isso é o que o amor faz
#101: a graça de estar com alguém diferente é que nos transformemos também, um pouco do que é seu vai comigo, um pouco de mim vai em ti.
olá vocês!
em 2017 eu assinei sem querer querendo o tinder plus. na verdade, a oferta dizia que ia sair tipo 10 reais por mês, mas eu não vi que era para pagar de uma vez os dois anos seguintes. bom, eu estava mudando de país e queria conhecer gente nova, mas quando vi, havia desembolsado uma quantia obcena no candy crush de macho. como não havia muito o que fazer, eu me joguei na vida. nos anos seguintes, eu vivi a fantasia de solteiro urbano que eu via em friends e sex and the city e virei um date-a-hoolic, se é que existe essa palavra.
eu não ficava uma semana sem sair com alguém novo pra um drink e o que quer que viesse daí. recém solteiro e vindo de uma realidade totalmente diferente, eu não só estava conhecendo gente nova, como também aproveitava o embalo para me conhecer melhor. e recuperar o tempo perdido também, la vida es un carnaval, já dizia célia cruz. e fiquei bom em negócio de date, viu, até inventei um joguinho pra não deixar a conversa tediosa.
funciona assim: pra quebrar o gelo, eu proponho um jogo, cada um faz uma pergunta pro outro, alternadamente. as únicas regras são: toda pergunta deve ser respondida e não vale devolver a pergunta a quem a fez. (essa regra eu inventei para não ser somente um dos dois a remar a conversa — e também para fazer as perguntas que eu não queria responder). é um jogo bom porque evita silêncios incômodos e é importante, ao menos para mim, porque eu gosto de ver como as pessoas podem ser criativas e bem humoradas ao responder perguntas inesperadas.
a ideia do joguinho é começar com perguntas básicas como “qual seu filme preferido” ou “que lembrança marcante você tem da infância” e a medida que o álcool vai entrando, as coisas vão esquentando. e sempre evolui de amenidades para traumas e depois, safadeza. a capacidade das pessoas de se abrirem com semidesconhecidos é impressionante. uma vez, pedi a um cara que me dissesse algo sobre ele que ninguém mais sabia e ele me disse que era apaixonado pelo melhor amigo, hétero e casado. do nada.
eu desenvolvi a capacidade de responder o que o sujeito iria gostar de ouvir e só mostrar uma faceta minha, a que interessava para quase todo gringo: a de brasileiro fodelão. com o tempo, as artimanhas foram se afinando. sempre o mesmo bar, perto da minha casa, já que eu não ia querer sair de fininho de madrugada da cama de seu ninguém. e lá o mise-en-scene seguia: a playlist mela-cueca e um espelho ocupando toda a parede em frente à minha cama. e mais um gol do brasil.
sim, eu era uma espécie de representante do borogodó tupiniquim, ou pelo menos a quantidade de estrangeiros que eu entreti com meu sotaque acreditava nisso. se eu acredito ter realmente esse borogodó, já é outra coisa. não me leve a mal, em goiânia eu era o cara mais comum e me jogaram em um ambiente em que minha cor e meu sotaque eram considerados “sexy”. sair com gente do mundo todo também era algo novo pra mim. eu saí de senador canedo, gente, lógico que eu me deslumbrei um pouco.
bem pouco, na verdade, porque logo esse papo de “uh, los brasileros son muy calientes” me cansou. nem sempre eram encontros memoráveis, mas como dizia phoebe buffay, well, he may not be my soul mate, but a girl’s gotta eat. por isso, no final da noite, por mais agradável que tenha sido, eu sempre dava um tchau; nada de dormir junto, acordar junto então, nem se fala. levava até a porta, esperava o uber do moço chegar e “a gente vai se falando”, até nunca mais. e uns dias depois, outro homem, o mesmo jogo, as mesmas perguntas, etc. e em todos esses anos trabalhando nessa indústria vital, meu joguinho de primeiro date nunca me deixou na mão. até eu sair com o victor, meu hoje marido.
eu não conseguia acreditar, mas ele me desarmou em todos os meus movimentos. respondia o que eu não estava esperando, perguntava coisas que nunca ninguém havia me perguntado, não caía em nehuma das ciladas que o levariam direto para minha cama. e pior: achou a playlist muito deprê e não se empolgou com o espelho. eu estava perdendo no meu próprio jogo. e o pior, eu estava gostando daquela petulância. um tempo depois ele me confessou que estava muito interessado no date e no sexo, obviamente, mas queria muito mais o que viria depois.
o “depois”, a que ninguém tinha acesso, era a vida real, era a luz do sol, era eu fora do personagem, sem scripts e sem clichês. o depois era dormir junto - e ele foi ficando e dormiu. e pela primeira vez em muito tempo eu dormi bem com alguém na mesma cama. era uma cara que eu não queria esquecer dias depois. era um nome que eu não ia ter na agenda como “fulano tinder”.
ao me acessar, ele não só me descobriu, como me fez descobrir o quanto eu estava querendo este tipo de afeto. eu descobri que estava pronto de novo pra querer conhecer alguém. não conhecer biblicamente, mas descobrir um mundo novo, as coisas boas, as coisas chatas, o que a gente tinha de igual, o que a gente tinha de diferente. fazer perguntas e ouvir as respostas, não para preencher silêncios incômodos, mas para saber cada vez mais coisas.
não sei como funciona o amor para as demais pessoas, mas para mim ele tem sido um baile interessante. não é como se o victor me completasse em tudo. nós temos ritmos, intensidades, vivências, temperaturas, quase tudo diferente. até música, filme, seriado. e isso faz com que a gente movimente as nossas certezas. e apresente para o outro coisas novas. viver com alguém que vê o mundo de outro ângulo te desafia e provoca crescimentos que seriam impossíveis no conforto de uma relação com alguem que é espelho, cópia autenticada, confirmação.
claro que tem gente com quem as diferenças são inconciliáveis. eu jamais me relacionaria com alguém que acredita que o mercado é mais importante que as pessoas ou alguém sem consciência de classe. não porque me ache superior a elas, mas porque entendo que seriam uma dinâmica estressante para as duas partes. não há amor que sobreviva a uma eleição na américa latina. ainda bem que nesse ponto a gente se afina. e o tempo me fez gostar das diferenças. amor com seus contrários se acrescenta, já dizia camões.
entendo que o amor maduro (no sentido de que veio aos 40, não que somos pessoas muito sérias) é um privilégio, não chega para todos. e é por isso que aproveito ao máximo esta oportunidade de aprender sempre mais, do amor e de quem quem eu amo. a graça de estar com alguém diferente é que nos transformemos também, um pouco do que é seu vai comigo, um pouco de mim vai em ti.
eu nunca tinha visto game of thrones, mas não sei porque, achava ruim. ele chegou á idade adulta imune a friends. neste ano a gente decidiu toda noite ver um episódio da saga dos dragões, seguido de três episódios dos amigos novaiorquinos. há uns anos eu odiaria essa proposta, hoje eu só penso “ainda bem que alguém me obrigou a ver esssa série, é incrivel”. é só um exemplo de como a vida tem seguido por aqui. cada par tem seu ritmo para dançar. e há um par de anos que eu só sei dançar com ele.
ps: hoje é dia de são valentim na argentina, o dia dos apaixonados. tentei escrever algo bonito sobre o amor sem parecer piegas, espero ter conseguido. feliz são valentim para todos vocês!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
Linda demais essa edição, Júnior! Felicidades pra vocês! <3
adoro teus textos! aproveitem 🤍💌