sentimento brasil
#126 - recordes vêm e vão, mas o estado de graça de voar junto com um atleta, não sei se as pessoas de outros países conseguem realizar
olá vocês!
tivesse a menina riley nascido em solo tupi, divertidamente teria que apresentar uma emoção a mais: a de ser brasileiro. claro que você pode dizer, ah, mas amar o próprio país é um sentimento universal. sim e não. todo mundo ama seu país, mas o brasileiro ama diferente. porque se você nasce num país rico, pode ter bem mais acessos e oportunidades, logo, não rala o mesmo tanto para conquistar algo.
vê se algum cidadão dos eua com mais de 100 medalhas tá tão feliz como a gente com as nossas 20. acho que tirando os mais aficionados e as partes obviamente interessadas, atletas e federações, ninguém nem conta mais. “ah, mais uma medalha? guarda lá no quartinho junto com as outras”. já a gente celebra cada uma como se fosse a única. claro que há países em situação de charlinho1 muito maiores que a nossa, mas não sei se eles são capazes de dançar um passinho na beira do abismo, aí tem que ser brasileiro.
ser brasileiro é estar com a bile na garganta de raiva de tudo, com a esperança já na reserva e ainda assim, chorar de emoção e felicidade com as nossas conquistas em qualquer esporte. porque dadas as condições com que treinam e se preparam nossos atletas, qualquer posição inédita é ouro; bronze é ouro, prata é ouro, ouro, obviamente é ouro. chegar quase lá é ouro, dar uma canseira nos campeões de sempre é ouro; ser o sujeito de uma frase começada com “primeiro atleta brasileiro a”,é ouro. não ganhou nada, mas saiu bem na foto, é ouro. não deitou pra gringo? ouro.
na cabecinha dessa riley brasileira o sentimento brasil ia ficar ali, tocado pela tristeza, mas de mão dada com a alegria. brasil é o sentimento de saber como o caminho foi longo e tortuoso até cada pódio. então quando um dos nossos sobre ali, milhões de pessoas estão vencendo ali com eles. lembra da foto em que parece que tem um brasil marchando com o caio bomfim? pois o brasil tava ali, marchando. e lutando, deslizando, levantando pesos, dançando com um arco, empinando um skate no queixo e claro, saltando no solo, na trave, no cavalo e nas barras.
só sendo brasileiro pra entender o tamanho da conquista de rebeca, flavia, jade, julia soares e lorrane ganhando um bronze no esporte mais bonito já criado. não tem nada mais brasileiro que ter um sorrisão na cara depois de uma queda feia. e só um brasileiro pra entrar jingando e mandando passinho numa prova decisiva. o sentimento brasil é o que nos faz dançar junto o movimento da sanfoninha, o dididiê e o cancan com as meninas no solo, afinal, mesmo nos momentos mais solenes, há uma coisa ali que só sendo brasileiro pra apresentar.
o sentimento brasil é a euforia que a gente sente quando vê rebeca apenas existindo. qualquer um em seu lugar se entregaria ao nervosismo, mas ela somente se entrega ao momento, íntegra, plena, sorrisão no rosto, maquiagem intacta. a cada olimpíada a gente vai vendo história sendo escrita. ver a simone biles e todos os seus oitocentos logros é histórico. mas tem vez que a história não só é escrita, mas também ilustrada, com esmero. ver um pódio de meninas negras com duas atletas estadunidenses honrando a nossa rebeca é para chorar sim, para emoldurar e pendurar no museu.
o sentimento brasil é ver coisa que tem tudo pra não ser sendo. e coisa que tem tudo pra ser, no último segundo não sendo. brasil é o nome do orgulho de saber que neste momento, a maior atleta brasileira, a ayrton senna da geração dos meus sobrinhos é uma garota preta que veio da favela e teve sua vida mudada pelo acesso a um esporte de elite. o sentimento de brasil é a pontada de esperança que dá no que pode vir nas próximas safras.
negócio de olimpíada nos dá uma fé que nos faz otimista demais. imagina um brasil onde cada escola pública seja um celeiro de futuros medalhistas. o sentimento brasil é constatar que se mais meninas tivessem desde sempre tanto acesso ao esporte quanto os meninos, nosso saldo seria o dobro de medalhas. e que se a gente não tivesse perdido tanto tempo dando atenção somente aos rapazes do futebol, a gente teria sido tão mais feliz.
o sentimento brasil é saber que cada atleta tem potencial para chegar longe e quando chegar lá, a história dos que vieram antes e abriram portas nas mesmas categorias vão ser reverenciadas. é brasileiro o sentimento de reconhecer classe, cor da pele e gênero: as mulheres pretas de periferia subriram no lugar mais alto do pódio e esta é uma porta que jamais deve se fechar.
é brasil o sentimento da beatriz souza ao dizer “eu consegui, deu certo, mãe! foi pela avó!” e chorar aquele choro mais bonito, um filete correndo ali do lado do olho, afluindo todos os choros que todas as bias souzas já choraram até ali. a lágrima mais transparente que eu já vi correr, honesta, límpida. quando bia diz “pretos e pretas, é possível”, ela vem pra desdizer todos os “não é possível” que ouviu antes.
o sentimento brasil é a vergonha que a gente sente quando um homem do tamanho de izaquias pede desculpas por não conseguir o ouro. porque somos nós que devemos desculpas a todos os atletas por não dar a eles as melhores condições possíveis para treinar sem se preocupar com a estabilidade financeira de sua família. por só lembrar do potencial brasileiro em esportes que não são o futebol masculino a cada quatro anos. desculpa izaquias por não ter nenhuma rua com seu nome, você merece o mundo e a gente não merece você.
o sentimento brasil é o que faz flavinha se reerguer de uma queda e seguir sorrindo e a gente nem ter tempo pra lamentar porque ela já está voando pelos ares de novo. o sentimento brasil é o que faz a gente voar junto com elas, com o medina no mar, com gustavo bala loka na bicicleta, com o piu saltando as barreiras, no skate com a rayssa e o aiko. recordes vêm e vão, mas o estado de graça de voar junto com um atleta, não sei se as pessoas de outros países conseguem realizar.
o sentimento brasil é não entender absolutamente nenhuma regra de nenhum esporte, mas ver maravilhado movimentos que desafiam as leis da física e da gravidade. é não ter a disciplina necessária para praticar um esporte, mas ter a energia e o sistema nervoso forte o bastante para não enfartar na frente da tv.
o sentimento brasil é a fé. é conhecer a melhor mandinga pra protejer os nossos e a melhor uruca pra que os adversários tropecem. é fazer corrente de oração nos segundos decisivos. é falar graças a deus, pelo amor de deus, ai minha nossa senhora intercalando com todos os palavrões conhecidos e até mesmo os inventados.
o sentimento brasil é quando você jura de pé junto que não vai acompanhar nada, nadinha, começa dando uma espiadinha e quando vê, tem toda sua agenda comprometida por competições. porque não é sobre gostar ou não de esporte, mas para ver nossa gente bronzeada mostrar seu valor. e chorar cada vez que tocam o hino nacional e mais que tudo, o sentimento brasil é desconhecer a cor dos metais. tudo é ouro quando a gente sabe o quanto de suor e as lágrima foi necessário para alcançar.
obrigado brasil, a gente se vê nos jogos paralimpícos!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
Adorei a curadoria de imagens!
Arrepiei do início ao fim do texto. Estava praticamente lendo uma final olímpica! 👏🏻👏🏻👏🏻