quem tem medo da virgínia?
#160 - não estamos diante de mais uma influencer do caos, mas lendo alguém que sofre por pensar demais. uma mulher que não vende nada, mas que custa muito.
olá vocês!
tudo começou com uma notificação: “você pre-ci-sa ver o que a virginia postou”. sem nem pensar, cliquei. sou curioso, sou influenciável e adoro uma fofoquinha. na primeira olhada, confesso, não entendi o hype. o rosto não tinha filtro, não tinha preenchimento, zero harmonização. a luz era mais natural que ring light, e em vez de pose com biquíni neon e legenda tipo “um dia de cada vez, né, meninas”, tinha um texto esquisito, sem emojis, sobre como o pensamento das mulheres é moldado por séculos de silêncio.
pensei: será que é publi? será que é crítica social disfarçada de dancinha? rolei mais. ela falava de dinheiro (ou melhor, da falta dele), de casamento (com um certo desprezo), e do desejo de ficar sozinha num quarto com tranca e papel. as fotos não mostravam muito — nenhuma selfie no espelho da academia, nenhuma viagem de helicóptero, nenhum close de unha recém-feita. só uma série de imagens borradas, preto e branco, às vezes um retrato antigo, e sempre textos enormes, daqueles que você passa direto no feed com medo de pensar demais. não era publi: ela não vendia colágeno, não fazia sorteio de pix, não indicava app de aposta. nada. no máximo, recomendava livros. mas com uma seriedade que assustava.
desconfiei que era ironia, só podia ser. ou performance. algum tipo de nova persona, alguém que hackeou o algoritmo e resolveu fazer sucesso sendo desinfluencer. porque, convenhamos, quem em 2025 escreve com tanto peso? com tanto silêncio entre as palavras? aí, fui ler os comentários. e percebi que ela mexia com as pessoas. metade respondia apenas com “não entendi, virgínia”, a outra metade dizia que ela mudou suas vidas. tinha gente escrevendo coisas tipo: “virginia, você me fez questionar minha existência”. e também: “diva, conta pra gente sua skincare”.
continuei stalkeando. descobri que ela mora num lugar chamado bloomsbury (achei que fosse bairro chique de londres, tipo alphaville britânico), e que andava com gente tão esquisita quanto ela. o marido, um tal de leonard, lytton, um amigo bem vidaloka, e a irmã dela, a vanessa que parece meio obcecada por quadros e cor-de-rosa. e nas postagens ela também inventa gente que eu tenho quase certeza que não existe. tinha um post de um enorme arranjo de flores e na legenda dizia que foi uma tal de clarissa que comprou. isso quando não tá falando sobre orlando um ser que transita entre os dois gêneros. a mulher é criativa, até uma irmã para shakespeare ela inventou.
confesso que fiquei fã da virgínia, daqueles que torce pra alguém falar algo sobre ela só pra eu poder falar “menina, eu também vi”. ela é tão original, num mar de caras e ideias tão iguais. a princípio soa como uma personagem, dessas que os humoristas criam para satirizar o feminismo nas redes. mas há algo no modo como ela escreve, como se cada palavra tivesse sido cavada com a unha, que me fez parar. não estamos diante de mais uma influencer do caos, mas lendo alguém que sofre por pensar demais. alguém que não vende nada, mas que custa muito.
com o tempo, fui entendendo. a virginia não quer viralizar, quer existir. e talvez por isso acho que ela não cabe tanto no mundo do vídeo curto vertical. a virgínia nasceu no século errado e, mesmo assim, descreveu o nosso. jamais soube o que é o instagram, mas já intuía o que era se sentir observada. ela fala do peso da expectativa, do riso automático, do papel decorativo que empurram goela abaixo. fala do silêncio. e do que acontece com quem ousa quebrá-lo.
também descobri que ela anda muito. que escreve como quem caminha pela própria cabeça. que acredita num tal “quarto todo seu”, não como luxo, mas como condição mínima de sobrevivência. os fãs até ficam marcando lojas de decoração nos comentários, pra ver se sai uma publi. mas não tem jeito, os mimos que essa virgínia faz unboxing são angústia, melancolia e observações ácidas sobre a vida e o cotidiano. a virgínia ama a irmã, desconfia dos homens e não consegue se livrar da própria tristeza. e ainda assim, escreve (acho que a virgínia se daria melhor no substack).
a virgínia não faz publi de jogo de azar, mas apostou a própria vida na linguagem. não vende maquiagem em dropshipping, mas denunciou o quanto as mulheres foram caladas com verniz. a virgínia não ostenta mansão, na verdade ela queria apenas uma escrivaninha onde pudesse pensar em paz. o número de seguidores dela é até grande para uma influenciadora de nicho, mas o que me espanta é como ela segue dizendo coisas que ninguém quer ouvir. como ainda cutuca o lugar onde dói. como nos obriga a olhar para o que ficou enterrado entre as louças e as listas de compras.
virginia sabia e escreveu que não basta ter voz. é preciso ter quem escute. e mais ainda: é preciso ter tempo, espaço, condições, para que essa voz exista. não sei quantas pessoas ainda escutam. mas sigo lendo. devagar. no silêncio. como quem entra num quarto alheio e tem o cuidado de não acender todas as luzes.

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júnior bueno é jornalista e escritor e tá procurando trabalho, por favor, mandem freelas ou comprem meus livros na amazon: a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa.
Que incrível Júnior! Afff <3
Muito bom!!!!! Caramba!