hashtag gratidão
#53 - de todos os idiomas, o português tem a palavra mais feia pra agradecer. "obrigado" por quê? ninguém é obrigada a nada, não
hola, qué tal?
existe o castelhano e existe o castelhano que falam em buenos aires. e eu não estou falando de expressões típicas, como o famigerado “che, boludo!” ou do sotaque, que entre outras coisas colocam ll e y com som de sh. “sho me shamo shesica sholanda, shegué a la plasha con una masha amarisha”.
eu falo é de uns floreios que deixam as frases mais comuns mais bonitinhas. Por exemplo, se vão te pedir uma informação, não vão chegar secamente perguntando “por favor, onde fica a rua tal”. não, eles vão antes dizer “te hago una pregunta, sabés donde está la calle…”. eles perguntam se podem te fazer uma pergunta.
para pedir alguma coisa, do mesmo jeito: em vez de “por favor, me dá uma coca e uma empanada”, eles dizem “te pido por favor una coca y una empanada”, tudo isso com um tom de voz muito suave, meio choradinho, um amorzinho. mas nada é tão fofinho quanto a forma com que agradecem as coisas.
se você disser “gracias” a um portenho ele vai fazer um muxoxo, colocar uma cara indignada e dizer “noooooo, por favor!” como quem diz “imagina, agradecer isso? eu não fiz mais que a obrigação.” muito modestos eles, até parece que por dentro o ego gigante que todo portenho possui não tá pulando de alegria de ter feito algo digno de agradecimento. e quando é a vez de agradecerem um favor, dizem “muy amable” e isso é de derreter o coração.
de verdade, esse jeito amorosinho de lidar com um semi desconhecido contradiz todo o estereótipo de figura pouco sociável com que nós brasileiros costumamos pintar os nossos vizinhos. a gente nem sabe agradecer direito, vamos começar daí. quase todos os idiomas tem palavras sublimes para o ato de agradecer. em inglês, por exemplo, é thank you, “graças a você”, em tradução literal. ou ainda i appreciate you, de uma fineza sem tamanho. em castelhano é gracias, que tem um sentido parecido, algo foi feito pela graça de outrem. é bonito.
mas nenhum idioma chega no nível de beleza do indonésio: terima kasih, que quer dizer “aceite amor”. perto disso, dá até vergonha a nossa forma de agradecimento. em português, se convencionou usar “obrigado” ou “obrigada”, que tem sua origem desconhecida, mas tem um sentido inequívoco: estar obrigado de algo é tornar-se devedor, por obrigação moral. e se tem uma coisa que gratidão não tem a ver, é com obrigação.
agradecer é reconhecer. acho que essa é a definição mais justa que sobre o termo. fazer com que o outro saiba da importância de seu gesto. luzir um ato de gentileza, ou de bondade, para que ecoe, para que saibam que aquilo foi bom. ser grato é dizer “você é importante” ou ainda, “que bom que eu não tô sozinho, sem você eu não teria conseguido”.
quando começaram com a modinha de espalharem a hashtag #gratidão pelas redes sociais, eu bem torci o nariz, porque né, falar mal das invenções dos xóvens é meu esporte preferido. mas, deixando a minha rabugice de lado, a ideia é muito boa, gratidão é uma palavra imensa, talvez consiga abarcar toda a gama de significados que um “obrigado” não consiga.
ser grato não é ser devedor. há uns bons anos, eu estava triste por estar me separando de meu namorado na época. um amigo, que havia passado pelo mesmo um pouco antes e a quem eu havia consolado, se colocou a minha disposição, se eu precisasse de algo. “você cuidou de mim, eu tenho a obrigação de fazer o mesmo por você.” talvez esse amigo não tenha percebido, mas ele quebrou todo o propósito do que eu havia feito por ele, como se eu estivesse cobrando que ele fizesse por mim o mesmo.
