o show de ronald
#86: juri duty é dessas idéias tão geniais que fariam o silvio santos ficar repetindo “bem bolado, bem bolado, rá ráááá” por horas
olá vocês!
há uns dias tem circulado nas redes um vídeo com um experimento social do tipo “o que você faria?”, em que um moço negro outro branco fingem ser cegos e esbarram nas pessoas nas ruas. o intuito dessa puta crítica social foda obra audiovisual é provar um ponto, o de que a sociedade é racista, já que as pessoas foram super solidárias com o homem branco, mas não titubearam em pensar que o negro era um bandido. não sei vocês, mas eu achei de uma falta de noção capaz de fazer o povo do quebrando o tabu colar ele de volta.
não sei de quem foi a idéia, mas imagino que pensaram “e se a gente filmar as pessoas na rua em condições de mostrarem seu racismo, pra todo mundo ver, e assim mostrar que racismo é errado?” mas às custas de quê, de expor pessoas pretas à situações constrangedoras? pra quem passou a vida tomando sacolejo de polícia de graça e seguido por segurança de loja por nada, ver pessoas pretas sendo hostilizadas é um gatilho desnecessário. fora que é bem capacistista o negócio de fingir ser cego.
eu tenho uma preguiça imensa. não, eu tenho é ojeriza mesmo desses vídeos feitos pra ganhar like de quem se acha moralmente superior por não fazer mais que a obrigação, que é respeitar as outras pessoas. tem que acabar experimento social de internet. coisa chata isso de fazer as pessoas testemunharem cenas forjadas de injustiça e violência pra “denunciar” quem não faz a coisa certa. até porque muita gente não consegue responder bem a situações de conflito e estresse. sei lá, acho uma moda besta.
não que eu seja contra câmera escondida, tenho nem moral pra falar nada, ivo holanda moldou o meu caráter. mas uma coisa é uma gague na tv em que uma situação absurda é armada e desarmada em seguida, em nome do humor. outra coisa é esses arremedos de estudo do comportamento, que são tão rasos que se consomem em um reels. eu pareço uma pessoa legal, mas julgo muito quem se comove com este tipo de conteúdo.
mas por outro lado, uma das coisas mais legais no streaming em 2023 é justamente um programa em que um pobre coitado foi filmado em situações surreais sem saber que se tratava de uma grande pegadinha. juri duty é dessas idéias tão geniais que fariam o silvio santos ficar repetindo “bem bolado, bem bolado, rá ráááá” por horas.
pra quem não viu, vou tentar resumir aqui sem estragar a brincadeira: misto de sitcom e reality show, a série segue o funcionamento de um julgamento do júri americano através dos olhos de ronald gladden, um jurado que não sabe que todo o caso é falso. todos, exceto ele, são atores e tudo o que acontece é cuidadosamente planejado. o sujeito preencheu uma ficha pra participar de um juri que seria filmado para uma espécie de documentário e acabou caindo numa pegadinha cheia de detalhes.
pra fazer um julgamento com um caso de mentira ficar atrativo suficiente, a produção armou para que o tempo todo coisas estranhas acontecessem ao redor de ronald. pra começar, uma das pessoas convocadas é um ator famoso, já que o juri em questão é em los angeles, o lar das celebridades. james mardsen, o ciclope de x-men faz uma versão detestável de si mesmo e leva nosso herói a passar do deslumbre de conviver com uma celebridade à decepção de vê-la agir como babaca.
além de mardsen, há outros personagens exóticos, como um geek aficcionado por brinquedos eletrônicos, um rapaz mormón em crise com a namorada, uma velhinha chapada e uma garota viciada em seduzir, entre tantos tipos raros. as situações sempre vão escalando para o absurdo e a ação vai se moldando conforme a reação de ronald. já virou um lugar comum dizer que a série é uma mistura de the office com o show de truman. mas o clichê tem razão de ser, já que juri duty é dos mesmos criadores de the office.
para mim os dois principais atrativos desta série são: primeiro, o ineditismo da coisa. você pega um enredo de tribunal, que está tão em voga, com a ascensão dos podcasts de true crime, mete ali um nonsense e deixa uma parte boa para o improviso, que por sua vez, vem de alguém ali no meio que não sabe que está em um programa de tv. não tem meio termo, a receita pode dar muito errado ou muito certo.
no caso, deu mais que certo, já que a série recebeu quatro indicações ao emmy de 2023 e tem sido um sucesso. por agora não se fala em uma segunda temporada e, pelo formato da coisa, nem sei se é viável ter um resultado tão bom sob as mesmas condições. é uma boa temporada, encerrada em si mesma e já tá na hora da gente se acostumar com séries boas que duram pouco. olha fleabag, o luxo que foi, duas temporadas curtinhas, perfeitas, inesuqecíveis.
