parabéns para mim
não queria me tornar o tipo de pessoa que diz que se tornou o que não queria se tornar, mas a verdade é me tornei o que eu mais temia: um homem de meia idade.
oi gente!
nesse catorze do nove eu completo 40 anos. o que significa que eu me me tornei o que eu mais temia: muito velho.
não é uma metamorfose de repente, tipo o gregor samsa, mas um dia acordei de sonhos intranquilos e me vi, na minha cama, transformado não num monstruoso inseto, mas num homem de meia idade.
começou devagarzinho, o joelho aos 30 já não respondia bem a um “desce, sobe, empina e rebola”. aos 30 e poucos a ciática reclamava dias de uma posição sexual mais diferentona. ali pelos 30 e muitos, não se consegue ler um rótulo de nenhum produto sem esticar um pouco o braço pra longe do rosto e apertar um pouco a vista.
aí, cada dia é uma coisa nova: a memória que não lembra uma coisa específica, você descobre dor em órgãos que nem sabia que existiam, o corpo que não passa imune a uma volta de bicicleta sem alongar antes. de repente o mundo está ou barulhento demais ou quase no mute. paulatinamente o corpo passa a pesar cada vez mais e lembra que eu disse que a memória não funciona bem? pois pra lembrar quanto tava a bilirrubina e os triglicerídios no último exame ela tá uma beleza.
e cada mês que a calvície e a impotência ainda não deram as caras é comemorado como uma batalha vencida. e pra coroar tudo, tava eu levantando um pesinho de nada numa postura totalmente cagada e, plau!, uma hérnia cresceu no meu umbigo.
e é por isso que eu estive essas últimas semanas sem escrever neste espaço, tão bem ocupado pela mariana e pela nicole nas últimas edições. mas agora que eu voltei, vou aproveitar meu aniversário - e eu amo aniversário - pra ser um pouco tati bernardi, egocêntrico e falar sobre algumas das minhas idiossincrasias, essa palavra bonita que eu queria usar e não sabia como. vem comigo!
MEMÓRIAS
meus primeiros 20 anos
eu nasci em 1982, o que para alguns de vocês pode significar que ainda não havia energia elétrica no brasil e o telefone não tinha sido inventado. pode ser verdade, porque meu pai mandou um telegrama para avisar pra família dele que eu nasci.
dizem que meus pais esperavam uma menina e eu fui uma grande surpresa pra eles. tinham tanta certeza que nem pensaram em um nome reserva. reza a lenda que quem sugeriu meu nome foi uma enrabichada do meu pai, já que minha mãe estava grogue de anestesia.
assim, eu saí da maternidade wilson júnior, e passei a vida respondendo ao segundo e odiando o primeiro nome. hoje eu me sinto ok em ter o nome do meu pai. podia ser pior, meus irmãos mais velhos são gilbson e edeílson.
mas voltando ao ano da graça de 1982, foi o ano em que o brasil amargou um quinto lugar na copa da espanha com uma das melhores seleções que já tivemos. eu nasci dois meses depois. naquele mesmo instante, morria grace kelly, a princesa de mônaco. se a vida fosse uma novela do walcir carrasco, eu seria a serena e o príncipe ranier seria meu rafael.
no mesmo dia, mas em 1983, nascia amy winehouse, mas na minha fanfic a gente nasceu no mesmo dia, ano e mês, eu sou ruth e ela raquel.
por falar em novela, no dia em que eu nasci, estreava a inesquecível a leoa, no sbt, que obviamente ninguém se lembra, porque naquele setembro, regina duarte fazia mais sucesso encarnando uma entidade na novela das oito da globo, sétimo sentido. ela recebia o espírito de uma atriz italiana e soltava uma risada que, segundo consta, aterrorizou uma geração. saudade de quando regina dava medo na ficção e não proferindo absurdos fora das telas.
enfim, voltando à minha mini bio, minha memória de infância mais antiga deve ser aos três ou quatro anos, escutando rita lee no carro com meu pai, no dia em que me operaram de adenóide. aos 5, eu ainda não tinha ido pra escola, mas contam que um dia do nada, me pegaram lendo tudo que estava escrito na lata de neston.
capaz que é porque eu via meus irmãos fazerem tarefa todo dia, mas fato é que passei parte da infância distraindo adultos com minha capacidade autoadidata de ler e escrever. some a isso o fato de andar sempre com a minha mãe, que era a merendeira das escolas em que estudei, eu sofri bullying por ser mimado, nerd e efeminado. bom demais ser eu. quem me salvou foram os livros.
