o país das abuelas
#49 - relatos de um brasileiro torcendo para a argentina dentro da casa deles e de uma seleção abençoada pelas avós
hola, chicos, qué tal?
quase todo mundo que eu conheço na argentina não era nascido ou era muito pequeno em 1986, quando a argentina ganhou o bi campeonato mundial, graças à genialidade de maradona. hoje na primeira copa sem diego, meus hermanos e hermanas puderam viver o que eu já vivi duas vezes: ver seu país ser campeão da copa do mundo.
eu entendo a rivalidade entre países no futebol, mas vivendo aqui, na casa deles, tenho que dizer, que futebol bonito a argentina tem. que equipe redondinha, que torcida vibrante. eu tô apaixonado pela seleção argentina. não tem como não gostar de messi, sua turma e sua efusiva legião de fãs. e não dá pra torcer contra sabendo como a vida pode melhorar num país quando algo grande assim acontece. a gente sabe muito bem como é isso.
na argentina, a torcida é muito barulhenta em campo, mas no dia-a-dia,o silêncio reina, para não dar azar. ou como dizem aqui, la mufa. não se comemora nada antes do tempo. em vez de dizer “caso ganhemos o mundial”, dizem “en caso de que pase lo que queremos mucho que pase”. no brasil, basta meio tempo com 4 gols pra gente fazer todo tipo de promessa, apostar a casa, a mulher, até o fiofó.
então, meu jeitinho de torcer e provocar meus amigos não foi totalmente compreendido e eu levei um tempo para entender como funciona o argentino neste campo de guerra. a campanha da scaloneta foi uma prova de nervos o tempo todo. porque há décadas não se via uma equipe com tanta chance e empenho e ao mesmo tempo não dava pra contar totalmente com isso, então cada jogo foi uma final.
e mesmo começando desmoralizado, a seleção terminou a fase de grupos em primeiro lugar. a esta altura já devem estar pipocando no linkedin sobre a superação, resiliência, mudança de mindset da equipe. mas é isso mesmo, eles se reinventaram. confiaram no que podiam e sabiam fazer de melhor e trataram de corrigir falhas pontuais. campeão faz assim.
claro que esse título não viria se não fosse a confiança coletiva na figura do messi, que além de ser o gênio que é, ainda é a pessoa mais fofa que existe no mundo. basta ver que, putaço com um jogador holandês depois do jogo das quartas-de-final, mandou um “que mirás bobo? andá pa’llá, bobo!”. com o quase infinito repertório de palavrões que os argentinos possuem, ele usa um “sai daqui, bobão” pra tretar, pra não falar palavras feias na tv. tem como não amar?
pra mim, messi é o grande craque dessa copa, dentro e fora de campo, mas a história seria outra se o goleiro não fosse emiliano fernandez, mais conhecido como dibu, porque ser a cara de um desenho argentino chamado dibujito, na série mi família es un dibujo. dono de pelo menos 70% do carisma de todo o país, dibu tem credibilidade pra fazer propaganda da rede mostaza e te convencer a comer o pior hamburger do mundo. fora que é lindo e muito família. totalmente husband material.
completam o time di maria que demorou pra acontecer, mas foi decisivo na final, dybala, que só saiu da geladeira nos pênaltis; os craques lautaro martinez, julian alvarez, enzo fernandez e o indecentemente bonito rodrigo de paul. e mais uma dúzia de garotos que até esses días eram não mais que fãs adolescentes de messi e agora estavam ali, lado a lado com o ídolo. histórias assim me comovem.
e claro, ela, a torcida mais supersticiosa que existe. se algo aconteceu em um jogo ganho deve ser repetido até o último jogo. por isso, dois irmãos levavam um dinossauro inflável por todo lado, até no catar! ou um cara que pediu pra ver os jogos com a ex, já que estavam juntos ano passado quando a argentina ganhou a copa américa.
eles chamam isso de cábala e todo mundo tem a sua. saiu pra ir ao banheiro e a argentina fez gol? vai passar o resto do torneio no banheiro. a minha cábala foi não comprar a camisa da argentina, já que quando eu ia comprar para o jogo contra o méxico ela não chegaria a tempo. deu sorte não usar então eu segui sem camisa. agora tá valendo o dobro, com três estrelas.
mas o maior dos amuletos da torcida argentina foi uma pessoa. conhecida por todo o país como la abuela, uma senhorinha fanática de messi, atravessou a rua de casa em liniers, no conurbano bonairense, e foi agitar sua bandeira branca e azul com um grupo de rapazes. isso depois da primeira vitória argentina, lá pelos idos de novembro. na hora, eles improvisaram um coro abuela, la la la la laaaa, abuela, la la la la laaaa, algém filmou e viralizou. no jogo seguinte, já era mais de uma dezena de rapazes. no outro, mais de 30 pessoas. nas semifinais, tinha tv e uma pequena multidão.
ontem a abuela (la la la laaa…) saiu ovacionada nas ruas, comemorando o título que a argentina não via há quase quatro décadas. o curioso é que cristina (assim se chama a senhora) não tem netos. la abuela no es abuela de nadie. mas é mais que isso, é um conceito, uma entidade. argentina tem uma história de amor com as avós. desde os anos 70 as avós da praça de maio procuram e exigem saber o paradeiro de seus filhos e netos desaparecidos durante a ditadura.
a avó mais famosa de todas, hebe de bonafini faleceu há pouco tempo. a seu lado, messi participou em 2014 de uma campanha para que as pessoas que tinham dúvidas sobre seus nascimentos para procurarem as abuelas de la plaza de mayo. “te procuramos há 10 copas do mundo”, diziam os anúncios. sem hebe, o país segue sonhando com a verdade sobre os mortos e desaparecidos.
já a avó cristina sonha em conhecer o “neto” mais famoso e seguramente o fará. e o grito da torcida para ela segue grudado na mente. outro tema que não parou de tocar em momento algum é o agora clássico “muchachos”:
“muchaaaaaachoooos, ahora nos volvimo' a ilusionar
quiero ganar la tercera, quiero ser campeón mundial
y al diego, en el cielo, lo podemo' ver
con don diego y con la tota, alentándolo a leonel”
a saber, don diego y tota são os pais de maradona, já falecidos. la tota é outra entidade que pairava sobre a torcida, tamanha era a devoção pelo filho. mais uma figura materna a embalar filhos e netos postiços.
muitos têm razões para acreditar que o 3x3 de domingo decidido nos pênaltis seja a melhor final de copa do mundo jamais jogada. a verdade é que a frança 2022 é muito boa e mbappé é gigante. mas será que os franceses têm as avós a zelarem por eles?
TOP 10
grandes ídolos argentinos
leonel messi
hebe de bonafide
papa francisco
maradona
mercedes sosa
che guevara
evita peron
carlos gardel
ricardo darín
jorge luís borges
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? é só chamar na dm . qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Amei 💗 o vídeo da abuela com o povo todo é uma preciosidade!!
Ah que maravilhosa essa edição! Adorei! Me lembrou de uma matéria que saiu no NYT falando das brujas que protegem o MESSI!