente identificado com aquelas letras cheias de ira e poesia. a faixa título era cheia de ironia contra a sociedade e suas contradições. vuelve tinha um monte de referências de história e arte. se quiere, se mata, fala sobre aborto e educação sexual. e a minha preferida, antología, uma das músicas mais tristes do mundo. e claro, donde estás corazón, minha musica de karaokê.
a segunda razão porque esse disco é tão querido é que foi com ele que eu me apaixonei pelo idioma espanhol. com o tempo, consegui um dicionário de castelhano e tudo que passava pelo meu radar, eu devorava: filmes, séries, revistas e principalmente músicas.
se hoje eu vivo e trabalho na argentina, é porque um dia shakira gravou um disco genial que eu escuto até hoje.
a gente pode zapear num streaming? ou tem outro termo mais apropriado?
Confesso, do alto dos meus quase 40 anos, que nunca assisti "Queer As Folk" - o qual, aliás, sempre confundo com "Queer Eye For A Straight Guy", que também só conheço de nome. Também não vi "Heartstopper" (aliás, fui apresentado agora por você). Não sou muito de séries, no fim das contas.
Mas é interessante esse comentário de que "falta sexo" na obra e que de tudo no mundo gay é sempre sexualizado, porque me lembrou um episódio de quando eu assisti "Moonlight" (uns bons anos depois do Oscar) e indiquei a um amigo gay. Quando perguntei o que tinha achado, ele disse: "fiquei esperando os dois se pegarem no final". Só que ali é um filme sobre carinho e afeto reprimidos e ansiados - e o desfecho evidencia isso - e não sobre sexo (também vi algumas pessoas malhando o filme por conta do final "abrupto", mas essa é outra história).
E foi bom você lembrar dessa fase da Shakira. Outro dia comentava exatamente sobre ela com um amigo que é fã. Eu simpatizava com ela nessa época: uma garota com seu violão e letras confessionais sobre levadas folk-pop-rock. Mas como pra fazer sucesso no mercado pop dos EUA sendo negra ou latina tem sempre que balançar a raba (ou fazer música de balançar a raba), ela se rendeu à segmentação, infelizmente.
eu amei!