brasil, mostra a tua cara
#66 - a volta de tieta ao agreste, claudia ohana dançando na praça, heloísa metralhada pela polícia e marcaurélio dando uma banana para o brasil
olá vocês!
um dia eu me sentei na frente da tv pra ver tititi, no vale a pena ver de novo, com a minha mãe e nunca mais perdi o gosto. devia ter uns quatro anos. quando eu nasci, a relação do brasil com a novela já existia há décadas. e vai seguir existindo até depois que tirarem meu facão da terra. para os mais novinhos, essa é uma referência a renascer, na cena em que o joão pedro encontra um facão que estava enterrado aos pés de um jequitibá e, ao arrancá-lo solo, seu pai, o coronel josé inocêncio pôde enfim, descansar em paz.
esta cena foi ao ar numa noite de sábado em dezembro de 1993, e eu tenho nítida esta lembrança porque era a festa de casamento de um tio. de repente, metade dos convidados se acomodou como podia, em silêncio, na frente da philco hitashi 20 polegadas pra ver como acabava a saga daquele povo que a gente acompanhou por meses a fio. a morte de josé inocêncio no último capítulo de renascer, é, para mim, um desses momentos em que a tv é tão tão grande quanto a melhor literatura, o melhor cinema, a melhor ópera.
nesta edição, eu vou listar algumas das cenas mais bonitas da teledramaturgia brasileira, daquelas que foram morar no meu imaginário e formaram meu caráter. e também um top 10 com meus temas de novela preferidos de todos os tempos. além disso, uma homenagem para um querido amigo de internet que passou para o andar de cima.
vem comigo!
sônia braga subiu no telhado
no fim dos anos 80, a globo reprisou gabriela, adaptação da oba-prima de jorge amado. eu era muito criança ainda, mas me lembro de como fiquei maravilhado ao ver aquela morena bonita, a gabriela do título, encarapitada no alto de um telhado para pegar uma pipa. minha mãe me disse que aquilo parou o brasil em 1975. para os meus 7 anos, era só uma mulher agarrando uma pipa no alto. anos depois eu fui entender o que era apelo sexual, e bem mais tarde, estudei sobre o poder da imagem na construção da identidade de um povo. sonia braga ali era isso, o brasil subindo o telhado.
tive esta sensação outras vezes, de que uma cena era forte o suficiente para parar o país, ser assunto por muito tempo e ser recordada, entrar para a história. abaixo, algumas dessas imagens, que na minha opinião, são as mais emblemáticas das novelas/minisséries brasileiras. pra ficar mais legal, eu decidi não rever as cenas no youtube ou em qualquer outro site. apelei apenas para a minha memória, para que fosse o mais fiel possível ao que eu me lembro.
claudia, a vampira - uma geração de crianças e adolescentes, colaram o nariz na tv para ver o primeiro capítulo de vamp. mas eu tenho pra mim que só quem foi criança viada em 1991 entendeu o impacto da primeira cena. natasha (claudia ohana) vestida de preto da cabeça aos pés, dançando uma música meio new age em uma praça de roma. há detalhes que não posso recordar agora (era o vaticano? a música era mesmo new age?), mas o impacto de ver aquela mulher linda, poderosa, bem vestida, uma popstar, fazendo uma performance com um radinho no meio da via pública inaugurou a minha puberdade.
choro e máquina zero - em 2000, a trama central de laços de família, trazia a relação da mãe coragem helena (vera fischer) e sua filha camila (carolina dieckmann), que se descobria doente, com leucemia. a certa altura, camilla tem que raspar os cabelos. uma cena longa, sem diálogos, somente a atriz olhando para a câmera. e foi comovente vê-la aos prantos, ao som de love by grace, com lara fabian. alguém me passa o lenço, sim?
tapas na cachorra! - novelão tem que ter vilã. e em algum momento ela tem que se dar mal, pra lavar a alma do público. em celebridade, maria clara diniz (malu mader) comeu o pão que gilberto braga amassou nas mãos da dissimulada laura (cláudia abreu). até que resolveu ir à forra: numa festa, se trancou com a cachorra (era assim que ela era chamada na novela) no banheiro e dá-lhe tabefe! depois de nada menos que 27 tapas seguidos, a mocinha só sossegou quando viu a rival perder um dente.
