tempo amigo, seja legal
#5: divagações sobre o tempo, joan baez, uns brotinhos (e lula), e a música que o bon jovi fez para o meu irmão
tava aqui pensando com meus botões e me dei conta de que:
1- eu nunca fui tão velho quanto sou agora;
2- eu jamais serei de novo tão jovem quanto neste exato momento;
3- eu estou vivendo há mais tempo neste século que no século passado.
o que isso tem a ver com a newsletter de hoje? nada exatamente, porém um pouco, já que vou postar aqui uma crônica que escrevi há uma década sobre o tempo e tava perdida num dos muitos blogs do blogspot que eu comecei e parei um tempo depois.
(lembra quando todo mundo tinha um blog? hoje chamam de blogueira gente que tem tudo, menos um blog de fato, mas quem sou eu pra julgar, etc).
eu gosto muito de rever textos antigos e tentar lembrar em que contexto eles foram escritos, o que me levou àquela escolha de palavras, como o eu do passado pensou para criar aquilo. vocês escrevem? como é o processo de vocês? o meu é, de vez em quando pegar um texto velho e jogar na roda, com a desculpa de que é um exercício estético e não pura falta de tempo de escrever coisas inéditas.
olha só que legal: este já é o quinto volume do cinco ou seis coisinhas e eu nunca senti tanto tesão em escrever coisas quanto aqui neste espaço. hoje temos a já citada crônica, um relato envolvendo o meu irmão e o nosso brother jon bon jovi e o dia em que a joan baez foi tomar uma cervejinha com o lula. vem comigo!
UMA CRÔNICA
oração ao tempo
és um senhor tão bonito, pelo menos é o que dizem por aí, apesar de que eu demorei pra perceber esse encantamento aí. porque é belo o modo como você molda as coisas. posso chamá-lo de você, não? então, há algo de divino no seu agir silencioso em fazer crescer como mágica, frutos e filhos, e em aproximar metas e sonhos. mas há algo de assustador no seu jeito de destruir, apodrecer, dar fim à tudo que existe em cima da terra.
tempo, tempo, tempo, tempo...
confesso que nunca entrei num acordo contigo. em criança, quis te acelerar pra ser alguém, fazer coisas de gente grande. e aproveitei menos do que devia aqueles anos que hoje me fazem falta. e de repente a vida me pegou de surpresa e eu, que sempre quis ser um homem feito, me vi querendo te fazer voltar atrás, virar criança de novo. virei um saudosista. hoje estou aqui pra fazer as pazes contigo, porque sempre é tempo.
tempo, tempo, tempo, tempo...
queria te pedir a mágica de, uma vez ou outra, de quando em vez, poder repassar o que já foi vivido. sem mágoas, sem dor, sem aquela nostalgia que se prende aos nossos pés e não nos deixa caminhar. apenas me sentar com os outros que eu já fui e ser mais generoso com eles. ver que as feridas já se tornaram cicatrizes e que o que passou, se alegre ou triste, me fez bem, me fez forte.
tempo, tempo, tempo, tempo...
quero te pedir também a possibilidade de sonhar, além do que meus limites insistam em proibir. de antever um futuro com possibilidades infinitas, de ser alguém melhor em áreas para além de sucesso e dinheiro. mas te peço, ó tempo, que não me deixe perdê-lo em meus devaneios, que eu não me frustre com o que é real e que eu saiba retirar um lado bom do que você puder me trazer.
ah, e se possível, ao me mandar sinais, uma vez que eu sou bem ruim pra decifrar subentendidos, seja um pouco mais claro. mas se for pedir demais, tudo bem, seu saberei lidar com eventuais enganos de tempo.
tempo, tempo, tempo, tempo...
e por fim, eu queria muito pedir pra estar o máximo possível voltado ao que eu me dedique a fazer, pra não sentir que você passa mais rápido ou mais devagar que deveria . que cada dia traga a mágica do inesperado e que eu não perca a capacidade de me surpreender com a beleza das coisas rotineiras.
que essa dádiva chamada agora seja, sempre que possível, prazerosa e interessante. e quando não for, que eu mão me entregue à inércia e ao tédio. que eu aja mais por força da minha vontade que pelo peso da obrigação. e que eu pare pra descansar de vez em quando, mas que seja por prazer e não por preguiça. que eu aprenda a curtir sua passagem por mim.
tempo, tempo, tempo, tempo...
compositor de destinos, que não para, que não volta atrás, que cura tudo, que é dinheiro, que é o senhor da razão. não sei se tenho fé, mas tenho alma e ela pede um reencontro contigo. isso é o mais perto que eu já cheguei de uma prece e não sei se pode me escutar, ou me atender. e sei também que tudo isso que eu te peço, sou eu que tenho que fazer por mim mesmo. porque esse é, enfim, o feitiço do tempo.