o outro grande trunfo de juri duty, foi aquele que nem os criadores podiam prever, que a “vítima” da pegadinha fosse alguém tão adorável. ronald gladden tem um misto de inocência e bondade tão genuíno que tudo que você quer é poder proteger ele das maldades do mundo. pra se ter uma ideia, a produção coloca ele pra dividir espaço com um freak total, e ele não só adota esse novo amigo, como o ajuda a se enturmar. cada cilada ética a que submetem o moço, ele consegue responder com generosidade e graça desconcertantes. em entrevistas os produtores disseram que dava dó sacanear ele, de tão amável que ele era.
e ser bom amigo, gentil, agradável, gente boa sem fazer disso uma performance é um feito e tanto. eu não sei absolutamente nada da vida de ronald antes e depois do programa, mas o que é visto ali, sem esquecer que é uma recorte bem editado da realidade, é exemplar. não há, por parte dele nenhuma afetação em ser bom. pra ele não é uma virtude, nem um fardo. apenas é, porque assim é melhor de levar a vida.
ronald sorrindo sem jeito após um ator de renome interditar sua privada é minha nova religião. é um coach ao contrário, o que ensina com ações, nunca com discursos. se mostrou um ser humano maravilhoso, foi um excelente presidente do júri, lidou com todas as situações bizarras da melhor forma possível e sempre foi muito fofo. com ele, me lembrei de como é legal ser gente boa. só por ser gente boa, sabe, sem nenhum like em troca.
talvez por isso judy duty tenha funcionado bem. ninguém queria provar um ponto, apenas deixaram alguém solto em um cenário caótico pra ver no que dava. ronald não era a piada, era antes de tudo, o ponto de vista por onde assistimos um julgamento digamos, inusitado. mas sem querer, foram além de um experimento social. pode ser que lá na frente a gente descubra que ronald também é ator e quem caiu na pegadinha fomos nós? claro, tudo é possível nesse mundo. mas eu tô tão carente de bondade no mundo que escolho acreditar.
mudando de assunto
a partir desta edição, vamos ter algumas mudanças por aqui. a primeira é que em vez dos links, vou deixar aqui uns tópicos sobre temas variados que têm passado pela minha cabeça, incluindo, se for o caso, links e recomendações. espero que gostem. e o top 10 só vai dar as caras de vez em quando, mas expandido, como um texto grande.
o espetáculo vida viada, do meu grande amigo guto rocha foi selecionado para o festival satyrianas, em são paulo e ele tá fazendo uma vaquinha online para custear a viagem. quem contribuir com 15 reais leva de presente um e-book com o texto da peça, um monólogo maravilhoso. apoie a arte queer aqui. e se tiver em são paulo, o festival ocorre no dia 14 de outubro, das 14h às 20h numa tenda na praça roosevelt.
e por falar em arte queer, o drag race brasil decolou de vez hein? a grag queen tem se mostrado bastante carismática e afiada na condução do programa, a edição melhorou muito ao longo dos epiśódios e as queens, além de talento têm servido muitos momentos emocionantes e divertidos. o snatch game com dilma, regina rouca, maria bethânia, inês brasil, márcia sensitiva e narcisa é a nossa cara.
nesta semana tava na moda no tiktok perguntar para homens em geral com que frequência eles pensam no império romano. e a resposta, depois de uma matutada e uma coçada na cabeça, é pra base de uma vez na semana. também tá na moda vídeos de mulheres justificando conceitos bastante fluidos de matemática e economia doméstica como sendo “coisas de garota”: “comprei uma blusa de 20 conto, não gostei e fui trocar por outra que custou 30, na verdade essa outra só custou 10, porque 20 eu já tinha gastado, logo não contam”.
bom, a cultura, história, idioma, direito, arquitetura, religião, quase tudo no mundo ocidental de hoje em dia passou pelo império romano, ainda que vagamente, pra chegar até aqui. então, se vc pensar sei lá, num vaso sanitário, capaz de em algum momento lembrar que viu na escola que eles já tinham sistema de esgoto. não é uma coisa masculina per se pensar em um período marcante da história, ainda mais sendo tão referenciado em obras até hoje.
por outro lado, eu juro pra vocês que meu raciocínio para finanças é exatamente assim. se alguém me paga um dinheiro que me deve, esse dinheiro é um extra, não importa se saiu do meu bolso no passado, eu tenho direito de gastá-lo. não são coisas exclusivas de um gênero. o x da questão é pra quem estão perguntando coisas de gente que estudou e quem tá sendo vista como ruim com números. isso daí tem nome, viu?
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Amei Jury Duty, muito obrigada pela dica!