a morte da guerrilheira - olha claudia abreu fazendo história de novo. na minissérie anos rebeldes mobilizou o país, falando sobre ditadura militar e revolução, e fez de heloísa (cláudia abreu) a namoradinha guerrilheira do brasil. o enredo era tão forte que acabou inspirando jovens na vida real a serem mais ativos politicamente, era 92, o ano dos cara-pintadas. mas inesquecível mesmo foi o final, onde a querida é metralhada pela polícia, após tentar fugir do país. a imagem de cláudia Abreu, de cabelo curtinho jogada no chão, é pra mim uma das mais marcantes da nossa tv.
a volta da cabrita - tieta (betty faria, em estado de graça) é dada como morta pelos moradores de santana do agreste, e volta a sua cidade natal em grande estilo, surgindo exuberante em sua própria missa de sétimo dia. ao descer toda de vermelho, de um conversível vermelho ao som de coração do agreste, de fafá de belém, a personagem reclama dos buracos da estrada que deixou seu “derriére” dolorido. ao que o bebum bafo de bode (benvindo siqueira) responde: “isso não é uma mulher, é uma plantação inteirinha de xibiu”.
voa, laurinha figueiroa - glória menezes era mesmo a encarnação do mal em rainha da sucata. que o diga maria do carmo, personagem de regina duarte. em um momento decisivo da trama, laurinha pula de um edifício com o brinco da outra na mão, pra fazê-la ser presa por assassinato, com a maior cara de louca já vista na telinha. se matar pra encrencar alguém: muita vilania pruma pessoa só!
a noite da morta-viva - avenida brasil era uma coqueluche em 2012, e o brasil parava, capítulo após capítulo para ver como desenrolava a trama de vingança de nina (débora falabella) contra a malvada carminha (adriana esteves). só que no capítulo 101 da trama, houve um plot twist. a vilã descobriu que a nina era rita, a enteada que havia abandonado no lixão há muitos anos e preparou um contragolpe: dopou a mocinha e a enterrou viva, dando início a um jogo de gato e rato. que novela boa era avenida brasil!
café com pastelão - eu era um bebê, quando passou guerra dos sexos na tv (a primeira versão, de 1983), mas assisti a uma reprise uns anos depois. é simplesmente delicioso ver fernanda montenegro e paulo autran, (Charlô e Otávio), dois dos atores mais respeitados do brasil, pra quem a alcunha “monstro sagrado” foi inventada, trocarem insultos e copos de café/suco na cabeça, com tanta finesse até que a coisa descamba para uma guerra de comida.
casablanca à brasileira - um dos clássicos das novelas, roque santeiro, trouxe o realismo fantástico para o horário nobre. mas o que o público queria saber no final era com quem porcina (regina duarte), iria ficar. a “viúva que foi sem nunca ter sido” iria embora com roque (josé wilker), ou ficaria em asa branca com o seu coronel, o senhorzinho malta (lima duarte)? a dúvida permaneceu até a última cena do capítulo , mas no final o amor pelo seu “cachorrinho” falou mais alto, e bem ao estilo do filme casablanca, porcina decide ficar com malta e os dois terminam acenando para roque que parte em uma avião deixando asa branca para trás.
o final de renascer - já descrevi antes, mas fica aqui registrado a linda cena onde João pedro (marcos palmeira), o filho rejeitado de josé inocêncio (antônio fagundes) vai aos pés do Jequitibá, onde anos atrás o pai fizera um pacto de vida eterna, e retira da terra o facão que selava o pacto. na volta, josé inocêncio pede perdão ao filho e morre em seus braços.
brasil, aqui pra você! - não tem jeito, vale tudo é a melhor novela já feita e possivelmente nunca será igualada. tanto pelo enredo, pelos personagens bem construídos, pelo elenco todo em seu melhor momento e, finalmente, pela quantidade de cenas que pararam o país. aqui eu destaco o embate entre a boazinha raquel (regina duarte) e a filha maria de fátima, (glória pires) que era uma boa bisca; o assassinato da megera odete roitman (beatriz segal) e o porre de heleninha (renata sorrah), pedindo um “mambo bem caliente”. mas para mim a mais emblemática é a fuga de marco aurélio (reginaldo faria) do país, de jatinho ao lado da assassina de odete. para coroar aquele clima de impunidade, ele ainda tem a cara de pau de dar uma banana pras câmeras. final de novela mais realista, impossível.
e você? qual cena de novela você nunca esqueceu?
