nós, uzomi
#61: nem todo homem, mas sempre um homem. tirando o pedro pascal, a metade menos cheirosa da população anda pisando na bola. e muito.
olá, gente, tudo bem?
estamos bem mais ou menos, né, sobretudo no que refere á metade mais malcheirosa e neandertal da humanidade. eu tô me referindo a nós mesmos, uzomi. não é possível que em pleno 2023 a gente ainda use o ano corrente como marco civilizatório. mas não tem outro jeito, a essa altura a gente já devia ter entendido o básico do básico: não é não. mas aí do nada, tem que falar tudo de novo, porque os dois moços do big brother resolveram passar dos limites, constranger e importunar sexualmente uma moça que visitava a casa, vinda do méxico.
guimê e cara de sapato que pisaram na bola. muito. (aliás, saudade de quando a gente lia bbb e sapato na mesma frase e era esse o contexto:
)
mas não foram só eles: todo ano tem pelo menos um moço falando ou fazendo algo entre problemático e criminoso no bbb, já repararam? será que é o boninho que só seleciona a escoria entre os homens ou é a sociedade como um todo que fabrica esses caras e qualquer um, a qualquer momento vai deixar um rastro de misoginia por aí? é uma boa pergunta e como toda boa pergunta, a resposta é: depende.
na edição de hoje eu quero bater um papo com vocês, rapazes. porque né, se alguns caras se incomodam com flagrante misoginia, imagina o que a mulher passa todo santo dia. também deixo alguns links ~maneiraços~ e uma lista de livros escritos por mulheres.
vem comigo!
primeiramente, o big brother não é um microcosmo do brasil. também não é um experimento social e não é um retrato fiel da realidade. é uma gincana de gente mais ou menos famosa tentando ganhar a simpatia do público, deixar de ser mais ou menos famosa e achar meios de ganhar a vida sem ralar muito. ou seja, um jogo. mas é horário nobre & tv aberta num país em que a televisão é a maior (e as vezes única) via de informação. então o que acontece lá, acontece fora de lá também. e se é algo nesse nível de violência simbólica contra as mulheres, em pleno mês delas, é bom não somente punir, mas usar o tema como reflexão.
e vamos combinar que não deve ser muito fácil ser mulher quando mesmo num ambiente de extrema vigilância não é capaz de protegê-la de ser apalpada e agarrada contra sua vontade. nossa sociedade é extremamente machista, quem não sabe disso, deve estar dormindo. ver a vítima sendo culpada por um estupro/assédio/importunação sexual por vestir roupas curtas, beber, andar em lugares “perigosos”, enfim não se comportar, é uma realidade pra quem se demora um pouquinho mais lendo comentários de portal e fóruns internet afora.
a gente acha que estamos avançando, que o contrato mais básico vai ser respeitado, de que consentimento é a chave para uma relação. e que um homem adulto e minimamente letrado vai ser capaz de se atentar para isso. mas é um descuido só e vráu: crimes em rede nacional. e com muita gente relativizando, colocando a culpa na bebida e na vítima. dania descobriu da pior maneira que o brasil, um país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza, é machista pra caralho.
agora imagina o que não acontece nas casas menos vigiadas do brasil. não choca saber que sua mãe, namorada, irmã, filha sobrinha, amiga pode ser vítima de um crime sexual e que muita gente vai dar de ombros e dizer que ela tava pedindo por isso, “já que ela se veste como uma vadia”?
porque o que a gente ouve desde sempre é que uma menina tem que aprender a se comportar, se resguardar, se vigiar. E um garoto precisa sair pelo mundo, comendo todas, pegando geral, se der bobeira chega junto mesmo. “segurem suas cabras que meu bode tá solto”, não é isso? a minha sempre falava isso, orgulhosa dos três filhos machos. quero acreditar que mães pararam de repetir isso nas gerações seguintes. não é muito do feitio da família brasileira ensinar prum rapazinho que ele não é o ash e mulher não é pokemón pra ele sair que nem um doido repetindo “tenho que pegar, tenho que pegar”.
claro que sempre há quem argumente que “uma mulher se coloca a perigo quando anda em trajes sumários, em lugares escuros, bebendo mais do que deveria, que tem que se dar o respeito.” educadamente a gente tenta esclarecer que a única causa do estupro é o estuprador, ponto final, não me enche o saco, sai daqui. porque esse argumento nunca é do tipo cuidadoso: “olha, se vestindo assim, você chama a atenção do estuprador”. é mais como uma ameaça: “se vestindo assim você vai ser estuprada”. porque uma mulher não pode ter liberdade sobre seu corpo, vestir o que quiser, estar onde bem entender.
