pequenas derrotas
tem coisa pior que encontrar um semi-conhecido no supermercado e não saber se deve cumprimentar de novo cada vez que se esbarram em diferentes corredores?
olá meu povo.
eu tenho a mania de tomar banho no escuro quando estou muito cansado do trabalho. é um ritual para esvaziar a mente. entro na ducha quente, no escuro total e deixo minha cabeça ir onde ela quiser, sem guiar ou controlar o fluxo de pensamentos. foi assim, numa dessas sessões de banhoterapia que eu percebi que dois dos eventos mais importantes da minha vida tiveram o mesmo cenário, com uma década anos de diferença, a pecuária.
se você não é de goiás, talvez conheça o espaço como parque de exposições agropecuárias e o evento anual como feira agropecuária. pra gente, é tudo uma coisa só e reduzida somente ao mesmo nome: pecuária. “vai no show do christian e ralf na pecuária de aparecida?”; “ah, comprei na feira do marreta, ali em frente à pecuária.”; “mãe, tem que assinar essa autorização da escola pra gente ir ver os bichos na pecuária”.
enfim, nas histórias a seguir, vou me referir assim ao espaço e ao evento como goiano que sou. além dos dois causos de pecuária, um apanhado de pequenas derrotas diárias e uma homenagem à mulher mais libertária da internet. vem comigo!
CRÔNICA
pequenos fracassos cotidianos
acomodar os livros na estante, todos direitinho e de repente, achar um que estavam em outro lugar e que não cabe junto com os outros. querer tirar uma foto e, sem querer, começar a gravar. fazer pose para uma foto e ser um vídeo. alguém tirar as pilhas do controle pra usar em outra coisa. gravar um áudio enorme e só então se dar conta que o dedo saiu do lugar e não gravou nada. começar um áudio, se perceber que seu tom de voz não está apropriado e tem que descartar e gravar outro. alguém te mandar uma mensagem cheia de animação e você esbarrar no botão de joinha sem querer. alguém te responder com um joinha. vestir uma camisa com pressa e sobrar um botão no final. molhar uma bolacha no leite e cair um pedaço fora da xícara. tentar aportar alguma coisa numa conversa em grupo, mas mudarem de assunto antes. tentar cumprimentar alguém e te deixarem no vácuo. cortar um papel na linha pontilhada e quase no finalzinho a folha rasgar fora da linha. estar deitado vendo algo na internet e o celular cair na sua cara. encontrar um semi-conhecido no supermercado, cumprimenta com m sorrisinho e depois ficar encontrando ele de novo em outros corredores. não lembrar o nome ou de onde conhece seu interlocutor. vestir uma roupa do avesso, passar o dia com ela e só perceber no fim do dia. dizer algo estranho no exato momento em que todos se calaram. descobrir que não tem papel no banheiro logo depois de fazer cocô. pegar o papel com a mão molhada e ele dissolver. dar descarga e o cocô não descer. nenhuma das meias ter um par completo. engarranchar a roupa na maçaneta. encontrar as forminhas de gelo vazias no freezer. pisar numa poça e passa o dia com a meia molhada. acenar para um conhecido na rua e perceber que era outra pessoa. esperar a água ferver e só bem depois perceber que esqueceu de acender o fogo. abrir uma caixa de fósforos do lado errado e esparramar palitos pelo chão. mostrar um vídeo pra alguém e essa pessoa não rir. correr para alcançar o ônibus e ele não esperar. ter que explicar uma piada. sair de casa muito abrigado e fazer calor no meio do dia.
e você, quais são seus pequenos fracassos do dia- a-dia?
CONFISSÕES
pecuária
goiânia, junho de 1987. acompanhado de toda a família, eu, caçula de cinco anos, fui visitar a pecuária. meu tio tinha uma barraca de bolas infláveis e por causa disso meus pais ganharam uns ingressos para visitar a exposição. sabe aqueles parques de diversões de filme americano? pois é, pros meus olhinhos curiosos era mais ou menos aquilo: maçã do amor, algodão doce, roda gigante, balões em formato de chupeta (de onde saiu isso?) e, claro, os animais. havia pavilhões inteiros de boizinhos, carneiros, pôneis, todos muito mansinhos, a gente podia fazer carinho neles, eu estava encantado.
até que, sabe-se lá porque, eu fiquei um pouco atrás o grupo. e depois dobrei em outra direção, atraído pelos brinquedos do tiro-ao-alvo. e depois me distraí por qualquer outra coisa tão colorida ou doce quanto. até que em algum momento eu não vi mais minha mãe. nem ninguém conhecido. tentei voltar à barraca, mas os caminhos pareciam todos iguais e eu ia me perdendo sistematicamente. imagina ter cinco anos e ter perdido da família numa multidão de, sei lá, cinco mil pessoas? foi aí que eu fiz o que qualquer um faria: abri um berreiro.
um segurança me abordou, ouviu minha triste história e me levou à rádio interna. ali eu só sabia meu nome e que meu tio vendia bolas. a minha mãe pra mim se chamava só mãe, né? o desfecho: minha mãe e minha avó apareceram para me resgatar, mas no fim desses aflitivos 10 minutos eu criei um trauma absurdo de ser esquecido nos lugares. eu criei um verdadeiro pavor de ir ao supermercado com meus pais e eles me deixarem lá. até hoje eu tenho pânico se vou encontrar com alguém e essa pessoa demora a chegar. um medo real de ser abandonado.
