tenho opiniões
#58: gente desconstruída, jovens reacionários e solteiros crônicos, o que me dá mais vontade de coçar o olho com uma navalha?
olá vocês!
(aviso: hoje eu tô amargo)
já faz algum tempo que eu adotei, com meu marido, uma tática para evitar discussões inúteis sobre assuntos que não são da nossa conta. quando algum de nós sabe que vai divergir sobre algum tema, olha para o outro e diz “tenho opiniões”. se o outro quiser ouvir, pergunta que opiniões são essas. se não quiser, a conversa morre antes de virar uma treta.
por exemplo: se ele comenta alguma coisa, sei lá, uma declaração de alguma celebridade e eu tenho alguma problematização a fazer - e eu sempre tenho - eu digo apenas que tenho opiniões sobre isso e a gente entra no tema já sabendo o que esperar do outro. antes, a gente ficava infinitamente dando volta em torno dos mesmos pontos, um tentando convencer o outro de que seu ponto é o correto. e eu sou virginiano, nunca largo o osso numa briga.
(tenho opiniões sobre usar o signo pra justificar comportamentos tóxicos, mas isso fica para outra newsletter).
isso não tem nada a ver com o famigerado “você não está preparado para essa conversa”, que é um jargão de internet que eu acho um porre. quem você acha que é pra decidir se eu estou ou não preparado para alguma coisa, meu amigo? eu ando com uma preguiça imensa de ter opinião sobre tudo, sobretudo se for algo muito taxativo e radical. acho pobre quem tem certezas demais. gente “é assim e pronto e acabou” eu não dou conta. (quase) todo tema é complexo e precisa de mais de um lado a ser observado.
mas ultimamente eu tenho opiniões sobre alguns temas e vou compartilhar aqui. é um atacadão de temas e alguma reflexão sobre cada um deles. além disso, tem uma porção de links e uma lista com meus discos preferidos da mpb. vem comigo!
pra começar, eu ando com uma preguiça imensa da entidade “jovem de alma velha” do twitter. não tô falando do jovem adulto do combo boleto-promoção no supermercado-casa limpa, que chega no rolê procurando um lugar para sentar. esse é chato, mas não tanto. o que eu me faz ter vontade de coçar o olho com uma navalha é o sujeoto que, cada vez que vê alguém fazendo algo que ele não faria diz: “eu tenho a opinião de uma velha bolsonarista de 70 anos”, como se fosse bonito assumir que é tão careta.
porque normalmente esse tipo de reação vem por ver alguém sendo sexualmente livre ou algum jovem fazendo qualquer coisa que jovem faz, tipo beijar muita gente num mesmo rolê. se tem alguém jogando pedra no que outra pessoa faz da sua própria vida ou com o próprio corpo, pode olhar: a mão que segura a pedra, segura também alguma culpa inconfessa e uma vontade reprimida de ser livre também.
veja bem, o reacionarismo de gente de ultra direita, religiosa, mais velha, eu acho um saco, mas consigo entender que existe. mas vindo de gente jovem, bem informada, dita progressista, nossa que saco. gente chocada com carnaval, sabe?
um amigo, ativista queer, esteve recentemente em são francisco, no bairro castro, histórico bairro gay e disse que seus amigos se chocavam com o nudismo em locais públicos. locais onde essa prática é permitida e incentivada. o que esperavam encontrar num bairro gay de são francisco? não é como se estivessem numa igreja, câmara dos deputados, o show do roberto carlos. o mesmo para esse bando de queridão que acha de bom tom se assumir conservador quando vê o dançarino da mc pipokinha simular sexo em suas coreografias. é um show de funk proibidão, não é o bom dia e companhia.
ah, mas então tem que aceitar e achar bonito? não. não tem que nada, cada um na sua, mas saiba separar as coisas que te afetam e as coisas que só te incomodam. pras que te afetam diretamente, tá ok botar a boca no mundo. mas se algo te incomoda, mas não te afeta, qual é o problema? as pessoas tem maneiras diferentes de se sentirem bem. tem hora que a gente tem que simplesmente deixar de ser chato.
oito bilhões de pessoas no mundo, é muita gente diferente, uma hora você vai cruzar com alguém que faz coisas que você pessoalmente não faria, mas pra ele dá certo. gente com taras diferentes das suas, gente que namora uma galera ao mesmo tempo, gente que não transa e acha ok, gente que come arroz com geleia de framboesa. pode ser que você se choque ou ache estranho, tá tudo bem. mas veja bem, existe uma diferença, uma enoooooorme diferença entre dizer “gente, que doido isso” e “tenho a opinião de uma velha conservadora”. como diziam na internet há uns anos, apenas melhore.
