deixa acontecer na-tu-ral-men-te
#33 - hoje eu vou publicar um não texto. fazer o quê se ele resolveu que não ia descer da cabeça para a ponta dos dedos?
hola, qué tal?
se você é como eu, deve assinar uma caralhada de newsletters. se não, que sorte a sua não ter tanto texto pendente na caixa de e-mail, mas que pena, tem umas realmente muito boas, das que valem a pena assinar e te fazem feliz quando você tira um tempinho do seu dia para ler. inclusive vou deixar um top 10 com as minhas preferidas no final deste texto, vale a pena chegar lá.
dizia eu que a aritmética como eu ia dizendo, se você assina mais de três newsletters, já percebeu que quase todo escritor passa pelo momento de não ter muito assunto naquela semana, seja porque não tem nada acontecendo, ou porque tem coisa demais acontecendo e é necessário ter tempo e inspiração para escrever. como muito bem disse a clarissa na última edição da tudo acontece muito:
“mas posso dizer que no geral não tenho tido vontade. não, não posso não. vontade eu tenho, mas me falta o desejo de sentar na frente da tela em branco, talvez. eu tenho vontade de contar as histórias, de fazer com que elas sejam contadas, mas não de escrever.
parece um pouco minha impressão geral sobre acordar: eu odeio acordar, mas adoro estar acordada. é como uma arrebentação que você tem que passar, mas tenho passado em silêncio.”
acontece assim pra quem tem que escrever sob demanda (ainda que demanda própria): tem dia que nem com reza braba. eu mesmo já passei por isto aqui um par de vezes. dias em que uma grande ideia pra um texto te cutuca um bom tempo e quando você vai ver, ela é muito boa para um tweet.
há coisas grandes e pequenas, boas e ruins acontecendo no mundo que merecem um tratado até. mas parece que em uma semana já disseram tudo que já deveria ser dito sobre cada tema e eu tenho pavor – pavor! – de escritor que só se manifesta sobre algo para aproveitar uma onda.
hoje mesmo, eu não tenho texto nenhum para entregar. não é que faltou inspiração, é só o texto que resolveu não descer da cabeça para a ponta dos dedos. e justamente hoje eu não tenho vontade de forçar ele. tenho pra mim que texto é que nem filho, nasce na hora certa. pelo menos é esse o meu processo de escrita, o texto existe em algum lugar e ás vezes é melhor deixar ele lá, madurando. uma ideia pinta aqui, eu guardo numa notinha mental. capaz que ela combine com outra que também estava ali meio perdida e quando eu menos espero, o texto toma forma. no tempo dele, como na canção, deixa acontecer na-tu-ral-men-te.
dizem que julio cortázar era assim, matutava uma história por meses, anos até. torrava o adiantamento que lhe davam para escrever e enquanto isso, ia tocando a vida, bebendo um vinhozinho, brincando com sua gata, amando umas senhoras, indo ao box e tocando muito mal seu trompete numa bandinha de jazz. daí, quando não cabia mais dentro de si, ele saía com um rayuela, um dos mais intricados romances já escritos.
reza a lenda que ele levou pouco tempo para escrever a obra, mas ela estava sendo escrita há tempos na cabeça dele. longe de mim comparar o que eu faço aqui com qualquer coisa que o cortázar tenha feito, mas né, se ele pode procrastinar porque nós não podemos?
quando eu trabalhava em um jornal, com o deadline apertando meu pescoço com seus dedos longos e ossudos, claro que eu paria matérias a forceps. mas aqui eu não vejo muito sentido fazer isso. não pensem que eu não poderia reciclar um texto antigo ou mesmo encher linguiça até dar um número bom de caracteres. eu não tenho menor pudor em confessar que já fiz isso antes. mas hoje eu vou publicar um não texto. há um sem fim de coisas sobre as quais não vou escrever.
por exemplo, ontem atravessei a faixa da porta da minha casa e, no momento em que o sinal fechou uma moça muito bonita se pôs a tocar bandoleom entre os carros. a música folclória argentina é muito mais bonita para mim que o tango. parei na calçada para apreciar aquele momento. ela tocava uma chacareira e cantava com tanta animação que nem parecia que estava fazendo aquilo o dia inteiro, a cada intervalo de cinco minutos. pensei em escrever sobre o triste que é trocar um tesouro de uma canção tão triste tocada com tanta beleza, por um par de notas de peso ou caras de desdém de motoristas apressados. mas não saiu, nem sequer sei descrever o momento sem usar a palavra beleza, sou uma fraude.
