de zero a dez te dou nota 100
#56 - o que as bandas de rock the doors e exaltasamba têm em comum? vai ter que ler para descobrir
olá, tudo bem?
se nesse verão você vir um cara de shortinho e óculos escuros nas ruas de buenos aires, de fone de ouvido, correndo em sua bicicleta cor de manteiga, cantando a plenos pulmões, pode ter certeza que: 1: esse cara sou eu; 2 - muito provavelmente eu vou estar escutando algum funk melody dos anos 90. porque essa é minha skin de 2023, alguém que sabe lá por quê, resgatou uma playlist de “funk das antigas” e tem ouvido sem parar sucessos de claudinho e buchecha, júnior e leonardo, mc marquinhos e mc dolores e o gênio máximo do miami bass brasileiro mc marcinho.
nesse número, eu falo um pouco da importância desse movimento na minha vida e no pop brasileiro e destrincho minha música preferida, garota nota 100. além disso, uma lista, um punhado de links e uma curiosidade: o que os ex-vocalistas das bandas de rock the doors e exaltasamba tem em comum? vai ter que ler para descobrir. vem comigo!
caraca, muleke, light my fire
thiago andré barbosa nasceu em março de 1983 no interior de são paulo. ficou conhecido ao participar do reality show musical fama, e em 2002 e ganhou notoriedade como vocalista do grupo de pagode exaltasamba por 10 anos. hoje em carreira solo, é dono de grandes hits como caraca muleke e tá vendo aquela lua. james douglas morrison foi um cantor, compositor e poeta estadunidense mais conhecido por ser vocalista da banda the doors. conhecido pelo nome artístico de jim morrison, o artista morreu precocemente em 1971, aos 27 anos após uma breve, porém intensa carreira como estrela do rock.
o que estes dois artistas têm em comum além de habitarem minhas mais tocadas no spotify? o nome. calma, você leu direito: james e thiago são xarás. quem já leu a bíblia em inglês ou aquela saga do bruxo escrita pela cassia kis da inglaterra sabe que o correspondente para james potter em português é tiago (sem o h, que esse charme é pra poucos). o mesmo para são tiago/st. james, discípulo de jesus.
e por quê isso acontece, você me pergunta. por quê? bom, aqui eu te explico.
na verdade, há uma infinidade de nomes correspondentes em muitos idiomas para o nome hebraico yakov, que conhecemos aqui como jacó, o patriarca bíblico. o que é bem doido de se pensar, já que o mesmo nome aparece no antigo testamento como jacó (ou jacob), no novo testamento já vem como tiago. daí dá pra tirar que os livros foram escritos com muitos séculos de diferença e reunidos em um terceiro momento no livrão-mor.
é que a partir da tradução da bíblia para o latim e daí para outros idiomas o nome ia sofrendo variações de acordo com a fonética daquele idioma. iacobus é a primeira forma latinizada que se tem registro. daí para o italiano giacomo, o francês jacques e o espanhol diego e em português algumas variações, como diogo e jacó. em outros idiomas em que não se pronunciavam o b da mesma maneira que os latinos, como o inglês arcaico, o que houve foi uma maneira de ir encurtando o nome enquanto se falava, como os mineiros fazem com o portugês.
nos países anglo-saxões, a oralidade foi mais determinante que a grafia. logo iacobus → iacbus→ iacmus → iamus → james. já o surgimento de tiago é meio acidental: em gaélico, a principal variação de yakov era iago. que ao ser canonizado, virou saint iago. que migrou volta para os países de língua latina como santo iago, en seguida santiago e quando quiseram separar o nome do santo, imaginaram que era san tiago. e assim nasceu o nome do meu primo, do pagodeiro e do galã de terra nostra.