sim, aceitemos por um minuto a ideia que alguns assediadores não conseguem controlar seus impulsos. só pra depois dar uma risada desse argumento, lógico: foi comprovado, a partir de casos investigados de estupros, que 94% dos culpados não apresentam nenhum desequilíbrio mental. não se trata de ter um desejo e não poder controlar, é sobre exercer poder e causar horror numa mulher. é sobre não aceitar que mulheres decidam com quem querem ter sexo. é sobre castigar uma mulher afinal ela “mereceu” isso.
bom, mas aqui estamos nós, você, eu e metade da população que é parte do problema e tá longe de apresentar uma solução. “ah, mas nem todo homem vai cometer abuso”. hummmm, mas e se eu te disser que só não ser um verme não basta, é necessário limpar nosso entorno. a mulherada tá há muito, muito, muito tempo organizada e ativa, e o mínimo, o primeiro passo, o básico rudimentar é algo que todo homem deve fazer: escutar o que elas estão dizendo. diuturnamente, ouça uma mulher.
pode parecer fácil demais, mas eu sou homem e posso afirmar que a gente não é bom nessa habilidade. não é uma condição inerente ao nosso gênero, é que a gente não foi educado nem socializado para ouvir uma mulher falar. não desarmado. não sem o impulso de retrucar. escutar o que uma mulher tem a dizer é doído porque em algum momento a gente vai ouvir alguma coisa em que estamos falhando.
mas só ouvir não basta, tem que levar em consideração o que uma mulher diz. tem que ler mulheres, tem que admirar mulheres fora do campo de atração física. tem que ter mais mulheres em sua vida em papeis que não sejam de posse (minha mulher, minha mãe, minha filha).
tem que parar com essa coisa de dizer “eu gosto de mulher”, mas só ter amigo homem, guru homem, chefe homem, só ler autor homem, só torcer por homens, só votar em homens. mulher é mais que um ser sexual e se você resume uma mulher a um órgão genital, não só está caminhando na rota que leva ao abuso, como também está perdendo experiências e relações humanas que podem revolucionar sua vida.
passado o choque inicial e tendo absorvido algo com essa convivência com mulheres como seres humanos, é o tempo de poder levar a mensagem aos outros homens. sabe o “empodere duas mulheres”? então, vocês (nós) homens também podemos ajudar a combater a cultura do estupro adotando o “conscientize dois homens”. começando com a gente mesmo.
(e meninos lgbteres, ser gay não isenta um homem de ser misógino, então, sempre que possível, reveja seus conceitos e ações. ser aliado é ser parte da solução.)
tem um monte de amigo nosso fazendo piada machista, sendo escroto com mulher, passando vídeo vazado de sexo sem consentimento, filmando transa sem avisar, agredindo física e verbalmente mulheres e namoradas, sendo transfóbico com mulheres trans, racista com mulher negra, a lista é grande.
e nós fazemos o quê? nos irritamos quando generalizam, somos os primeiros a berrar que “nem todo homem”. mas é sempre um homem né? estamos atrapalhando o justo desabafo das mulheres quando deveríamos é dar um toque nesses caras.
vamos parar de passar pano pra amigo babaca. vamos mostrar que é feio beijar mulher à força em festa. que não importa quanta alegria um cara já te deu jogando bola, se ele tá sendo acusado de estupro, não tem “veja bem”. não rir de piada babaca faz muito mais por uma sociedade mais justa e segura que corrigir um post falando que homem é tudo escroto. porque os que não são escrotos tão aí, fingindo que não ouviu nem viu os colegas sendo escrotos.
chama os amigos na chincha, custa nada e ajuda tanto.
links, links, links!
nesta semana uma galera se doeu dizendo que o pedro pascal não é tão bonito assim. e o que não faltou foi gente pra defender o ator, que não só é um homão como também parece ser muito gente boa. mas afinal, qual é o borogodó do astro de the last of us? o podcast santa reclamação de cada dia tenta explicar neste episódio.
e pra ficar no tema dessa newsletter, é possível um filme de ação cheio de testosterona, mas sem masculinidade tóxica? claro que sim e ele é indiano. se você ainda não viu rrr - revolta, rebelião e revolução, corre para a netflix. há tempos eu não via um filme tão divertido (e político).
sobre ler mulheres, olha essa dica: a escritora galesa sophie margretta criou um mapa literário com um livro escrito por uma mulher de cada país do mundo. é bom não só para conhecer mais literatura feita por mulheres, mas também descentralizar um nosso olhar de um eixo eurocêntrico. o site dela (em inglês) é:
TOP 10
10 livros incríveis escritos por mulheres
uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - clarice lispector
a cor púrpura - alice walker
quarto de despejo - carolina maria de jesus
o deus das pequenas coisas - arundhati roy
amada - toni morrison
o ano do pensamento mágico - joan didon
um teto todo seu - virginia woolf
a tenda vermelha - anita diamant
a amiga genial - elena ferrante
olhos d’agua - conceição evaristo
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
News sensa para uzomi e muito legal a dica do mapa literário! 👏🏾👏🏾👏🏾