timidez convexa
#89: chandler era adorável por ser complexado, não se sentir adaptado a um mundo de gente bonita e descolada e usar o humor como escudo
olá vocês!
dia desses eu caí num podcast em que a marisa orth dava entrevista e, fã que sou das tiradas hilárias dela, fiquei para ouvir. em determinado momento ela confessa ser uma pessoa tímida, mas com um tipo peculiar de timidez: “eu tenho uma timidez convexa, eu ocupo espaço para lutar contra a timidez. eu puxo papo no elevador porque eu morro de medo de ter vergonha”. eu simplesmente amei o conceito, porque pode não parecer, mas eu sou um sujeito tímido. mas desse tipo, o convexo.
quando criança, eu não era estrelinha, era muito encabulado, do tipo que odiava ir falar com as visitas e ficava em pânico se me notassem na sala de aula. se alguém falasse comigo sem eu estar esperando, eu entrava em uma carapaça imaginária, desesperado, sem saber o que responder. até uns 13 anos eu era esse aveztruz, pronto pra me meter em algum buraco ao menor sinal de interação social.
mas quis o destino que meu irmão dedé reprovasse de ano na sétima série no mesmo ano em que nós tivemos que mudar de colégio. como ele era bonito, descolado e popular, não demorou para fazer um montão de amigos. e como eu era o irmão mais novo, mas na mesma classe, ganhei, por osmose esses amigos. até um apelido me deram: se ele era o dedé, logo eu era o didi. até hoje tem uma galera que me chama assim.
com o bombardeio de hormônios da puberdade, eu logo passei a querer experimentar coisas. e tinha que vencer a barreira da timidez, se quisesse perder o tal do bv. foi assim que desenvolvi habilidades sociais, passei a andar em bando e comecei a me abrir mais pro mundo em volta. mas a timidez nunca me abandonou, ela só deixou de ser um problema. hoje, três décadas depois, ninguém diz que eu sofro de ansiedade quando tenho que falar em público. o personagem do júnior extrovertido é o meu escudo contra essa ansiedade.
mas eu sou dos que atacam antes de ser atacados, ou seja, eu falo com desconhecidos, antes que falem comigo. se tenho que falar em público, começo como uma piada de tiozão. no meu casamento, não queríamos um sacerdote oficializando, no lugar, convidamos amigos para dar suas bênçãos. combinei com meu marido que iniciaríamos a cerimônia falando com as pessoas. entrei já querendo chorar, em parte pela emoção, em parte pelo nervosismo. respirei fundo, olhei para as pessoas sentadas e disse: “obrigado por estarem aqui. agora que vieram, posso confessar que essa é uma reunião da herbalife.” todos riram, e o clima pesado se desfez.
eu uso o humor como escudo, e sempre que penso nisso, me vem uma frase de um dos meus personagens de ficção preferidos, o chandler de friends.
dizem que os bons personagens são os que têm mais de uma camada, ou seja, possuem dimensões e contradições. chandler é o personagem piadista de friends, essa é sua característica principal. mas sem profundidade esse humor o tornaria chato. o que torna chandler adorável é ele ser uma pessoa complexada, que não se sente adaptada a um mundo de gente bonita e descolada, e por isto, usa o humor como escudo. penso que muita gente se sente identificava com ele, por isso tantas postagens tristes quando o mathew perry morreu.
chandler era um tímido convexo por definição, e um dos seis amigos mais amados exatamente por ser assim. e quem tinha contato com o universo da série para além dos episódios, sabe que mathew tinha muito de seu personagem mais famoso. tanto que muitos das piadas eram improvisadas na hora pelo ator. e os roteiristas, quanto mais conheciam o ator, mais caprichavam nas piadas.
a perda de mathew é a perda de um amigo de longa data. nada deslumbrado com a fama, ele tentava deixar sua vida privada longe dos holofotes. ainda assim, sua luta contra o alcoolismo e a dependência se tornaram públicas. o mais triste é que ele tenha cruzado essa linha como forma de lidar com a fama, já que era bastante tímido. não se sabe como era o estado do ator nos seus últimos dias, mas de coração eu rezo que ele tenha sentido em algum momento todo o carinho que ele despertava no mundo e a alegria que ele fez as pessoas sentirem.
num mundo de poses ensaiadas e vidas performada nas redes são a tônica das nossas atitudes, chandler era um sopro de autenticidade, ainda que involuntária. nosso amigo fazia de tudo para evitar silêncios incômodos, mesmo que tivesse que lançar mão de piadas mais incômodas ainda. com ele, seu intérprete ocupou um lugar enorme no coração do público.
mudando de assunto
continuo maravilhado com notícias relacionadas com a taylor swift. a loirinha passou pela argentina e por aqui foi um furor. é a primeira visita da cantora ao país e ela foi recebida como uma estrela de primeira grandeza, tipo a madonna no brasil em 1993. só se fala em taylor. na tv, a previsão do tempo anuncia a probabilidade de chuva como “swifties secas” ou “swifities molhadas”. e até na sessão de política se falou dela, depois que todos os fã-clubes determinaram que swifty de verdade não vota em javier milei, já que ele representa tudo que a cantora é contra. os fãs fazem tudo mesmo.
finalmente gal costa ganhou um tributo do tamanho do seu talento. o disco beleza são coisas acesas por dentro, da cantora filipe catto é lindo, lindo, lindo. e o repertório mescla os clássicos do repertório da gal, como tigresa e vapor barato com outras menos conhecidas como jabitacá, minha preferida do disco.
eu amei muito o episódio do podcast radio novelo apresenta da semana passada. a aventura das adolescentes de brasília fazendo de tudo pra ver o show dos mamonas assassinas naquele fatídico 2 de março de 1996. uma geração inteira foi marcada pela morte da banda, amada por crianças e adolescentes. se roteirista eu fosse, já corria pra contar essa história em filme.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Nunca desconfiei da sua timidez convexa, amigo. Não é um segredo para ninguém que sou tímida, mas tenho tentando exercitar a convexidade cada dia mais. Bom saber que não estou sozinha