se quiser falar de amor, fale com o marcinho
eu tenho a mania de, quando eu tô ouvindo uma música que eu gosto muito, prestar atenção em qual é o momento em que aquela música me arrebata. sempre tem um verso, um fraseado ou um trecho em crescente que é o que arrepia, vai ali no emocional. por exemplo, em na sua estante da pitty é a forma em que ela separa as sílabas “em ou-tros tim-bres/ou-tros ri-isos”. sempre tem. em garota nota 100, do mc marcinho é simplesmente o primeiro verso:
“hoje eu vim para poder falar, para poder contar o que passou”
a repetição da letra p em pa-ra-po-der já determina o ritmo da música, já faz com que ela seja irresistível de ser ouvida até o final, apesar de ter uma letra enorme. desde o começo ela já dá o balanço, quando o verso passa pelo ouvido, o pé já dá uma balançadinha de leve. é um começo de canção tão poderoso que dá até pra ignorar o erro de concordância do verso seguinte
“falar das coisas que ficou guardado (sic) e que deixei de lado aquele amor.”
o ritmo da música é um batidão frenético, típico do miami bass, o pai do funk carioca. esse começo arrebatador diz muito sobre a capacidade de letrista de mc marcinho, o roberto carlos do funk melody. ele é simplesmente o homem mais romântico do brasil. pai de pelo menos três hits nos anos 90 (princesa, rap do solitário e a supracitada garota nota 100), ele tinha como marca principal a total devoção à mulher amada.
aqui ele não contente com uma infinidade de rimas melosas prometendo o mundo para a mulher, no meio da música tem um solinho de saxofone e ele narrando no meio, a la carro de tele-mensagem uma mensagem bem ao pé do ouvido: “princesa, mesmo estando longe, nunca consegui te esquecer. você pra mim você é tudo, é a minha razão de viver.”
eis aqui alguns de seus versos mais conhecidos:
“eu olho pro céu e vejo as nuvens passando, as estrelas me dizem que eu estou amando” o rap do solitário
“ainda me lembro da primeira vez quando te abracei e te beijei. foi tão gostosa aquela sensação mexeu meu coração eu flutuei. meu coração estava acelerando e eu gaguejando fui com fé. e falei baixo no seu ouvido que você seria minha mulher” garota nota 100
“o pensamento é a vida, por isso eu vivo pensando em você”, princesa
marcinho foi um dos front man do movimento que foi a cena funk brasileira de meados dos anos 1990. o movimento furou a bolha dos bailes cariocas quando garotos vindos de diferentes comunidades do rio, unidos na paixão pelos bailes, começaram a fazer rimas sobre bases instrumentais estrangeiras, falando sobre suas comunidades e as dificuldades que enfrentavam no dia a dia.
o sucesso nos bailes os levou às rádios, e daí a programas de tv, como o xuxa park. graças á loira, o brasil inteiro conheceu aqueles irresistíveis raps. logo, eles foram descobertos pelas gravadora som livre, que lançou a partir de 1995 alguns volumes da popular série rap brasil. rap das armas, dança da cabeça, rap do silva, a estrada da posse, e muitos outros vieram daí.
logo em seguida o axé baiano monopolizou o mercado e o funk foi saindo de cena. quando voltou aos holofotes, graças ao furacão 2000, já não eram mais composições ingênuas de adolescentes apaixonados ou críticas à desigualdade social. em seu lugar, vieram músicas com cada vez mais apelo sexual. mas aí já é tema para outro número dessa newsletter.
pra mim, as composições cheias de suingue versando sobre amores malfadados de garotos pretos e pobres chegaram em plena puberdade. e foi amor á primeira ouvida. eu ouvia todos os rap brasil, na rádio e nos programas de tv. e foi na época em que comecei a sair pras festinhas. entrar no passinho (o tik tok da época) ao som de rap da diferença, cantar o rap da felicidade a plenos pulmões no ônibus de excursão da escola, ou chorar pela crush com o rap do solitário foram eventos importantes da minha adolescência.
mc marcinho até voltou às paradas com glamurosa, nos anos 2000, a do famoso verso “se quiser falar de amor, fale com o marcinho”, um verso que não só é muito bom em sua própria canção, como é a síntese da carreira do mc. faça um favor a si mesmo e dê play nesta playlist e melhore seu dia em 120%.
