mas não é que é natal mesmo?
#50: eu fiz o que podia, simone, desculpa se não foi o suficiente, eu tô cansado demais, pelo amor de deus, para de me cobrar
olá, tudo bem?
menina, esse fim de ano foi tão corrido que quando eu me dei conta, tinha uma ceia pra preparar, assim, do nada. na argentina ainda estamos vivendo o modo mundial, o que faz com que jesus e mariah sejam ofuscados por messi e di maria. vamos ser justos, natal tem todo ano, e uma taça, a argentina levou uns 40 pra conquistar.
improvisando um espírito natalino mais rápido que um miojo, anuncio que que então é natal tal qual nos fala a música de cláudio rabello cantada por simone. e apesar de não desgostar da música, versão tupiniquim de happy x-mas (war is over) do john lennon, eu sempre achei curiosa a letra e falo um pouquinho aqui sobre ela. também reposto uma crônica que escrevi há alguns anos e listo 10 canções de natal que merecem ser mais ouvidas. vem comigo!
o que diabos é mururoa?
aparentemente, então é natal é uma música que, ao que tudo indica, faz parte de um álbum, chamado 25 de dezembro. o que nos leva a supor, embora não com muita certeza, que existem outras músicas no já citado álbum. e paira uma desconfiança no ar de que, a julgar pela música e pelo nome do álbum, este seja temático, ou seja, repleto de canções que evoquem o natal. mas por enquanto não passam de suposições ainda a serem confirmadas. aguardem mais informações.
então é natal é quase uma tradução literal da original. acho que o que faz as pessoas virarem o nariz para a música é a melodia arrastada e muito emocional da simone. no entanto, quando a cantora lançou o álbum 25 de dezembro, em 1995, vendeu nada menos que um milhão de cópias. caiu no desgosto popular pela repetição massiva tão logo chegava novembro.
também pudera, o ano correndo, cada vez mais frenético e de repente chega uma senhora de terno branco perguntar:
“e o que você fez?”
eu fiz o que deu pra fazer, simone, desculpa se não foi o suficiente, eu tô cansado demais, pelo amor de deus, para de me cobrar. logo ela emenda com “o ano termina e nasce outra vez”. ainda bem, né? já imaginou se não fosse assim? o ano terminar, soltarem os fogos, comer as 12 sementes de romã e ficar todo mundo se olhando com cara de “e agora, vem o quê?”
gosto também de “então é natal, a festa cristã do rico e do pobre num só coração”. pra começo de conversa, não é bem uma festa cristã, né? a gente sabe que é tudo copiado de ritos e datas pagãs. mas ninguém reclama porque né, feriado e comida, não importa de onde vem, o importante é celebrar. depois, naonde que rico se mistura com pobre? bonita a utopia, mas vamos ter consciência de classe? obrigado.
agora minha parte preferida é a que ela emenda uns mantras com umas palavras que eu demorei anos pra entender que era hiroshima, nagasaki e mururoa. interessante citar palcos de bombardeios nucleares no meio de uma música celebrando boas novas, mas o que diabos é mururoa?
segundo a wikipedia, “o atol moruroa localiza-se no arquipélago de tuamotu, na polinésia francesa. tornou-se conhecido, tal como o atol fangataufa, desde que a frança ali iniciou seus testes nucleares.” ah, entendi, super funciona citar um artista mais underground no meio de outros que sempre estão nos charts, né? dá um ar meio cult.
simone termina seu apelo desejando “que seja feliz quem souber o que é o bem”. olha, tem um monte de gente que sabe o que é o bem e no entanto prefere fazer o mal. talvez por ser tão otimista, a canção tenha tantos haters. eu gosto de pensar que é um clássico incompreendido que um dia terá seu valor reconhecido, como all i want for christmas is you, da mariah. mas de qualquer modo, prefiro mil vezes “então é natal” que “anoiteceu, o sino gemeu”. céus como odeio essa música.