é bacana quando nos sentimos moralmente impelidos a fazer algo porque acreditamos que é o mais certo a se fazer, mas é sempre bom lembrar que ninguém é obrigado a nada. há exceções, mas em termos gerais é bem por aí. um favor não é um contrato que exige algo em troca, se for, já não é um favor, é outra coisa.
ser grato também é aproveitar o que se recebe. sabe quando você ganha um presente e ele é tão maravilhoso que tudo que você quer é guardar, porque se você usar pode estragar? então, não foi essa a intenção de quem te deu o presente. com certeza, essa pessoa pensou em como você ficaria bem usando-o. use e abuse das coisas boas que te acontecem. mais: vamos parar de dizer “não precisava se incomodar” quando receber algum presente de alguém. não sei quem inventou isso, mas é muito feio. aprenda a agradecer pelos elogios, pelos presentes, por tudo, porque sim, você merece.
ah, já ia me esquecendo: gratidão não envolve apenas aqueles que nos fazem algo de bom. porque mais que um azeitinho na engrenagem das relações sociais, ser grato é um estado de espírito. achou que era só dizer “muito obrigado, valeu aí” e seguir a vida se sentindo uma pessoa completona, iluminada, good vibes? eu não ia gastar tempo e letra pra te falar uma coisa que sua mãe provavelmente te ensinou quando você era criança, né? agora que vem a parte profunda sobre o tal do agradecer.
achar que a é apenas o ato de retribuir atos ou situações agradáveis que outras pessoas geraram em sua vida é pensar muito pequeno. anota aí: agradecer é um aprendizado diário. cada dia você se torna um pouquinho mais grato. perceber a si mesmo e ao universo que o cerca, reconhecendo a importancia de cada coisa, por menor que seja no seu crescimento. até aí tá tranquilo, ser grato pelas coisas que nos fazem bem é bem fácil.
mas tem uma pegadinha aí. gratidão envolve também as coisas que não são boas. não deve fazer referência somente aos fatos positivos, mas a tudo que está presente em nossa vida.só conseguimos lidar com um problema quando deixamos de nos debater e aceitamos que ele existe. aceitar que as coisas ruins acontecem já é difícil, mas ainda por cima ser grato por isso? como ser grato por coisas horríveis? um bom caminho é ter em mente que você é maior que qualquer problema que já tenha enfrentado. e que mesmo os piores eventos podem te ensinar algo e te fazer mais forte.
por fim: escolher ser grato é escolher ser feliz. É nesse ponto, eu me refiro a ser grato á vida, ao universo, á forma que você compreende Deus, ao sagrado que te habita. Por felicidade aqui não tratemos de conquistas ou de realização pessoal. A felicidade que a gratidão nos traz é de outra natureza, menos efêmera. Tudo que nos ocorre, para o bem ou para o mal tem um propósito.
quando recebemos toda e qualquer sorte que nos ocorra como dádiva, crescemos como pessoas e evoluímos como espíritos. e uma vida feliz não é uma vida sem problemas. é uma vida de aceitação e entendimento de tudo o que acontece; de trabalho para mudar o que é possível mudar; e de aprendizagem.
talvez você não veja tantos motivos para ser grato agora. mas faça, de vez em quando, um inventário da sua vida. separe uns 15 minutos, feche os olhos e comece a listar todas as coisas pelas quais você sobreviveu até aqui.
em seguida, as pessoas que estiveram ao seu lado em cada batalha travada. procure lembrar de como você era antes e como você é agora. se lembre, sem nostalgia ou tristeza, dos que já se foram, e procure lembrar do legado que cada um deixou em sua vida.
agora se concentre no presente. pense em cada área da sua vida, o que há de melhor ali? como seria sua vida agora se essa parte não existisse? mesmo que haja um caminho a ser percorrido, com coisas que nos preocupam, nos deixam tristes ou nos enfurecem, ainda há razões para sermos gratos.
pense nisso. aceite amor.