a segunda coisa que me dá nos nervos: gente que se acredita desconstruída. céus, que termo pernóstico. o verbo é um conceito filosófico que se originou na obra de jacques derrida. em um resumo bem resumido, desconstrução é um processo crítico que questiona e subverte ideias e conceitos estabelecidos na cultura e na sociedade. pode ser aplicado em diversas áreas, como filosofia, literatura, psicologia e antropologia, e busca promover uma perspectiva mais aberta, pluralista e inclusiva.
em tese, serve para questionar e tentar entender melhor ideias que são consideradas “normais” ou “óbvias” na sociedade. por exemplo, a ideia que que vivemos uma democracia racial no brasil precisou ser desconstruída, porque era um mito. o mesmo com a meritocracia. ou seja, o que deve ser desconstruído são coisas abstratas: estruturas, paradigmas, o senso comum, idéias arcaicas.
não dá para desconstruir pessoas. por isso esse uso do termo me irrita. normalmente quem diz que se desconstruiu ou quer biscoito ou quer limpar sua barra de alguma cagada bobagem que fez.
digamos que as pessoas estejam falando de autoconhecimento, mudança de hábitos e mentalidade. isso leva uma vida toda e nunca acaba. nós estamos em permanente construção. se implodirem seus valores sem trocar eles por outros, você vai sair por aí, incompleto andando pela rua. e vamos combinar que as revoluções internas são silenciosas, quem precisa avisar que é algo, é porque nem é.
por fim, a terceira coisa que tem me dado um bode é a insistência na piada do “ministério do namoro”. foi engraçado no começo, mas sei lá, perdeu a graça tem um tempo já. de onde vem essa solidão crônica e essa loucura por namorar que de repente acometeu a galera?
bom, tenho opiniões. pra mim isso tem cheiro de pressão externa e carência afetiva. e essa combinação sempre descamba em se amancebar com gente tóxica para não ficar sozinho.
solidão dói, eu sei, mas dói mais ainda empenhar energia, tempo e expectativa em relações frágeis que logo ali adiante podem se revelarem uma cilada bino. namorar é uma delícia né, mas ser solteiro é maravilhoso também. agora se você quer porque quer um cobertor de orelha, o tio vai ensinar uma simpatia para namorar. primeiro você tem que abraçar a solteirice. aceite que você neste momento tá em carreira solo. e comece a fazer coisa de solteiro: sair pra dançar, jantar com amigos, investir na carreira, estudar, viajar só ou em bando.
o segundo passo é começar a gostar de ser solteiro. valorizar sua independência, não pedir a opinião de ninguém pra nada, fazer o que te dá na telha, cultivar manias. e pegar geral, porque ninguém é de ferro. mas é só contatinho. ou nem isso. quando você se der conta, vai estar amando tanto a solteirice que vai até pensar “meu deus, eu não quero nunca mais namorar, essa vida é boa demais”. quando essa fase chegar, loguinho você começa a namorar alguém, é batata.
links, links, links!
tá muito bom esse texto aqui da
, do conchas, que conta sua relação com dois temas espinhosos: pequi e carnaval.
a newsletter meus discos meus drinks e nada mais disseca a cada número um álbum acompanhado de uma receita de bebida. e desta vez, dois clássicos brasileiros numa talagada só: o disco de cartola de 1976 e a caipirinha.
esta playlist só com músicas que possuem solos de saxofone e tem um dos títulas mais divertidos de todos: só no sax, hein filhão?
TOP 10
meus álbuns preferidos da mpb
elis e tom - tom jobim e elis regina
cinema transcendental - caetano veloso
fa-tal - gal a todo vapor - gal costa
a arca de noé o vinícius para crianças - vários intérpretes
o meu mundo ficaria completo (com você) - cássia eller
acabou chorare - os novos baianos
clube da esquina - milton nascimento e lô borges
eu me transformo em outras - zélia duncan
tecnomacumba a tempo e ao vivo - rita benneditto
o bloco do eu sozinho - los hermanos
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
não sei o que eu seria sem suas indicações!
Eu imaginei muito a troca de olhares e a frase "tengo opiniones" e acho que a adoção desta tática evita muito perrengue. Adorei a menção!