(…)
junho de 1998. copa do mundo, eu me lembro porque era um brasil x chile. meu finado tio ba, o mesmo da barraca de bolas, dessa vez estava com um negócio diferente: montou uma barraca de caldos em sociedade com a minha mãe. durante dois meses eles percorreram as cidades do interior do estado de pecuária em pecuária, vendendo caldos. minha mãe cozinha muito bem, logo o negócio deu muito certo. como eu estava em aulas, nos fins de semana eu ia com meu irmão para onde ela estivesse.
num desses fins de semana, a pecuária era em morrinhos. dia de jogo do brasil, tudo enfeitado de verde e amarelo. se não me equivoco, a cidade era morrinhos. um detalhe importante: fomos de carro com outro tio, meu irmão, meu primo e eu. e no caminho ele ficava o tempo todo falando sobre como a gente tinha que “perder o cabaço”, que meu primo, que era mais novo que eu, já era “comedor de menininhas”, e fazendo piadas idiotas. essas conversas me intimidavam muito, então eu fiquei calado. não entendia bem o que acontecia comigo, só que eu não era como os outros garotos.
pois bem, mal chegamos, fui ver o jogo. o brasil ganhou a duras penas, logo mais à noite, teve show do rio negro e solimões. eu estava me divertindo, vestido à carater, de bota e fivela. tinha uma moça, filha da mulher que ajudava minha mãe com os caldos. não sei porque, mas em dado momento ela me chamou para dar uma volta pela pecuária. ela tinha uns 24 anos, eu tinha 15 (mas menti que tinha 17). tomei uma batida com vodka, fingindo costume, porque nunca tinha tomado álcool na vida, exceto um pouco de sangue de boi no natal em família.
logo pintou um clima e a gente foi “garrar” (termo goiano para ficar) atrás da caixa d’água do local. uma coisa levou à outra e eu perdi minha virgindade, transando em pé num lugar fedido a mijo. eu queria dizer não, mas sei lá porque eu achava que não podia recusar sexo, mesmo que fosse em condições que eu não estivesse a fim. não usamos camisinha. doeu (ninguém fala sobre isso, mas ás vezes dói para os meninos também). não me lembro o nome da moça, fui procurar ela na barraca e ouvi ela contando para meu tio o que rolou. ele nunca soube que eu sabia, mas pelo que eu entendi, ele pagou pra ela ficar com o filho e comigo. nunca contei essa história antes pra ninguém, nem me lembrava mais. só sei que eu só fui fazer sexo de novo depois dos 18.
eu nunca tinha feito um paralelo entre dois eventos tão marcantes na minha vida e o que eles têm em comum, mas por alguma razão desconhecida, nas duas ocasiões eu ganhei e perdi algo de maneira definitiva. aos cinco anos eu me perdi da minha mãe. aos 15, me perdi de mim mesmo. me senti culpado de não ter tido uma primeira vez mais legal, com alguém que eu confiava. mas, como tudo na vida, as outras vezes foram melhores.
PATRIMÔNIO NACIONAL
a mulher mais libertária do twitter
se tem uma instituição que ainda funciona normalmente no brasil essa instituição é o twitter da regina navarro lins. não importa qual seja a pauta do dia, a polêmica, a pataquada do presidente, o desastre, a premiação, o álbum de diva pop, a partida de futebol, a novela das nove. não importa sobre o que todo mundo vai estar falando, sempre vai ter um tweet da regina totalmente alheio à questão, passando lépido e fagueiro no meio da zona de guerra. e inevitavelmente será algo sobre amor, sexo e relacionamentos.
simples assim, sem um link, sem encadenar com outros tweets, sem responder a ninguém ou dar rt. só jogar lá o tweet e sair de cena. talvez seja a conta que melhor sabe utilizar o twitter no mundo. é quase uma pausa na loucura cotidiana parar e ler a máxima da vez em 280 caracteres e depois seguir a vida.
conhecida do grande público por participações na tv como em amor e sexo, a psicanalista carioca é conhecida por falar de sexo e relacionamentos sem tabus e de uma maneira simples e direta. e sem nenhum moralismo. o que desmistifica temas importantes para a sociedade, como liberdade feminina, não-monogamia, autodescoberta e combate ao patriarcado. li há muitos anos o livro cama na varanda e confesso que questionei e mudei muitas posições arcaicas que tinha.
o twitter da regina deveria ser patrimônio nacional. debatido em sala de aula para adolescentes. passar na tv em horário nobre. para que jovens não se sintam forçados a tomar decisões baseadas em puro machismo, para que pais não ajam de maneira equivocada ao lidar com a sexualidade dos filhos, para que homens e mulheres sejam mais livres. viva regina!
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book pela amazon.
Acordar 15 minutos antes do despertador, sair de casa com sapato desconfortável e só se dar conta depois, perder uma promoção de viagem, comprar moeda estrangeira/ações e no dia seguinte ela despencar, caneta que não escreve e vc esquece de jogar fora, energia que cai e o computador não tem no-break...
em choque pq essa noite sonhei com pecuária e aí hoje eu abro o e-mail e tcharam: histórias vividas na pecuária