penso, logo resisto
#122: resenha: o filme argentinho "puan", entrega filosofia, ética e ativismo político salpicados com doses de humor fino e mordaz
olá vocês!
marcelo dedicou sua vida a ensinar filosofia na universidade de buenos aires. quando o professor caselli, seu mentor e amigo, morre inesperadamente, marcelo presume que herdará o cargo de professor titular que agora precisa ser preenchido. o que ele não esperava era que seu antigo nemesis, o carismático e sedutor professor rafael sujarchuk, retornaria de uma aclamada temporada em universidades europeias para disputar a vaga.
esta é a história contada no filme argentino puan, que me venderam como uma comédia aloucada sobre dois homens disputando o mesmo cargo e, se fosse só isso, eu já estaria contente. mas resultou ser um filme tão profundo e comovente que me surpreendeu muito positivamente e por isto, eu vim aqui indicar para vocês. vem comigo!
o filme é sobre a jornada de um homem conformado com uma vida mediana que a duras penas, desperta para novas possibilidades. o contraste de um professor de filosofia cuja vida está estagnada em ser um pai mais ou menos, um marido mais ou menos e um cidadão mais ou menos, é uma sacada e tanto. como este homem que instiga todos a se questionar e se mover através do pensamento chegou a este estado de inércia emocional? ao longo do filme vemos que as demandas da própria vida são capazes de ir apagando pouco a pouco a chama do desejo de uma pessoa.
marcelo tem uma tendência a se afastar dos holofotes sempre que possível. então, quando os outros membros do corpo docente, assim como a viúva de seu falecido mentor o encorajam a se candidatar à posição agora vaga, ele hesita. “às vezes, só sabemos o que queremos quando outra pessoa quer”, diz ao filho enquanto vasculha uma caixa em busca de alguns documentos necessários para se candidatar à vaga. sem ser indelicado, o garoto ressalta que a atitude do pai é bem boba, o que convenhamos, é verdade.
e é aí que entra o mais contraditório e mais bonito do filme, um homem que sabe citar rousseau, hobbes, platão e kant, mas tem uma dificuldade de aplicar a filosofia em suas relações e na vida prática. marcelo é sujeito complexo, tímido e atrapalhado, mas ao mesmo tempo um apaixonado por seu trabalho e pela comunidade formada pela faculdade que dá nome ao filme (a universidade é chamada pelo nome da estação de metrô mais próxima).
filmada diretamente na universidade pública, o filme de maría alché e benjamín naishat (também roteiristas), é um bom achado no catálogo da amazon prime para quem quer conhecer mais do cinema argentino atual. a dupla de jovens diretores mostra que tem fôlego para uma carreira bem prolífica se os deuses do cinema assim o permitirem. maria tem dois longas e dois curtas no currículo. benjamín está em seu quarto filme grande. em puan é a primeira vez que trabalham juntos.
o filme, que tem co-produção brasileira é um encontro feliz de um bom roteiro, um personagem adorável e um cenário totalmente identificável (quem é de humanas como eu vai poder revisitar seus tempos de faculdade tanto nos personagens quanto nas situações). a interpretação do ator marcelo subiotto que dá vida a seu xará é o motor deste filme, mas leonardo sbaraglia que faz o odioso rival também tem seus momentos de brilho.
como disse, o filme não se limita a ser uma comédia rasgada. apesar de uma cena envolvendo uma fralda de bebê bastante carregada, o humor não é predominantemente amplo. a verdadeira essência cômica emerge da incrível performance de subiotto, que entrega não não apenas uma ineptidão física impecável, mas também uma emotividade adorável que impede marcelo de ser apenas um idiota estereotipado.
como professor, marcelo é apaixonado e inventivo ao comunicar conceitos, tanto para seus alunos, quanto para os moradores de comunidades carentes. além disso, ele tem uma cliente particular, uma velhinha muito rica, cuja empregada inexplicavelmente o odeia. e cada diálogo vem carregado de pequenas pílulas do humor argentino, tão preciso quanto mordaz.
e claro, como é uma jornada, a transformação chega de alguma forma. e aqui não é pela ascenção econômica, afinal estamos falando de um filme de professores mal pagos. é uma história de um homem frente a uma universidade e a maneira de contar esta história é abertamente política. marcelo, um personagem infeliz, porém profundamente amável e tragicamente autoconsciente, precisa desesperadamente de uma transformação psicológica, e tanto naishtat quanto alché estão dispostos a proporcioná-la.
o modo e o lugar em que essa transformação ocorre são um deleite em si. o filme conclui com uma nota realista e otimista, sugerindo que às vezes são necessários momentos difíceis para trazer à tona o melhor de nós mesmos. enquanto um sorriso tardio de pura felicidade cruza o rosto de marcelo em uma situação claramente desconfortável, puan chega a uma afirmação surpreendentemente pungente e incisiva: o ativismo não é apenas benéfico para a sociedade, mas também para o espírito humano amortecido. talvez tudo aquilo que perdemos ao longo do caminho possamos reencontrar nas situações mais inesperadas.
antes de ir, um recado:
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
ok junior, vou atrás do filme pq é a única coisa que resta agora 🩷
adorei o texto
Final de semana Puan que me aguarde. Fiquei muito animada para assistir.
Um beijo, Ju.