CRÔNICA
presépio
jesus nasceu em uma cidadezinha perto de caracas, na venezuela há 27 anos. se formou em direito graças aos esforços dos pais. saiu de sua terra natal há um ano e chegou a buenos aires com o namorado, fugindo da crise que se abate sobre a venezuela neste momento. o país atravessa um estado de caos político e o empobrecimento da população chegou a níveis nunca antes visto. o salário mínimo equivale a quatro dólares e a inflação chega a 500%. isso faz com que haja nesse momento um êxodo. só em buenos aires são mais de 30 mil venezuelanos em busca de condições melhores de trabalho e de vida, na esperança de juntar um dinheiro para enviar ás famílias e, com o tempo, trazê-los para viver aqui também.
jesus sonha em exercer sua profissão em solo argentino, mas depende agora dos trâmites para ter seu diploma reconhecido. enquanto isso não acontece, ele comemora outras pequenas vitórias: há dois meses se casou legalmente com seu companheiro, hoje marido (na venezuela a lei não permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo) e acaba de ser contratado como caixa num carrefour.
belén é xará da cidade onde nasceu o messias, mas nunca saiu das fronteiras da argentina. nascida em jujuy, belén veio viver ainda criança em buenos aires. aqui estudou, abandonou a escola, se casou, teve duas filhas, apanhou rotineiramente do marido, se separou e hoje luta para se sustentar sozinha. vive das comissões que ganha vendendo passeios para turistas na calle florida. é uma das poucas argentinas em um terreno dominado por brasileiros, venezuelanos e colombianos.
como a renda é muito baixa, belén vive em um hostel no microcentro, dividindo o quarto com pessoas desconhecidas o tempo todo. não que isso seja um problema, porque em cinco minutos de conversa, belén pode te contar toda a sua vida. por ganhar pouco também não se alimenta muito bem, vive de macarrão instantâneo. e não pode trazer as filhas para morar consigo. mas ela complementa seu salário vendendo produtos mary kay. e nas horas livres frequenta a igreja universal do reino de deus.
maria é uma figura conhecida das ruas do centro de buenos aires. cumprimenta todos os transeuntes e grita “sex shop” ao distribuir panfletos de uma loja de produtos eróticos na esquina da florida com a paraguay. com um gorro natalino na cabeça e uma placa com os dados da loja pendurada no pescoço, maria brinca de paquerar os rapazes, dá risadas muito altas e às vezes fala consigo mesmo em voz alta um bocado de coisas desconexas.
muito magra, com os cabelos loiros e aparentando ter mais de 60 anos, maria diz que seu sobrenome é sex shop: maria sex shop, ou “setchó”, como diz, num inglês muito portenho. e isso é tudo que se pode saber dela. e se você perguntar seu nome mais de uma vez ela vai inventar um diferente pra te confundir. só nesta semana ela já se apresentou como flor sex shop e monica sex shop.
josé é brasileiro e não é conhecido por esse nome. seu primeiro nome é wilson, nome do seu pai. seu sobrenome é bueno, o que causa piadinhas da parte dos amigos argentinos. na verdade ele é mais júnior que josé, mas é tão peregrino quanto o papai de jesus. ele chegou a buenos aires há seis meses, deixando pra trás um país em crise e trazendo consigo um coração em crise. hoje ele se sente muito feliz com a vida que leva, apesar desta não ser muito fácil.
são duas viagens intensas cheias de descobertas: enquanto ele desbrava as ruas de uma cidade nova, se embrenha por dentro de si para se conhecer melhor, se descobrir de novo, se amar mais. deixou pra trás um amor, um país, uma profissão, amigos família, tudo. recomeçou do zero e hoje ganha a vida em uma loja de souvenires, onde um modesto imã de geladeira custa 5 dólares, um a mais que o salário mínimo da venezuela.