LINKS, LINKS, LINKS!
eu sempre achei que a aubrey plaza (de white lotus e parks and recreation) é a fernanda torres da gringa: boa atriz, intensa e uma palhaça fora de cena. sábado passado ela foi host do saturday night live e o monólogo de abertura foi hilário, brincando sobre sua fama de ser esquisita. em inglês.
assisti o filme o menu, e ele é encantador e absurdo em medidas iguais. mais que um bom roteiro, é um filme com grandes atuações (deus proteja anya taylor-joy de qualquer saga de super herói) e sobretudo, cenas bem feitas. e deu vontade de comer todas as comidas do filme.
“nossos corpos têm essa capacidade incrível e única de nos levar de um lugar ao outro, e talvez essa seja uma das suas funções mais bonitas. mas se nos sentimos desconfortáveis dentro do corpo, nos habituamos a estagnar os pensamentos e nos acostumamos a essa cela. (…) não é uma prisão física, mas uma prisão mental.” corpo e desconforto, texto da
guedes mexeu muito comigo em lugares que eu não tava me ligando de fato. recomendo muito assinar a newsletter dela, segredos em órbita.meu perfil preferido no momento no instagram é o diccionario vip, que reúne palavras que não possuem tradução em outros idiomas, como cafuné em português ou serendipty em inglês. abaixo deixo uma lista com algumas das que mais gosto.
TOP 10
palavras bonitas que não possuem tradução em outros idiomas
xodó (português) - nem precisa explicar aqui o significado, né?
jayus (indonesio) - quando alguém conta uma piada tão, mas tão ruim, que você acaba rindo.
culaccino (italiano) - a marca que deixa um copo de bebida fria sobre uma superfície.
tarab (árabe) - o momento mais sublime e arrebatador de uma música, aquele acorde ou verso que te faz suspirar.
niksen (holandês) - a arte de dedicar tempo a não fazer nada.
pochemuchka (russo) - uma pessoa que formula muitas perguntas.
mamihlapinatapai (yaghan, uma língua da terra do fogo) - àquele olhar intraduzível, inefável entre duas pessoas que compartilham um mesmo desejo.
mudita (sânscrito) - a alegria que sentimos diante da sorte e felicidade alheias.
ilunga (tshiluba, um idioma do congo) - a pessoa capaz de perdoar um abuso ou ofensa pela primeira vez, de tolerá-lo uma segunda vez, mas nunca uma terceira;
forelsket (norueguês) - expressa a euforia sentida na primeira paixão.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
que texto lindo, xu! ia dizer que foi um tapa na minha cara, mas na verdade foi um carinho.
também estou imersa no mundinho Aubrey Plaza e o monólogo que ela fez na abertura do Independent Spirit Awards, em 2020, é genial. ela simplesmente zoou alguns dos principais atores de Hollywood assim, sem medo de nada kkk
Vou lançar uma teoria aqui. Em inglês, além do "thank you", existe uma outra expressão de agradecimento, mais antiga, que caiu em desuso: o "much obliged", que é a tradução literal do nosso "muito obrigado" e tem a mesma origem, digamos, "obrigatória".
Imagino que, durante o estreitamento de relações entre Portugal (e Brasil, por tabela) e Inglaterra ali em meados do século XIX, essa expressão inglesa tenha influenciado na difusão do nosso "obrigado" e "muito obrigado" (assim como o povo de Greenville, em "A Indomada", se desculpava dizendo "minhas apologias"). A diferença é que por lá a expressão foi aos poucos sendo substituída pelo mais curto e singelo "thanks" (ou "thank you"), enquanto aqui, por algum motivo, o "muito obrigado" passou a ser o mais comum.
Mas não é preciso recorrer ao "gratidão", se você pegou um ranço irrecuperável da palavra. Basta dizer "grato", nosso correspondente mais adequado ao "thanks" inglês.