querida fernanda
#144 - premiações são meio injustas e você não precisa ser validada por mais ninguém a esta altura. mas caramba, como ver você feliz me fez feliz!
olá tudo bem?
a julgar pelas fotos, deve estar tudo mais que bem, né, desculpa a pergunta tonta. eu mesmo estou to-tal-men-te zonzo desde que a viola davis gritou o seu nome. assim como você, eu não tive reação, só fiquei de boca aberta, te vendo atravessar aquele salão meio apertado, passando por cada mesa mais estrelada que outra. te felicito pela fibra, eu teria desmaiado no meio do caminho. e depois que você começou a falar em inglês com seu delicioso sotaque da tijuca, eu chorei.
e chorei de novo quando vi sua entrevista na globonews, e chorei quando vi o selton te abraçando. e vendo o vídeo com a reação da sua mãe. e cada vez que eu revejo seu discurso, ou vejo sua imagem poderosa com a estatueta na mão eu abro um sorriso e é questão de tempo pro olho encher de água. fernanda, que momento lindo para estar vivo. cá entre nós, eu acho as premiações injustas e todo mundo sabe que você não precisa ser validada por mais ninguém a esta altura. mas caramba, como ver você feliz me fez feliz. é o que eu precisava para começar bem a semana, o mês, o ano.
você não me conhece, mas eu já estive uma vez, há quase 20 anos no mesmo espaço que você. você passou pela minha cidade com o monólogo a casa dos budas ditosos e eu era uma das mil e tantas carinhas maravilhadas de te ver em cena. sentada, apenas você, um foco de luz e um texto delicioso, adaptação sua do livro de joão ubaldo ribeiro. acho que foi ali, antes dos memes, dos livros, dos tapas e dos beijos, que eu tive certeza que eu te amava.
e te amei ainda mais quando vi o filme casa de areia, em que você e a sua mãe revezavam as personagens, em muitas gerações de mãe e filha. é assombroso como você é to-tal-men-te a sua mãe e ao mesmo tempo é uma entidade artística tão única. coisa de gênio. e te amei mais ainda quando te vi garota, na quarentena, em terra estrangeira, filme de um também garoto walter salles. você naquele filme foi um marco na minha vida. eu imigrante como a alex, sua personagem, vi este filme cinco vezes em um par de meses. o que eu chorei de saudade do brasil te ouvindo cantar vapor barato não tá escrito.
e claro, como o brasil inteiro, eu sempre amei suas versões televisivas. tapas e beijos, a comédia da vida privada, os normais. na sua boca a fernanda young era ainda mais fernanda young. não há em nenhum lugar do mundo uma sitcom tão anárquica quanto os normais, porque teria que ter outros alexandre machado e fernanda young e eles terem a sacada de criar outros rui e vani, e darem a sorte de encontrar outro luís fernando guimarães e outra de você. a gente acha 20 cópias de friends, 15 de the office, mas a vani cantando “eu vou dar” batucando num balde só tem uma.
e tem a sua dobradinha perfeita com a andréia beltrão em tapas e beijos. aliás slapes and kisses (eu morri de rir quando os gringos mandaram esta legenda, pra tentar te explicar). e o que eu mais gosto é que você vai de atriz fodona ganhando prêmio por papel dramático a uma personagem que tatua “forevis young” no cócix sem ficar devendo pra nenhuma. alguns diriam versatilidade, mas eu arrisco a dizer que é compromisso e tesão pela arte.
e chegamos ao que você chamou de “um papel da minha maturidade”. quando saiu o livro ainda estou aqui, em 2016, eu ganhei um exemplar da minha amiga elis e o devorei, em parte porque é meio continuação de feliz ano velho, do marcelo rubens paiva, de quem eu sou muito fã. e em parte porque é forte demais a história daquela mãe, cuja memória ia esvaindo por um alzeimer. eunice era tão grande quanto seu marido rubens, vítima da ditadura. é uma história que vale a pena ler, deveria ser obrigatório nas escolas.
a eunice no papel e nas entrevistas era uma figura poderosa. na sua pele, fernanda, ela é uma força da natureza. no documentário jogo de cena, a marília pera faz uma observação interessante: “quando o choro é verdadeiro, a pessoa tenta esconder, enquanto o ator procura mostrar.”1 qualquer uma das suas concorrentes, com um papel desses, talvez entregassem performances vicerais, catárticas, explosivas. todas talentosas, fariam um bom trabalho. mas a sua eunice não chora, não grita, não explode. e isso parece ser tão mais difícil.
viver uma dor sem tamanho e conter essa dor para ser fiel à personagem, sabe. não há justiça no mundo se essa não for a performance mais premiada deste ano, bairrismo à parte. eu acho, fernanda, que a minha alegria não é somente te ver ganhar, mas também de ver o mundo ganhar você, te receber de braços abertos, descobrir o que a gente sabe. então nem vou entrar na pira de como vai ser se - ou quando - você chegar no oscar. quero neste momento só processar e reviver a emoção deste domingo: ver você feliz.
por isso eu vim aqui para te agradecer pela nobreza de levar a sua arte a níveis tão diversos, dos memes aos golden globes. de ser uma operária da sua arte. eu não sei o nome dos seus filhos, não faço idéia das grifes que você usou nos tapetes vermelhos ou se você não se dá bem com alguma outra celebridade. mas quando você faz um filme, eu pago o ingresso. e leio o seus livros, ouço seu podcast, assisto às entrevistas. para ver você assim, sempre tão lúcida, divertida, meio maluca, consciente da importância da arte para salvar o mundo da mediocridade.
que bom estar aqui, neste mundo, ao mesmo tempo que você.
com amor, júnior
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
foi a minha amiga elis que lembrou dessa frase da marilia pera, quando falou sobre ainda estou aqui em um story no instagram.
obrigado por me deixar ler essa preciosa e respeitosa carta de amor.
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