tempo, tempo, tempo, tempo
(texto escrito em 2012, reproduzido aqui sem alterações)
UMA MÚSICA
este romeu está sangrando
lá pelos idos de 1995, meu irmão dedé descobriu a música always do bon jovi. e desde então nunca mais escutava outra coisa. sério, ele ouvia always quando tava apaixonado. e ele sempre estava apaixonado por alguém. e ouvia always quando começava a namorar. e ele sempre estava namorando. e ouvia always sempre que brigava com a namorada. e ele sempre, etc etc. e ouvia always quando terminava. e ele sempre, vocês sabem.
eu passei uma parte considerável da minha vida ouvindo joão bom jovem se acabar de sofrer no cd player para dedé se acabar de sofrer sentado no chão do quarto e eu sofrendo no quarto ao lado de tanto escutar a mesma música sem parar.
com o tempo, até comecei a gostar do bon jovi e sempre que eu ouvia always pensava neste tempo. amo cantar ela no karaoke, fazendo o solinho de guitarra na barriga e interpretando a letra intensamente. chego no final da música sem fôlego de tanto berrar.
* * *
janeiro de 2022. cheguei em goiânia à noite e o dedé me pegou no aeroporto de carro para irmos pra fazenda onde minha mãe mora, no interior de goiás. lá vamos nós cruzando o estado, madrugada adentro, botando o papo em dia, matando a saudade, já que não nos víamos desde antes da pandemia.
liguei o rádio do carro pra espantar o sono, tentei todas as frequências, mas não tinha muito sinal então ficou só chiando, quando chegava perto de uma cidade, dava pra ouvir algum ruído parecido com música, mas logo caía de novo.
de repente, do mais absoluto nada, o rádio começou a funcionar no começo meio falhando, até dar sinal de vez. e eis que, soou um tum-dum de bateria seco, muito familiar. a gente se olhou incrédulo e veio a guitarrinha “tuuuuuuuuum, tum-durum turum-durum” pra não deixar dúvidas de que canção era aquela.
era always.
do
bon
jovi
expliquem essa, ateus.
UMA HOMENAGEM
paz, amor e uns brotinhos
mês passado a joan baez fez 81 anos e o pessoal no twitter resolveu lembrar do dia em que ela foi tomar um litrão com o lula. corria o ano de 1981, ditadura moendo no brasil e joan, com o estigma de cantora de protesto veio ao país pela primeira vez. mas não deu outra, a censura proibiu o show que ela faeia em são paulo.
reza a lenda que ela teria no setlist a canção para não dizer que não falei de flores, do geraldo vandré, uma canção pra lá de proibida pelo regime militar. caso é que joan não se fez de rogada, ciceroneada pelo então mancebo eduardo suplicy, pediu para conhecer o então presidente do partido dos trabalhadores, luiz inácio lula da silva e tomou uma cerveja com ele.
já no rio ela foi a um recital no aterro do flamengo, subiu ao palco e dançou um baião. [fofoca: suplicy acompanhou a cantora por toda a viagem e, ela empolgada, sapecou-lhe um beijão na boca. ele, com aquela fleuma característica, correu para o telefone e contou tudo para marta, sua mulher, que não gostou nada da ousadia de joan].
mas beijos em políticos fofos à parte, joan foi e segue sendo a maior referencia feminina em música folk. inquieta, misturou beatles, cowntry, canções folclóricas, e mais um monte de referências. suas composições e as canções que interpreta são cheias de mensagens de luta, esperança e igualdade. pudera: a mulher é totalmente “paz e amor” tanto no pessoal como no profissional, como diria fausto.
grande ativista contra governos e regimes opressores, cantou ao lado de martin luther king e gravou em espanhol gracias a la vida da chilena violeta parra, em protesto à ditadura no chile. e mais: passou 11 dias presa nos por ocupar uma base do exército estadunidense e lá conheceu david harris, ativista contra a guerra do vietnã, seu primeiro e único marido, com quem teve um filho e pouco tempo depois se divorciou. enquanto o marido estava preso por protestos contra a guerra, subiu grávida no palco de woodstock.
gravou, entre muitas canções, “te recuerdo amanda“, de Víctor Jara, “guantanamera“, de Joseíto Fernández e José Martí, “el preso número nueve“, de Roberto Cantoral, e o tema de domínio público “no nos moverán“. Em inglês, destacam-se “the boxer”, de Simon & Garfunkel, e “blowin’ in the wind”, de Bob Dylan.
lógico que uma mulher tão interessante teria uma vida amorosa também interessante. entre suas conquistas estão bob dylan, de quem sempre foi entusiasta e grande intérprete e um jovem steve jobs, ainda anônimo. e claro, o gatinho do pai do supla.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book pela amazon.