tudo ao mesmo tempo agora
#32 - às vezes calha de você sonhar que o james bond e a dona vilma da malhação são seus pais e vocês vivem na fenda do biquini.
olá!
a essa altura devo estar chegando à marca de 15 mil noites dormidas desde que nasci e ainda me espanto em como é possível. dormir é um troço estranho. a pessoa está ativa, cheia de energia e de repente, a bateria vai baixando até o ponto em que é obrigatório se desligar e tomar uma pausa. e uma pausa larga, de 1/3 de um dia, em média.
se você reparar bem, vai ver que dormir é a coisa mais absurda que existe (no sentido de extraordinária, não no sentido de descabida). imagina, ficar totalmente inconsciente e alheio ao mundo que nos rodeia? tenho pra mim que os bebês resistem ao sono porque possuem alguma memória ancestral de quando não estar sempre despertos representava um enorme risco de ser morto por predadores.
por outro lado, apesar de estranho, que delícia é dormir. tirar uma sesta sem hora para acordar, dormir até mais tarde em um domingo com chuva, tirar um cochilinho acompanhado. a única coisa que não gosto é ser acordado por um sonho esquisito.
porque tem isso: só estamos apagados para o mundo exterior, porque no nosso cérebro estamos processando todo tipo de informação, desde o ônibus cheio que você pegou hoje até o capítulo 53 de fera radical que você viu em 1992, aos 9 anos no vale a pena ver de novo num dia que sua mãe foi visitar a comadre e pra você não escutar as fofocas, elas te deixaram vendo tv e comendo sequilhos de goiabada. tudo ao mesmo tempo agora.
para nosso inconsciente não há uma hierarquia de importância. às vezes camadas se sobrepõem e calha de você sonhar que o james bond e a dona vilma da malhação são seus pais e vocês vivem na fenda do biquini. zero sentido né?
pois é isso toda noite, a noite inteira. nossos sonhos nada mais são que alguns momentos de sono menos profundo em que acessams essas informações. por isso que a gente não se lembra de tudo que sonhou e nem tem sonhos lúcidos todas as noites. ainda bem. imagina viver um filme do buñuel todo santo dia.
há três anos, eu tomei ayahuasca num rito de purificação. um dos efeitos da bebida é que se pode acessar, estando desperto, a este inconsciente, o que alguns chamam de alucinação e outros, de barato. e ali eu entendi por que a gente nao tem acesso total aos nossos sonhos. se não apagamos totalmente, podemos entrar em parafuso e nos perdermos totalmente nos labirintos oníricos da nossa cabeça.
eu consegui ficar toda uma noite tendo visões que minha mente dizia não fazer sentido, mas que uma dimensão mais profunda (meu espirito?, minha alma?) entendia com absoluta clareza dentro de uma lógica razoavelmente simples. um fluxo contínuo de imagens e idéias se interpondo e intercalando entre elas num moto perpétuo de ritmo e cadência cíclica.
eu acessava a mais de um plano de pensamentos ao mesmo tempo e conseguia compreender a todos. quando meu eu racional tentava intervir, ora cético, ora tentando impor alguma ordem, o fluxo se dividia, parte seguia a produção de pensamentos e parte trabalhava para afastar meu lado racional.
eu consegui acessar coisas abstratas ou conceitos (mãe, família, alegria, afeto), desde o micro, que é a própria palavra em si, até múltiplos significados e associações. e pude esmiuçar meus três maiores medos ( loucura, solidão e morte) até entender que posso viver com eles e abraçá-los. foi uma experiência transformadora.
tenho pensado muito neste dia ultimamente, depois de assistir à série sandmam e ao filme tudo em todos os lugares ao mesmo tempo. a primeira é a tão aguardada adaptação á graphic novel de neil gaiman que é absolutamente linda e que você pode ler aqui uma baita de uma resenha feita pelo meu amigo zé abrão.
eu queria apenas me ater ao fato de que há tempos eu não saía de uma série tão nutrido e cheio de idéias na cachola. muito boa, apesar de que a fantasia suplanta o terror na adaptação, o que me deixou triste, porque não só de sonhos vive nosso inconsciente, mas também de pesadelos, não há como dissociar luz e trevas, um não vive sem o outro. não a toa os contos de fadas partem de elementos macabros com bruxas, lobos, feras assassinas.
para mim, uma mensagem importante em sandmam é que o campo dos sonhos está totalmente fora de nosso controle. a humanidade logrou entender e dominar coisas antes impensadas, somos capazes de voar e entendemos os pormenores da vida das bactérias e das baleias. mas ninguém tem domínio dos sonhos que vai ter à noite. nosso inconsciente permanece selvagem.
a prova disso é que, quase sempre quando um sonho é descrito em uma obra, seja escrita ou audiovisual, ele tem um storytelling com começo, meio e fim, com sentido, moral e relação com algum sentido da vida desperta. mas o mundo dos sonhos de verdade é arisco, indomável e pouco afeito a tabus e convenções sociais. em um sonho, qualquer coisa pode acontecer, ainda que seja proibido ou sem nenhum sentido lógico.
já sobre o filme eu devo dizer que não esperava nada ou absolutamente qualquer coisa, já que não li nenhum resumo ou crítica antes de assistir. só minha amiga elise que disse que era uma experiência bem doida. confiei nela e recebi um filme absurdamente bom. em que nada faz sentido fora do próprio filme, mas tudo faz sentido dentro dele. como um sonho.
é a história de uma mulher comum que num determinado momento tem acesso à realidades paralelas originadas nos sonho que que teve, mas não se atreveu a realizar. (um oscar pra michelle yeoh, por favor. ela tá incrível como uma perdedora total que vira uma heroína foda.
não vou falar mais pra não dar spoiler, só te digo pra ir ao banheiro antes. eu tive vontade de fazer xixi no meio, e não queria perder nenhum segundo do filme. passei um aperto danado e quase molhei as calças. com certeza existe um eu num universo paralelo que foi fazer xixi e perdeu a jamie lee curtis lutando kung fu.
TOP 10
melhores sonhos sem dormir
sonho de padaria
a música sonhos, do caetano veloso
o chocolate sonho de valsa
um sonho de liberdade
sonhos de uma noite de verão, de shakespeare
a novela sonho meu
o samba sonho meu, com maria bethânia e gal costa
a canção dreams do fleetwood mac
cidade dos sonhos, do david linch
sonho maluco, do viva a noite, com o gugu
HOMENAGEM
não vá pra cama sem ele
essa é de longe a melhor entrevista do jô soares da história dos seus talk shows. muito se falou, nesta semana desde que ele nos deixou, do bom humor, inteligência e perspicácia. como autor, criador e apresentador, jô marcou a vida de gerações de brasileiros, com livros, esquetes, crônicas e entrevistas. deixo aqui minha preferida, a ranzinza artista eila ampula.
obrigado por tudo e beijo do gordo!
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.