i love you pra chuchu
#69 - "se você não está perto, eu fico jururu..." sua arte nos fez melhores e te fez eterna. obrigado, rita!
olá vocês!
esta edição extraordinária é só pra dizer muito obrigado, rita lee! vou listar, de forma aleatória alguns momentos em que a grande roqueira do brasil cruzou meu caminho de forma definitiva e como sua arte me abraçou e me acompanhou. como foi bom ser fã e viver num mundo em que rita brilhou e inspirou um mundo melhor, mais vibrante e criativo e menos careta. eu te amo rita, escrevo aqui aos prantos, mas com o coração alegre e teleguiado pela paixonite.
1a primeira memória que eu tenho da vida é do dia em que, aos quatro anos me operaram de adenoide e eu ouvi bwana da rita lee com meu pai, no toca-fitas do carro. dois eventos marcantes no mesmo dia. acho incrível que o evento inaugural da minha vida como eu a conheço, tenha trilha sonora e mais incrível que seja uma música da rita lee.
me lembro de ir muito cedo com meus pais de carro até o hospital, da minha mãe ficar resolvendo a papelada de internação, convênio, essas coisas e eu ficar no carro com meu pai. lembro que ele me passou para o banco da frente e que eu estava em jejum. para me distrair ele ligou o rádio. em seguida começou a tocar uma música muito animada com uma letra que de saída já dava seu recado: a moça era apaixonada por um tal de bwana e faria tudo por ele.
mas o resto da letra, eu não entendi muita coisa. o que queria dizer “teleguiada pela paixonite”? ela era uma mulher-robô de verdade ? que raios de nome é bwana? fora as palavras que eu pedia pro meu pai me explicar: sarjeta, gorjeta, volúpia. só sei que eu adorei demais. foi por muito tempo minha música preferida, apesar de que não era exatamente uma música pra pirralho.
só depois, muito depois, eu descobri, lendo a autobiografia da rita, que bwana foi feita como uma declaração de amor a roberto de carvalho, seu marido, com quem forma até hoje o melhor casal da música brasileira. segundo ela conta, ela não lembra de muita coisa dessa época, pois andava entornando demais. mas que o marido estava “representando o personagem de gibi fantasma, e eu no papel de narda, sua namorada submissa”.
daquele dia, a lembrança vívida do cheiro da anestesia que eu inalei na cirurgia e a presença de rita lee cantando sobre ser intensa no amor marcaram a minha vida pra sempre. ao contrário da moça da canção, eu sou carinhoso, sei cozinhar e não tenho talento para a boemia. mas tal qual rita, eu sou muito intenso e, não tem jeito, o meu defeito é não saber parar. por forjar meu gosto musical desde criancinha e por ser minha babá divertida, obrigado, rita!
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venho de uma longa linhagem de noveleiros e como tal, a voz de rita lee já embalou muitas noites da família em frente à tv. o tema de abertura de a próxima vítima, que casava tão bem com a novela que parece ser feito sob encomenda, na verdade era de 1985, dez anos antes da novela estrear. e como eu gostava da abertura de lua cheia de amor, releitura de dona xepa. no vídeo, uma carmen miranda estilizada com muamba de camelô no lugar de frutas, dançando ao som de la miranda, composta em homenagem á carmen de verdade.
e o que dizer de fernanda montenegro vestida de santos dumont fazendo acrobacias em um 14 bis de desenho animado sobre um rio de janeiro de chroma-key? só rita lee ressuscitando uma marchinha antiga, para dar ainda mais cor a essa ideia maluca de hans donner. a novela era zazá e o refrão “cadê zazá, zazá, zazá…” grudava como super bonder na cabeça. e em sassaricando rita lee e roberto de carvalho já tinham visitado outra marchiha, homônima para a abertura. eu devia ter uns 6 anos, mas me lembro bem da abertura, que era uma festa atrás de uns lençóis, só depois eu me dei conta que era uma orgia. ou um sassarico, como diz a música.
mas melhor que as muitas trilhas de novela, foram as participações de rita como atriz. em top model ela surgiu como bellatrix, mãe de dois dos seis filhos de gaspar (nuno leal maia). esotérica, ela dava indícios de que havia chegado em um disco voador e recitava mantras e frases de autoajuda. e em vamp ela surgiu como lita ree, roqueira amiga de natasha, que acaba se revelando uma vampira, em uma cena hilária. seu bom humor sempre foi sua forma de existir como artista e como cidadã. e foi bom rir e me divertir com você. obrigado, rita!
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em 1997, eu tava no meio de um conflito. hormônios a mil, começando a sair pra festinhas e beijar muito na boca. as meninas eram uma nova descoberta, corpos diferentes, mais cheirosos, mais macios, peitos e poses e apelos. mas lá no fundo eu sentia que aqueles beijos, apesar de muito bons, não abarcavam 100% do meu desejo. eu achava homens bonitos, mas nunca pensei neles como algo beijável. era só um sentimento ali dentro, inquieto, curioso. até que o clipe da música obrigado não apareceu na tv e teve aquele beijo demorado, lascivo entre dois homens muito bonitos vestidos de soldado.
ali parece que alguém virou uma chavinha e eu entendi tudo. naqueles anos, ser gay era algo a parte da sociedade, na margem, no gueto. não era considerado a norma, era um desejo proibido. mas rita bancou colocar na casa das pessoas aquele beijo sem pedir licença. não era para chocar era para mostrar que beijo é beijo. e aquilo ecoou em mim. eu não me choquei, não me assustei. aquele beijo me revelou para mim mesmo. acho que, assim como eu, muita gente também sentiu, ali naquele beijo, e que não estava mais sozinha e nem estava errada por existir. obrigado por isso, rita.
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ali no começo dos anos 2000 eu era muito fã da revista mtv. e todo mês eu tinha um destino certo: separar suadinhos 5 reais do meu salário de menor aprendiz e ir correndo comprar minha revista. rita lee tinha uma coluna ali, onde eu batia ponto todo mês, lia duas, três, muitas vezes cada coluna até a edição seguinte. o motivo era a maneira com que ela escrevia. da mesma maneira que fala, com gírias, palavrão, um fluxo de pensamento. e uma coisa que eu guardei dela e sempre trago na minha escrita: uma citação marota de alguma música no meio do texto. e tudo bem, apesar, contudo, todavía, mas, porém.
gosto de pensar que muita gente passou a escrever de maneira mais descontraída e engessada graças a você, rita. muito obrigado.
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rita, eu passei o dia lendo coisas sobre você, e eram as mais lindas. chorei muito vendo vídeos na timeline e ouvindo suas músicas. vi você com a elis, com a hebe, com a gal, com a fernanda young, com a cássia eller. que falta elas fazem, que falta você vai fazer. como é estranho ser humano nessas horas de partida. é difícil dizer adeus porque sua arte fez nossa vida melhor. mas como você mesmo cantou, “quem morre hoje, nasce outro dia, pra viver amanhã e sempre.” se sua arte nos fez melhor, ela também te faz eterna.
ave, rita!
TOP 10
minhas músicas preferidas de rita lee
bwana
perto do fogo
e lá vou eu
ovelha negra
mutante
doce vampiro
cartão postal
menino bonito
amor e sexo
aqui, ali, em qualquer lugar
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
esta história está na primeira edição desta newsletter, de janeiro de 2022.