I'll be there for you...
#78 - melhor amigo pra mim é pleonasmo, todos os meus amigos são os melhores porque são as melhores pessoas que eu conheço
olá vocês!
na semana passada nos despedimos do escritor tcheco milan kundera. mais que livros incríveis, ele dissecou as relações modernas em romance, isso lá pelos anos 70 e 80, quando nem tinha esse negócio de relações modernas. no livo a identidade, e disse uma coisa linda sobre amizade, que acho que é uma de suas citações mais célebres:
“a amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da memória. lembrar-se do passado, trazê-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. para que o eu não encolha, para que mantenha o seu volume, é preciso regar as recordações como as flores de uma vaso, e essa regra exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto é, com amigos. eles são o nosso espelho, a nossa memória; não se exige nada deles, apenas que, de vez em quando, puxem o lustro a esse espelho para que possamos nos mirar nele.”
eu tenho pensado muito neste livro porque nesta semana se comemora o dia do amigo. aqui na argentina a data é comemorada a sério, como o dia das mães, dos pais, dos namorados. as lojas estão enfeitadas, os restaurantes fazem promoção para quem for jantar com os migos, tem happy hour especial. eu nunca pensei em uma efeméride para celebrar a amizade, mas é uma coisa muito justa, porque para mim amizade é uma relação tão importante quanto um romance.
a gente se encanta com amigo novo, em conhecer um mundo diferente, tem amigo que é paixão imediata. tem amigo que você conhece aos poucos, cumprimenta nos corredores, mas aí vem uma situação que os coloca do mesmo lado e, de repente, é como se fossem as gêmeas de o iluminado, tamanha identificação. fala se não é como um namoro? e o tanto que a gente sofre quando uma amizade boa acaba?
sim, porque amizade boa também acaba. às vezes não precisa oficializar um fim, a vida mesmo acaba por encaminhar cada uma das partes para um lado. a única diferença entre amizade e romance é que amizade pode ser sentida na ausência total, num hiato. você pode ficar anos sem encontrar uma pessoa e em segundos, reconhecer tudo que ficou suspenso. uma tarde inteira de café e risadas têm o dom de passar a limpo os últimos anos em que amigos ficaram separados.
eu tenho 40 anos e tenho muitos amigos. e olha que aprendi tarde a reconhecer o valor que tem uma amizade. não sou da turma que conta os amigos nos dedos de uma mão. tenho muitos amigos porque amizade, felizmente, prescinde de códigos monogâmicos. isso de “melhor amigo” é uma ilusão pueril. pra mim é pleonasmo, todos os meus amigos são os melhores porque são as melhores pessoas que eu conheço e sempre estão em busca de ser versões melhores de si mesmos.
somos muitos dentro de uma pessoa só e nos relacionamos em diferentes níveis com pessoas diferentes. É possível ter bons amigos em ambientes diferentes e se relacionar bem com eles, sem que ao menos um conheça o outro pessoalmente. e é possível ter uma turma sólida de amigos, como uma família.
é claro que, como é um relacionamento, amizade também pode ser tóxica e abusiva. a gente pode se decepcionar com alguém que a gente julgava ser diferente e se revelou um grandessíssimo embuste. mas o problema é desta relação em sí, não da amizade como um todo. nem todo mundo, e eu arrisco a dizer que quase ninguém é assim. Então não vou falar sobre ex-amigos, nem sobre amigos da onça. se você não eliminou gente assim da sua vida, tá em tempo. prosseguindo, esse texto é uma carta aberta de amor e gratidão àqueles que sabem o tamanho que ocupam na minha vida.
olhando a vida em retrospecto, eu vejo que sem meus grandes amigos e amigas eu não teria atravessado períodos cascudos da minha vida. quando a gira girou, foi ali que eu encontrei apoio e afeto. e quando o sol voltou a sair, foi para a minha gente que eu voltei para dar as boas novas. então, eu vou dizer um pouco sobre o que eu acredito que é amizade para mim hoje. quando alguém fala em amigos, a primeira imagem que vem à minha mente não é de uma galera linda numa balada sorrindo e exalando juventude num post super curtido no instagram. felizão e borracho na pista, você jura amizade até ao barman.
amizade mesmo é alguém te obrigar a comer quando você não consegue. é alguém te deixar chorar por meia hora até você esvaziar, e só então dizer alguma coisa. é alguém que te avisa que algo pode dar ruim e, depois que você foi lá e fez merda, pode até dizer “eu avisei”, mas não sem antes de abraçar e te compreender. é quem se oferece para te ouvir, mas também fica ali em silêncio, se você não quer ou não consegue falar nada. quem segura a sua mão quando você pensa que não dá mais. quem tá do outro lado do mundo, mas te conhece tanto que, por foto, sabe se você tá bem ou não. é quem te encontra de vez em nunca, mas sempre te deixa melhor quando vocês se vêem.
quem te fala as verdades que você sabe que precisa ouvir, não pra te ferir, mas para te acordar para a realidade. quem sabe que pode te machucar, e então se afasta por um tempo. quem comemora cada notícia boa sua. é quem diz “oh, migo, sei nem o que te dizer”, quando a coisa fica ruim, mas essa frase já é uma forma bonita de mostrar que se importa. é quem te bota pra cima quando nem você tá acreditando muito no seu taco. é quem continua seu amigo quando a pessoa que os uniu vai embora.