por estar tão longe das outras crianças, eu passei a ler muito e ser introspectivo. por outro lado, eu me machucava muito porque não tinha muito jeito para brincar na rua. por isso tenho um monte de cicatrizes no corpo. ser uma criança muito acima da média também não me ajudou a ser um adulto bem sucedido.
aos 8 tive meu primeiro crush, o juninho bill do trem da alegria. eu queria ser ele e queria beijar ele, embora não entendesse muito o que tava acontecendo. depois foi a sandy, em seguida a cláudia ohana como a natasha de vamp.
mas meu primeiro sonho molhado eu não me esqueço jamais, foi com o marcelo faria, na época que ele fazia o ralado de quatro por quatro. não entendi muito bem o sonho, mas olha, acordei com muita coisa acontecendo e foi de repente, acordei de sonhos intranquilos metamorfoseado em adolescente.
e toca demorar no banho e toca não ser totalmente compreendido, e toca a se achar feio demais e toca a ganhar um monte de apelido. aos 10 me chamavam de mestre iodo, aquele bonequinho orelhudo do agente g. hoje eu devo ser a única pessoa que sabe o que diabos é o agente g.
e toca a ouvir música triste o tempo todo. aos 15 eu ouvia sem parar rádio fm, sobretudo á noite, aqueles programas tipo love songs, com cartas dos ouvintes, seleção de músicas tipo careless wisper e baby can i hold you. se tinha um saxofone safado no meio eu tava gravando numa fita cassete. e laura pausini, shakira, legião urbana e música velha italiana. sabe deus como eu consegui beijar na boca.
o que me salvou da solidão e esquisitice foi o fato do meu irmão dedé reprovar de ano. quando a gente foi estudar junto, eu me tornei popular por transferência. o carisma do meu irmão refletia em mim. até um apelido eu ganhei: como ele era dedé, logo eu virei didi.
nessa época eu beijei muito na boca. de meninas, claro, porque os meninos só entram na história depois dos 20. nessa época eu forjei minha personalidade de pessoa introspectiva que aprendeu habilidades sociais e engana tão bem, que até parece que é extrovertido.
primeiro porre de conhaque dreher, primeiro cigarro de bali, primeira transa, primeira namorada e uma vida dividida em ir para a igreja orar e beijar na boca depois do culto. férias na casa da minha avó em luziânia, temporadas de fazenda, festas de peão, rolezinhos com os primos. mas algo incomodando ali, no fundo eu sabia que faltava algo. as piadas sem graça dos tios por meu jeito de andar e falar. o desejo que se dividia entre a namorada e o marcos pasquim sem camisa.
eu sabia que tinha o programa instalado de fábrica, mas nunca tinha tido a curiosidade de clicar ali pra ver como era. um dia eu cansei de brigar com meu desejo e de pedir para deus me matar, “se eu tiver que ser gay”. de repente eu vi uma boca e sorri, ela sorriu de volta e de repente, ficou urgente, inconcebível a ideia de não beijar. beijo com barba roçando e com sabor de trident de maracujá. aquele beijo foi meu duplo clique e depois dali, minha vida nunca mais foi a mesma.
eu faço um drama danado sobre envelhecer, mas eu adoro celebrar, tirar um dia pra colocar em retrospecto as perdas, os ganhos e as lições aprendidas. estou longe de me tornar o homem que eu achei que me tornaria aos 40, mas quer saber? eu tô adorando mesmo assim.
TOP 10
10 coisas que fazem 40 anos em 2022
a grazi massafera
o clipe de physical, da olivia newton john
o filme e.t.
he-man
a guerra das malvinas na argentina
o álbum thriller de michael jackson
a temível vinheta do plantão da globo
o primeiro cd lançado no mundo
os paralamas, o barão vermelho e a blitz
o livro feliz ano velho, de marcelo rubem paiva
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
parabéns, Júnior! e eu não sei se acho que 40 anos do lançamento do CD é muito ou pouco, realmente não sei lidar com essa informação, me surpreendeu.
Eu poderia comentar com um textão sobre a minha própria relação com envelhecer ou destacando cada ponto com que me identifiquei nesse seu relato. Mas só digo isso: você é muito fofo. Parabéns pelos 40!