tímido e espalhafatoso
#59: um pouco de droga, um pouco de salada. aqui há espaço para o minimalismo de aftersun e o frenesi de tudo em todos os lugares ao mesmo tempo
olá, tudo bem?
nesta semana sem nenhuma razão específica eu perdi alguns muitos minutos da minha vida no twitter tentando entender uma treta envolvendo o filme tudo em todo lugar ao mesmo tempo. pra quem não tá por dentro, uma usuária recebeu tantas críticas por dizer que abandonou o filme na metade de tão ruim que achou, que acabou usando um bot que bloqueou mais de 50 mil pessoas na rede.
deixo aqui o resumo da treta, feito pela gobackto505, melhor usuária do site da saúde mental:
mas o curioso é que do nada tenha surgido uma discussão tardia e infértil sobre o filme, que esteve em cartaz no cinema no ano passado e acaba de chegar na amazon prime. eu sinto que o problema é a quebra de expectativa. quem viu no ano passado, sem saber do que se tratava, foi positivamente surpreendido e amou, ou no máximo estranhou. quem tá vendo só agora, via streaming, sabendo que muita gente gostou muito, não quer entender o filme, quer entender o hype. então reações tipo “vocês gostaram mesmo dessa bosta de filme?” dizem mais sobre a experiência das pessoas sobre o filme que sobre o filme em si.
e tá ok não fazer parte de algo, e achar ruim algo que os outros gostaram. mas a necessidade de reafirmar certa superioridade porque não gostou de algo que é unânime entre um grupo, é bem bobo. do outro lado há quem sente a crítica ao filme como algo pessoal. “como assim, ela falou mal do meu filme preferido?”. acontece, nem todo mundo parte do mesmo lugar e com as mesmas referências ao reagir a um livro, filme, álbum, etc.
acho que é muito comum que filmes e artistas muito populares ganhem uma parcela de detratores. titanic, pra ficar num exemplo. do mesmo jeito que muita obra é massacrada logo quando é lançada e depois passa a história como algo cult, com uma legião de fãs. o mágico de oz e rock horror picture show foram fiascos de bilheteria e só com o tempo passaram a ser os clássicos que são hoje. antes esses ciclos levavam alguns anos, mas agora, entre o filme sair de cartaz e pintar no streaming já é o bastante para que o humor da massa mude sobre algo.
outro exemplo de filme que muita gente amou muito, há menos de dois meses e que agora eu tenho visto ser bem criticado é aftersun. olha, veja bem, longe de mim ser o chato que diz que quem não gostou do filme é porque não entendeu, mas eu recomendo ver de novo, porque com certeza você viu errado. mentira gente, eu amei o filme, mas entendo quem não gostou. a principal crítica é sobre o ritmo do filme, que é bem contemplativo e se desenvolve devagarzinho, quando você começa a entrar no clima, o filme acaba. eu acho que a chave pra se relacionar com o filme deve ser ter problema com o pai, porque olha, nem dez minutos e eu já queria chorar.
chorei muito numa cena de dança entre o pai e a filha e outro tanto quando o pai chora, porque é muito visível que ele tá perdido na vida, afundado em depressão e percebe que tem a melhor filha do mundo, mas não tem mais força pra lutar e acaba entregando as pontas. ajuda muito saber que é uma história real, que a diretora narra as férias que passou com o pai um tempo antes de ele cometer suicídio. esta parte não está no filme, mas mesmo sem esta informação, se pode captar a essência, que é uma história de duas pessoas que se amam, mas se estranham em suas solidões acompanhadas.
o curioso é que se aftersun foi acusado de ser minimalista e lento demais e tudo em todo lugar ao mesmo tempo causa estranhamento pelo motivo oposto. o filme dos daniels é frenético, surreal e usa de uma narrativa intrincada para contar uma história que se desenvolve em diversos níveis. tudo isso para só lá na frente a gente se dar conta que o que importa ali não é o multiverso e suas infinitas camadas sobrepostas, mas uma história de mãe e filha que não se entendem. no fim, o filme tímido e o filme espalhafatoso tocam no mesmo tema: família é um troço complicado.
outro ponto interessante é que os dois filmes sejam os mais comentados nas redes que eu frequento, mas não se oponham. não existe rivalidade ali, até porque eles não se chocam em nenhuma premiação. (o que é uma sacanagem, porque aftersun podia estar concorrendo como melhor filme e melhor diretora pra charlotte wells fácil). as pessoas podem ser contemplação e porradaria, cada qual a seu tempo.
e é legal ver que somos muitos em nós mesmos, já que, pra ficar na canção do caetano, de perto ninguém é normal. eu tenho é medo de gente que é a mesma coisa o tempo todo. eu sou do time dos tímidos espalhafatosos, porque sou assim em situações diferentes. como também há espaço para um buda e um bundalelê. o que quer dar um tempo de cidade grande e o que não aguenta muitos dias do sossego do campo. do que ama estar em bando, mas que também precisa de uma dose de silêncio e solidão. teresinha e gabriela, yin e yang, um pouco de droga e um pouco de salada.
links, links, links!
do nada aparece álbum novo do gorillaz e mais do nada ainda tem mc bin laden na melhor faixa, controllah. rolê mais aleatório feat melhor feat do ano.
há 40 anos o globo fez um globo repórter sobre a nova febre das rádios e o mercado de discos: o rock nacional! tratado como uma inovação por uns e um modismo que logo passaria, vale a pena ver o programa na íntegra no youtube.
o renato gonçalves da ótima newsletter música é feitiço lançou uma pergunta cabulosa na última edição: qual é sua música preferida do chico buarque? a dele ele responde neste texto aqui. como eu não sou capaz de escolher uma só, o meu top 10 tá logo ali abaixo.
TOP 10
minhas músicas preferidas do chico buarque
dueto
vai passar
futuros amantes
pedaço de mim
eu te amo
retrato em branco em preto
tango de nancy
tira a mão de mim
joão e maria
geni e o zepelim
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? é só chamar na dm. qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Adorei ler esse texto e lembrar de Teresinha e Gabriela (eu amava essa história quando era pequena). Histórias que falam sobre as mesmas coisas mas na verdade falam sobre coisas diferentes ou histórias que falam sobre coisas diferentes e na verdade falam sobre a mesma coisa. Dois ótimos filmes (na minha humilde opinião, rs).