porque amigo é casa, é conforto. amigo é coca cola com gelo e limão em dia de ressaca. é paraquedas, salva-vidas, quebra-galhos. é chão e é teto. é moletom quentinho quando o resto do mundo tá frio. amizade não precisa de provas. o dia-a-dia se encarrega de construir essa teia de que você vai se lembrar lá adiante, com ajuda de seus cúmplices, como o texto do kundera diz.
claro que amizades são regadas a sorrisos, porres, dancinhas ridículas, karaokê, viagens de carros com bon jovi tocando no toca-fitas, excursão de carnaval, pizzas, falar bobagem, ir ao cinema, fazer piada de peido, fazer foto no espelho, maratonar seriado, fazer amigo oculto, mandar 20 tiktoks por dia, ajeitar um paquera, recomendar para um trabalho, ouvir sobre o crush, alucinar com um disco juntos, providenciar um brigadeiro em caso de fora, fazer um textão no aniversário, com direito a foto constrangedora, rachar um uber, emprestar jaqueta e livro.
mas isso é só a geleinha da torrada, o catchup do x-salada, a ponta do iceberg. meu pai diz que é preciso comer juntos um quilo de sal para se provar o valor de uma amizade. o filho dele é mais frouxo em seus requisitos. confio mais no “aproveite o momento” do que “o tempo mostra quem é quem”. só digo que amizade não é só oba oba. friends não teria durado 10 temporadas se fosse uma série de gente feliz, bem empregada e analisada. uma série sobre amigos que só be there for you quando tá tudo bem, sua vida tá ótima, suas contas tão em dia e seu cabelo tá maravilhoso não duraria três episódios inteiros.
links, links, links!
qual foi o livro mais vendido do ano em que você nasceu? descubra nesta matéria da mariana felipe, que já escreveu um número desta newsletter. ela fez uma lista ótima na revista bula sobre o livro mais vendidos de cada ano.
estive vendo muitas entrevistas com zé celso martinez correa, e adorei este encontro frenético entre ele e antônio abujamra, em 2002, no saudoso provocações. ver os dois gênios se afagando, se admirando e falando sobre o amor pelo teatro é incrível.
nesta semana também nos deixou jane birkin aos 76 anos. sublime cantora e atriz, parceira de serge gainsbourg e ícone da moda, tendo inspirado a famosa bolsa da hermés que leva seu nome, jane foi, sem dúvida, uma mulher interessantísssima. deixo aqui esta entrevista no programa do jô, em 2007.
TOP 10
músicas compostas por joão donato
nesta semana se foram zé celso, jane birkin, milan kundera e, enquanto escrevia esta edição joão donato nos deixava. deus tá bastante ambicioso nas últimas contratações, só tá escalando os craques. o multi-instrumentista e compositor acreano marcou a história da música brasileira. se você é fã da mpb, com certeza alguma das suas canções preferidas tem o dedo dele, já que ele compôs com meio mundo. abaixo listo de memória algumas das que eu mais gosto. entre parêntesis, o intérprete da música.
flor de maracujá (gal)
a paz (gilberto gil) - com gilberto gil
naquela estação (adriana calcanhotto) - com caetano veloso e ronaldo bastos
a rã (gal costa) - com caetano veloso
bananeira (joão donato) - com gilberto gil
emoriô (joão donato) - com gilberto gil
nua ideia (gal costa) - com caetano veloso
simples carinho (ângela ro ro) - com abel silva
doralinda (cazuza) - com cazuza
ecstasy (gal) - com thalma de freitas
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
eu sei que você escreveu que não tem esse negócio de melhor só para não deixar ninguém chateado, pqe eu sou sua best heheh
obrigada por indicar meu texto, xu :)
Esse seu texto dialoga um pouco com aquele sobre solidão/solitude, né? Então: eu fico pendendo mais pro lado da solitude. Hoje, até tenho contato via Instagram com um dos meus amigos mais antigos: a gente se conhece há mais de 35 anos, apesar de termos ficado um longo hiato sem notícias um do outro. Por outro lado, não sei mais que rumo tomaram uns 80% dos amigos da faculdade, inclusive os mais chegados. Do Ensino Médio então, não sei de ninguém (e sinceramente nem quero).
É complicado e extenso explicar as circunstâncias da vida que me levaram a ser assim. Mas vou tentar resumir: minha introversão e minha falta de traquejo social sempre dificultaram enormemente fazer amizades. E quando eu finalmente conseguia, sempre acontecia alguma coisa (mudança de escola, de cidade) pra cortar o vínculo. Eu sofria porque me apegava e, de uma hora pra outra (ou de um ano letivo pra outro), me via tendo de começar tudo de novo. Até que, com o tempo, fui parando de me jogar (e isso vale pra relacionamentos também). Hoje minhas amizades são basicamente virtuais. Não frequento a casa deles, não frequentam a minha, raramente combinamos algo juntos. Quando saio, geralmente é sozinho. Mas conversamos, curtimos e comentamos por algum aplicativo.
O fato é que algumas coisas que amigos fazem citadas por você no texto eu há muito tempo não sei o que são ou nem mesmo cheguei a viver. Mas aí entra a solitude, sobre a qual você escreveu muito bem outro dia (e eu comentei então, mas preferi não elaborar muito). Em vez dessas experiências "de galera", desenvolvi essa capacidade de me entreter e aproveitar os momentos sozinho. Na vida, de um jeito ou de outro, a gente sempre encontra uma compensação.