talvez eu escrevesse sobre a notícia que viralizou nesta semana. um garotinho se perdeu na feira de san telmo e um homem foi para o meio da plaza dorrego com o menino chorando nos ombros e começou a gritar o nome do pai, logo todos fizeram coro e do nada, a banda que tocava na praça improvisou um rock “eduaaaardo, vení a buscar juan cruz”. em poucos minutos o pai encontra o garoto, todos se abraçam e eu confesso que chorei porque, como criança perdida da mãe na infância, esse tipo de coisa me emociona. mas a história é pouca, com desfecho breve. se você quiser ouvir a canção-chiclete, clique aqui.
pensei em escrever uma carta para o luan, filho recem nascido da luana e do lucas, um casal de amigos queridos. queria dizer que nascer é um milagre tão bonito, ainda mais quando calha dos seus pais serem as pessoas mais incríveis e livres de grilos que existem. queria escrever que dá uma esperança danada no futuro ver um bebê tão amado. quando alguém decide que vai investir tempo, recursos e afeto em um ser humano novo, apesar das coisas estarem como estão, é um milagre a ser celebrado.
ia dizer que que apesar da gente ainda não se conhecer, ver cada pequeno frame de vídeo, fotinho nas redes, e tudo mais, já enche meu coração de amor. mas não vou escrever sobre isso, porque não gosto de escrever clichês como “enche meu coração de amor” e não me ocorre nada que descreva tão bem o que eu sinto. desculpa luan, o tio te deve um texto melhor.
não vou escrever sobre os 80 anos do caetano veloso porque sou muito fã. o texto vai ficar muito ruim, cheio de superlativos, elencando canções que todo mundo já conhece, e certamente vou deixar alguma muito importante de fora e me odiar depois.
não vou escrever sobre as séries que estou vendo, porque no momento estou revendo ugly betty e né, série muito antiga, todo mundo já viu, nem tem nada pra dizer aqui. até tem, o fato da trama da personagem transsexual alexis ter envelhecido mal pra caramba, como quase tudo que abordou o tema há duas décadas. e que hoje betty seria uma influencer e o resto dos personagens soariam cafonas com seus outfits mudernos de 2006.
não vou escrever sobre o que tenho ouvido porque ainda é o álbum da beyoncé. e sobre o que eu tenho lido... risos, há um mês eu tento avançar a leitura de hibisco roxo, da chimamanda, mas parece que eu desaprendi a ler. pelo menos a ler livros. shame on me.
não vou escrever sobre as eleições porque de verdade estou num cagaço de algo dar muito errado e vocês sabem, acontecer aquilo de novo. mas queria dizer que eu desejo ardentemente um futuro onde a gente possa se lembrar desses últimos quatro anos como um pesadelo ruim, de onde a gente só pode tirar de bom as lições para que nunca mais esse horror se repita.
não vou escrever sobre a cirurgia que tenho que fazer nesta terça-feira porque eu nunca me operei de nada depois de adulto e estou num cagaço ainda maior que o das eleições. é uma hérnia pequenininha que apareceu e o processo é muito simples. mas eu não posso evitar de sentir ansiedade e vontade de que passe logo. mas já sabem, se estão lendo isso agora, por favor, me manda um axé, uma oração, um pensamento positivo. ou um pix, vai que. depois que passar talvez tenha algo sobre o que escrever, por enquanto é só cu na mão mesmo.
mas vai passar.
* * *
hoje não teve um texto (será que não mesmo?), mas para as próximas duas semanas, enquanto eu estiver de repouso por causa da cirurgia, chamei duas grandes amigas e também escritoras incríveis para me substituir. no dia 30, a mariana felipe vai dar o ar da sua graça e no dia 6 a nicole reis vai trazer encanto e simpatia para este espaço. vejo vocês em duas semanas, um beijão!
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tudo acontece muito da clarissa passos
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desinteressante, do marcos cândido
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uma mulher que escreve, da lethycia dias
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Uma honra estar no TOP 10 de newsletters. E tem tanta coisa em um não-texto, nunca tinha visto isso.
e o bonito não tinha nada pra escrever...