o hominho dourado
#60: o que o garotinho de indiana jones, a mãe da lindsey lohan e george o rei da floresta têm em comum? agora eles têm um oscar na estante.
olá, tudo bem?
o que vocês acharam do oscar? eu gostei, achei o mais equilibrado e justo dos últimos tempos. tirando argentina 1985 perder para um remake e um monte de filmes muito bons não terem sido indicados, o resultado me agradou mais que despertou raiva. e gostei da cerimônia também. depois de alguns anos deles tentando reinventar a roda, parece que em 2023 eles finalmente apertaram o botão certo: voltar ao básico. um monólogo, um apresentador, músicas, prêmios, in memoriam, quatro piadas sem graça e asa, cada um pra sua casa.
melhor assim, porque, além do tapa de will smith, o que você lembra da cerimônia do ano passado? nem mesmo a vitória de troy kotsur por coda conseguiu ficar na memória do público. este ano foi o ano da redenção e da reparação: brendan fraser, ke huy quan, jamie lee curtis, guillermo del toro. todos eles fizeram discursos fantásticos, entregaram os tão necessários momentos do oscar e elevaram a produtora a24 como a tocha ardente da originalidade à qual a indústria tenta se agarrar.
a enxurrada de prêmios dos daniels diante do placar vazio de os fabelmans, elvis ou tár evidenciam a mudança de identidade de uma academia cada vez mais imprevisível que, assim como premiou (justamente) parasita, pode tornar-se mais mainstream com o cinema como coda, ou, neste caso, enfatizar a necessidade de ouvir os marginalizados e os freaks. claro que um grande amante do cinema clássico não vai entender o que dois malucos estão fazendo em cima do palco, agradecendo seus professores e fazendo um discurso em prol das drag queens. mas não precisa dizer que entre um green book da vida e um filme de sentimentos multiversais, tá bem claro o que eu escolho.
mas em 2023 o oscar não apenas apoiou o novo talento, mas também fez justiça histórica a michelle yeoh (“meninas, não deixe ninguém te dizer que você esteve no topo há muito tempo”) e jamie lee curtis, que agradeceu a todos, especialmente aos fãs do cinema de gênero que a apoiam há anos. difícil dizer que jamie lee não o merecia, já que ela é incrível em tudo que faz, mas acho que a academia não é tão aberta a ponto de indicá-la por sexta-feira muito louca. mas ângela basset, que mulher! é um mixed feelings aqui, deveria ser um empate.
a academia estava perfeitamente ciente de que, não importa o tamanho do show de brendan gleeson em the banshees of inisherin, esse prêmio tinha que ir para ke huy quan. deixar a gente sem o choro garantido teria sido rude. o ator de tudo em todos os lugares ao mesmo tempo, fez um retrospecto de sua tortuosa vida e, embora tenha falado muito sobre o sonho americano, confesso que só de ver a cara dele eu já estava chorando como no final de procurando nemo. sim, ao menos um dos goonies tem um hominho dourado na estante. e isso é bom o bastante pra mim.
eu tenho opiniões sobre a baleia? tenho. mas elas não apagam o fato que que o brendan fraser foi o ator do ano. que arco de redenção: depois que o mundo o esqueceu, voltar e receber o prêmio mais alto possível estava fora de questão. o discurso foi emocionado e emocionante. não queríamos momentos incríveis? o oscar não economizou, ninguém ficou chupando o dedo. é que nem a carta pro papai noel de uma criança bem rica rica. ah, você quer tudo isso? então toma.
nenhum prêmio foi decepcionante, desde guillermo del toro vencendo a disney com pinóquio até o oscar de melhor curta-metragem por um adeus irlandês em que todo o dolby theatre começou a cantar parabéns para um desconhecido , transformando por um momento a cerimônia num outback.
a cerimônia teve lá suas surpresas também. jimmy kimmel subiu ao palco com jenny, a burrinha de 'the banshees of inisherin, o número musical de naatu naatu foi uma festa pra lá de animada e depois houve o urso cheiradão. eu jamais imaginei que um dia iria escrever: “um homem disfarçado de urso viciado em cocaína assediou uma ganhadora do prêmio nobel da paz até que jimmy kimmel dissesse ‘urso cruel, deixe malala em paz’”. mas a noite foi cheia de pequenos momentos aqui e ali, sem deixar espaço para montagens dispensáveis ou homenagens absurdas, que mesmo depois de meia hora conseguiu ser icônico e memorável.
