o amor segundo buenos aires
#23: “uno sempre cambia el amor de su vida. por otro amor o por otra vida.” e foi assim que, numa manhã gelada de inverno, há 5 anos, cheguei em buenos aires.
“uno sempre cambia el amor de su vida. por otro amor o por otra vida.” frase que eu li num cartaz na minha primeira semana em buenos aires, em junho de 2017.
breve história curta: em 2017, no começo de março eu fui demitido do meu emprego de repórter porque iniciei uma greve, já que o jornal não pagava os salários há meses e no mesmo dia descobri que meu ex namorado com quem havia passado mais de 10 anos juntos e por quem eu ainda estava apaixonado, estava namorando outro cara, cujo cual que ele conheceu quando ainda estava comigo. desempregado, endividado e com o coração partido, minha primeira reação foi querer morrer. desenvolvi um distúrbio alimentar e parei de comer. eu literalmente só chorava e respirava.
eu falei história curta? desculpa, eu menti.
perdi 15 kilos em duas semanas, estava cadavérico, não tinha vontade de fazer nada. um dia eu pedi a deus que ou me matasse ou me mostrasse alguma saída daquele drama, porque se eu continuasse em goiânia, iria morrer. e aí veio um estalo lá no fundo do cérebro que foi ganhando forma, ganhando vida até que simplesmente se manifestou como se fosse a ideia mais natural do mundo: por que você não se muda para buenos aires?
eu já conhecia a cidade de uma viagem curta, há muitos anos, quando a ideia de não estar com meu ex era impensável. e eu amei cada pedaço do que eu vi, os cheiros, os sons, as árvores amareladas no outono, o sorvete de doce de leite derretendo na língua, os cafés e livrarias, os prédios antigos. gravei no coração as palavras “um dia eu ainda vou morar aqui”. conjurei e esqueci, fui viver o que sobrava da minha história em goiânia. e naquele momento de chorar e desesperar, eu quebrei o vidro no meu coração, daqueles que dizem: “em caso de pindaíba, quebre o vidro” e de lá saquei um sonho maluco de recomeçar a minha vida em outro país.
na verdade não era como se eu estivesse abandonando tudo para trás, porque não havía muito o que deixar, certo? uma vida de emprego mal pago, perrengues, boletos, aluguel caro eu poderia ter em qualquer lugar do mundo. se for pra passar perrengue, melhor buenos aires que goiânia. (eu amo goiânia, mas naquele momento eu odiava tudo nela.) tarde da noite, entrei em um grupo online chamado “brasileiros em buenos aires”, fiz um post contando meu drama e fui dormir. no outro dia, desperto com a mensagem da cássia, uma amiga da época da faculdade: “ei, eu estou indo para buenos aires amanhã, o que você quer saber?” eu queria saber tudo, claro, quanta prata era necessária, que documentos eu teria que ter, como faz para alugar um apartamento. “me conta tudo”, eu disse.
tempos depois eu pude dizer pra cássia que, ela não sabia, mas aquela mensagem foi a minha tábua de salvação, meu bilhete dourado. naquela mesma semana eu tinha pensado em deixar de viver e agora estava mais que cheio de planos para seguir vivendo. até hoje eu tenho um trato comigo mesmo: qualquer pessoa que pergunte qualquer coisa sobre imigrar para a argentina, eu trato de responder da melhor forma possível. a gente nunca sabe quando uma pergunta é na verdade um pedido de socorro.
naquela semana mesmo eu tratei de começar a levantar os meios para me mudar. tive que levar meu ex-patrão na justiça, assim que demoraria uns meses para ter acesso à minha indenização. vendi meus móveis, livros, dvds, cds, tudo que eu podia. entreguei o apartamento, fui morar com amigas, e tratei de me recompor. buenos aires não seria uma fuga, assim que eu entendi que só poderia me mudar se tivesse tudo bem comigo. comecei a fazer terapia, fui ao médico tratar o distúrbio, fiquei o mais perto, o maior tempo possível da minha mãe e dos meus amigos. e depois de três meses, numa manhã gelada de inverno, há 5 anos, cheguei na ciudad de la trinidad en el puerto de santa maría de los buenos aires ou buenolândia, para os íntimos.
minha mãe veio comigo, pra passar os primeiros meses, moramos num hostel, e depois nos mudamos pra casa da luana, melhor amiga da cássia, que procurava um roommate. se fecho os olhos agora sou capaz de recriar na cabeça cada momento de maravilhamento, pavor e felicidade combinados que me acompanharam naqueles primeiros dias. cada dia descobrir uma coisa nova, de como trocar dinheiro a destrinchar a cidade de metrô. de decifrar um idioma a fazer novos amigos.
e de repente parece que tudo fez sentido, eu me senti em casa, em pouco tempo já andava pela cidade com a mesma desenvoltura que se tivesse passado toda a vida aqui. algumas coisas foram difíceis na minha adaptação, mas eu sinto que vale a pena, buenos aires é a minha cara, a gente tem até o mesmo sobrenome.
uma pessoa troca o amor de sua vida por outro amor ou por outra vida. buenos aires foi meu novo amor, que me ajudou a me curar e a conhecer partes de mim que eu jamais conheceria se não tivesse saído da vida que eu achava que era boa o suficiente. muita coisa aconteceu nestes cinco anos, parece que eu já vivi umas 5 vidas diferentes. amei de novo um par de vezes, tive meu coração partido outras tantas. vivendo e aprendendo a jogar, não é assim?
tive trampos, frilas, bicos e depois empregos. passei perrengues absurdos e dei risada quando vi que podia me levantar em seguida. ganhei amigos que hoje são família. perdi a luana (ela merece um texto só dela). me apaixonei, namorei e agora vivo com um homem guapísimo, estamos agora cheios de planos de trabalho, viagens e família. enquanto eu escrevo este texto, buenos aires dorme sob um frio de 7 graus. é o meu sexto inverno, eu odeio o frio, mas nunca estive tão feliz.
LISTA
10 canções sobre buenos aires
la ciudad de la furia - soda stereo
mi buenos aires querido - carlos gardel
el diablo de tu corazón - fito paez
avenida rivadavia - manal
city home buenos aires - charly garcía
buenos aires alma de piedra - spinetta
no tan buenos aires - andres calamaro
primavera - ainda dúo e jorge drexler
cabildo y juramento - conociendo rusia
buenos aires - naty peluso
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Adorei! Tem uma sugestão de livro ( de ficção ou não) para ler antes de ir pra Buenos Aires?