TOP 10
as melhores do funk brasileiro nos anos 90
garota nota 100 - mc marcinho
rap da diferença - mc marquinho e mc dolores
nosso sonho - claudinho e buchecha
rap da felicidade - cidinho e doca
rap do silva - bob run
estrada da posse - coiote e raposão feat dj malboro
rap do centenário - mc júnior e leonardo
rap do borel - mc william e mc duda
rap do endereço dos bailes - mc junior e leonardo
rap do amor - mc sinistro e mc milão
LINKS, LINKS, LINKS!
o especial encanto ao vivo traz todas as músicas da animação da pixar interpretadas pelo elenco de dubladores acompanhadas de uma orquestra em um espetáculo ao vivo no hollywood bowl. tá disponível no disney plus.
eu confesso que dei uma choradinha com as respostas e quotes deste tweet.
o episódio desta semana do podcast radio novelo apresenta está sensacional, falando sobre redução de danos.
uma thread linda de retratos que gênios da fotografia tiraram de seus maridos/mulheres.
eu amo o perfil la gente anda diciendo, com frases soltas ouvidas pelas ruas de buenos aires. é um ótimo apanhado do humor cortante do cidadão argentino.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Ah! Faltou falar de NAla sua estante, minha música preferida da putty é que eu tava cantarolando essa semana!!! Serio, muita sintonia hahahah liberta dj
Acho interessantes essas traduções surpreendentes dos nomes. Além dessa do James/Tiago, me lembro de William/Guilherme, que faz todo o sentido se a gente pensar num itinerário passando pelo "Wilhelm" alemão e pelo "Guillaume" francês.
Sobre o funk, confesso que minha memória afetiva tem mais a ver com o período anterior, do fim dos anos 80, daquele LP "Funk Brasil" com o DJ Marlboro na capa, e músicas como "Melô do Bebum" (que eu sabia cantar a letra quilométrica inteirinha), "Rap das Aranha", "Melô do Bicho" ("É o bicho, é o bicho, tô legal, tô legal"), "Melô da Mulher Feia" e as posteriores "Feira de Acari" e "Rap da Rapa", até chegar ali no Mr. Mu e sua versão para "A Desconhecida" - talvez o primeiro charme - em 1994. Isso junto com coisas estrangeiras que influenciaram as daqui e também tocavam bastante, como Stevie B e Tony Garcia ("Just Like The Wind").
Eu me lembro com exatidão da primeira vez que ouvi falar - na verdade, que li - sobre Claudinho & Buchecha: foi numa nota do lançamento do primeiro CD, acompanhada da foto da capa, publicada no jornal de música International Magazine que um amigo tinha comprado. Mas sempre fui indiferente. Acontece que esse período de meados de 95 a meados de 99 (no qual está inserido o estouro desse funk melody, o "Planeta Xuxa" e tudo mais) foi sem dúvida a pior época da minha vida. Não tenho saudade nem carinho por aquele tempo e ou por nada que me lembre ele. Mas, claro, conheço as músicas porque todo mundo (ou vá lá, uns 90%) do colégio onde eu estudava em Campos curtia, junto com o axé e o pagode da época.
O que veio depois, a volta com força da Furacão 2000, os proibidões, a "Chatuba de Mesquita", isso eu curto, acho muito divertido. Assim como gosto muito dessa molecada daqui do Rio que faz o trap hoje em dia, MC Maneirinho, MC Cabelinho, Lennon etc.
O charme é que acabou meio esquecido, congelado, restrito a uma certa época. Fez muito sucesso no começo daquela onda dos anos 90, mas depois sumiu em termos de artistas e lançamentos. Só os bailes de rua que nunca pararam. No Rio tem o do Viaduto de Madureira, que é antiquíssimo, e o da Rua do Rezende, na Lapa, que acontece junto com a Feira do Lavradio em alguns sábados.