TOP 10
temas inesquecíveis de novela
brasil (gal costa) - música que embalou abertura de vale tudo e tinha tudo a ver com a novela e com o pais.
entre a serpente e a estrela (zé ramalho) - tema de murilo pontes (lima duarte) e pilar batista (renata sorrah), inimigos que se amavam em pedra sobre pedra
fera ferida (maria bethania) - tema de abertura da novela de mesmo nome
codinome beija-flor (luis melodia) - tema do casalzinho taís e beija-flor em o dono do mundo
à francesa (marina lima) - tema da lindona da duda (malu mader) a top model do título da novela.
ainda lembro (marisa monte e ed motta) - embalava as cenas de maria escandalosa e ricaro, do casal casado claudia raia e edson celulari em deus nos acuda
nuvem de lágrimas (fafá de belém e chitãozinho e xororó) - tema de clara (cláudia abreu) e joão (humberto martins) em barriga de aluguel
retratos e canções (sandra de sá) - algo me diz que esta newsletter é fã da cláudia abreu. essa canção era tema da zezinha, persongem de cacau na novela o outro.
à primeira vista (daniela mercury) - temaço de chico césar na voz de daniela para embalar marcos (fábio assunção) e liliana (mariana lima) em o rei do gado.
catedral (zelia duncan) - tema da irene (viviane pasmanter) do novelão a próxima vítima
HOMENAGEM
o guardião da memória
há uns 10 anos, eu visitei a casa de cora coralina na cidade de goiás, quando cobria o fica (festival internacional de cinema ambiental). era uma visita guiada e em certo momento, nossa cicerone mencionou um especial de tv, caso verdade, na tv globo dos anos 80. perguntei se eles tinham uma cópia, porque me deu curiosidade. e ela me respondeu que era uma mídia perdida, que nem a própria rede globo tinha. fiquei com aquilo na cabeça e pensei em alguém que poderia encontrar alguma cópia perdida.
troquei algumas mensagens com o marque neto, do canal mofotv e foi batata: ele procurou entre colecionadores e umas semanas depois me escreveu que tinha encontrado. eu passei pra ele o endereço do museu, ele mandou um dvd com as imagens, e a última vez que visitei goiás, tava lá no acervo o especial sobre a cora. isso mostra o tamanho do marque para a cultura do brasil.
ele era um “amigo de internet”, essa categoria de amizade tão século 21, que é alguém que você acompanha, se comunica de vez em quando, mas tem um carinho muito especial. porque ele era um dos maiores, senão o maior colecionador de material gravado da tv brasileira. do tipo apaixonado pelo que fazia. mas não era somente isso, era um sujeito dos mais doces e muito querido entre todos os fãs de tv e teledramaturgia, desde os tempos de orkut.
e não satisfeito em juntar milhares de fitas ao longo dos anos, ele compartilhou isso com o brasil no seu canal de youtube. seu trabalho nem sempre foi bem recebido pelas emissoras, que muitas vezes derrubava o canal por direitos de imagens. sem compreender que o que ele fazia era vital para a manutenção da memória e da história da tv no brasil, já que as próprias emissoras não cuidam tão bem assim de seu acervo.
marque neto era dentista de formação, mas sua paixão pela tv foi seu norte na vida e ele fez da manutenção da memória da tv a sua missão. na semana passada tiraram seu facão da terra, pegando a gente de surpresa. então eu queria aqui aproveitar para dizer adeus ao mofinho querido, obrigado por dividir com a gente tanta memória boa, descansa em paz.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Ah, eu adorei lembrar das novelas! Fiquei com saudade da Quatro por Quatro com o Raí (Marcelo Novaes) e a Babalu (Letícia Spiller), a Betty Lago e a Elizabeth Savalla também estavam ótimas nessa novela. A música da abertura era “Picadinho de Macho” da Sandra de Sá, eu cantava aos gritos, rs.
Você mencionou a cena de Celebridade e a minha favorita da novela é quando Laura visita Maria Clara na cadeia. “Quer café? Um cafezinho sempre anima!”. Delícia de novela. Gilberto Braga garante muitas cenas de parar o país mesmo.