é verdade que os apresentadores não tiveram grandes momentos, mas fica para recordar o reencontro de hugh grant e andie macdowell (“basicamente sou um escroto”, disse o britânico), assim como elizabeth banks, com uma voz rachada, respondendo às perguntas do supracitado urso cheiradão (“espere até a festa depois, como todo mundo”).
para substituir will smith, a academia nomeou halle berry, que anunciou michelle yeoh: as duas únicas atrizes não caucasianas a ganharem o prêmio de melhor atriz. pode haver quem acredite que esta é a edição em que o oscar ficou moderno demais, mas a quem estamos enganando? esta é a edição em que o oscar se rebelarou contra a imagem que as pessoas têm deles.
enfim, foi uma premiação moderna, imprevisível, maluca e satisfatória, com um ponto a reclamar (a argentina 1985 perdeu pra um remake. um remake, sabe?) e algumas apresentações realmente originais para explicar as categorias mais ignoradas, como fotografia, figurino (único prêmio para pantera negra: wakanda forever, tirando a marvel do buraco) ou trilha sonora. além disso, momentos marcantes como a apresentação, digamos, minimalista de de lady gaga, e a exuberância gentante de rihanna, foram a cota “bicha de chart” para quem não curte a loucura de rrr ou dos daniels.
no meio de toda a algazarra, as lágrimas dedicadas a chadwick boseman ou as de john travolta antes do in memoriam e aquele momento em que parecia que nada de novo no front poderia enfrentar a24 foram deixados em segundo plano. foi uma noite que não teve um azarão, para além do prêmio de roteiro para entre mulheres. e esse foi um momento muito reconfortante, como quando sua mãe acaricia o seu cabelo antes de dormir e diz que vai ficar tudo bem. porque o futuro do cinema está em boas mãos.
e se alguém viveu o oscar mais do que ninguém, esses foram daniel kwan e daniel scheinert, que subiram ao palco vestidos à sua maneira e fizeram discursos, um após o outro, onde agradeceram aos seus professores, listando-os um a um, todos as mães do mundo (“obrigado por não destruir minha criatividade”) ou o filho de kwan, a quem dedicaram algumas das palavras mais sinceras da noite.
“espero que você saiba que não deve tentar viver de acordo com isso. isso não é normal, é muito louco, e eu vou te amar não importa o que você faça.”
imagine, por um momento, aquele encontro da marvel com os daniels, onde eles se recusaram a filmar a primeira temporada de loki para se concentrar em seus próprios projetos. imagine kevin feige pensando no erro que eles estavam cometendo. mas a vitória avassaladora de tudo em todo lugar ao mesmo tempo, também é prova de que, além das franquias e do bombardeio de sequências, há espaço para contar outras histórias. alguns podem gostar, outros não, pra alguns vai parecer uma viagem de ácido. mas é claro que esta vitória não é coincidência e mostra uma mudança de visão de uma academia que desafia o que até agora temos conhecido como um “filme de oscar”.
desde a vitória de parasita já intuímos que o cinema havia entrado em outro universo imprevisível, mas eu nunca pensei, ao sair do cinema no ano passado, que até os prêmios mais conservadores da indústria acabariam se rendendo a uma história como esta. e eles conseguiram tudo (em todos os lugares).
TOP 10
10 grandes injustiças do oscar
hattie mcdaniel segregada na sua noite de vitória como atriz coadjuvante em …e o vento levou (1940).
stanley kubrick e alfred hitchcock nunca ganharam um mísero oscar.
bette davis não ganhar e joan crawford nem ser indicada por o que teria acontecido a baby jane? (1963)
crash: no limite ganhar de o segredo de brokeback mountain (2006).
gwyneth paltrow ganhar de fernanda montenegro (1999).
a vida é bela ganhar de central do brasil (1999).
dança com lobos ganhar de os bons companheiros (1991)
cidade de deus não ter sido indicado como melhor filme estrangeiro
jennifer lawrence ganhar de emanuelle riva como melhor atriz (2013)
leonardo di caprio levar tanto tempo para ser premiado.
links, links, links!
algumas curiosidades sobre michele yeoh, primeira mulher asiática a ganhar um hominho dourado.
há 20 anos, halle berry foi a primeira atriz negra a ganhar um oscar de melhor atriz (única até hoje) - e seu discurso sempre me emociona. veja o vídeo aqui.
e tome história: este documentário sobre dorothy dandridge, primeira atriz negra a ser indicada ao oscar em 1954, pelo filme carmen jones. apesar do estrelato, dorothy sofria com a segregação e teve uma vida de altos e baixos, marcada por lutas, tragédias e um fim precoce. há muito pouco sobre ela na internet, é uma pena.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Ecoo seus sentimentos sobre esse Oscar, no fim, foi uma experiência bem satisfatória. Tenho opiniões sobre a premiação e a academia? Muitas. Me emocionei? Demais. Comecei a chorar com o Ke Huy Quan na hora que ele subiu no palco, parecia um parente meu ganhando. É bom se emocionar né