(texto escrito originalmente em dezembro de 2017)
TOP 10
10 canções para ouvir neste natal
last christmas – wham!
i saw mommy kissing santa claus – the jackson 5
merry christmas (i don’t want to fight tonight) – ramones
mary cristo – os tribalistas
canção da esperança – zeca pagodinho
véspera de natal – adoniran barbosa
santa baby – madonna
hoje é natal – cassiano
christmas in hollis – run dmc
christmas card from a hooker in minneapolis – tom waits
e que é que eu fiz?
esse ano eu não tenho o menor medo da simone me perguntar “e o que você fez”? porque olha, eu fiz coisa pra caramba. namorei, noivei e casei com um moço lindo de bonito. viajei pra lugares inacreditáveis. vi pinguins, golfinhos, flamingos e axolotes de muito perto. ajudei a eleger o lula. me operei de uma hérnia. torci pra caramba pro brasil e depois pra argentina na copa do mundo. fiz amigos novos, a essa altura da vida. me mantive assim fechado com os amigos velhos. levei rasteiras, me levantei do outro lado. trabalhei muito. e escrevi.
essa é a news de numero 50, isso significa que a gente começou essa brincadeira lá em janeiro. não pensei que chegaria tão longe, não quis pensar em nada, só vim. e chegamos aqui, hoje são 500 emails mandados por semana. pra muita gente é pouco, pra mim é assustador. não sei nem se existem 500 pessoas no mundo, que dirá leitores. que bom encontrar vcs toda semana, muito obrigado pelo carinho de sempre, os comentários, as curtidas, as recomendações, as mensagens privadas. tá sendo melhor que eu pensei.
ano que vem tem mais, claro, e vai ser melhor, seja como for. nas próximas semanas eu vou tirar umas férias do nosso espaço, mas volto aqui no dia 10 de janeiro. até lá, você pode reler alguns dos seus textos preferidos no arquivo ou me acompanhar pelas redes, eu sou @xuniorbueno em todas elas. até 2023, feliz ano novo!
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? é só chamar na dm . qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Oi, Júnior! É sempre bom ler uma nova edição sua.
O seu texto sobre a Simone e "Então é Natal" me fez lembrar de um episódio de podcast (do ano passado) justamente sobre isso. É o episódio 25 do Fofocas da MPB, que questiona por que a gente gosta tanto de músicas de Natal gringas, como a da Mariah Carey, e faz pouco caso da Simone. Gostei de ter ouvido porque, antes de passar semanas ouvindo músicas de Natal enquanto preparava uma playlist de lançamento do meu conto natalino, eu não lembrava de alguma vez ter ouvido essa música inteira. Do ranço de "Então é Natal", eu só participava por causa de memes do Facebook, que TODOS OS ANOS renovam o hate em cima dessa música. Mas eu mesma não tinha um ranço próprio. Depois de ouvir, concordo que é meio brega, e repetir os nomes dos lugares bombardeados é BIZARRO. Se quiser ouvir o podcast, o link ta aqui: https://open.spotify.com/episode/2wTVyOq3lmbiMC2BNYffqo?si=9d3c292392c94f2c
Acho que já li em algum lugar a crônica que você replicou aqui, mas não me lembro onde. É linda.
O vizinho tava ouvindo esse disco da Simone hoje mais cedo (sim, é um álbum completo, não um single, rsrsrs). Acho meio bizarro as pessoas hoje só se lembrarem da Simone por "Então é Natal", assim como só se lembram do Fagner pela música do peixe (que nem é dele, é versão do Juan Luis Guerra), mas essa é outra história.
Engraçado é que na minha infância em Itaperuna - e, se bobear, até hoje deve ser assim por lá - o disco oficial de Natal era aquele "A Harpa e a Cristandade", do Luis Bordón. TODO carro de som que passava anunciando promoção de Natal ou só desejando Boas Festas em nome de algum mercado, açougue ou drogaria tinha aquele blém-blém-blém de fundo.
Eu me lembro muito do Atol de Mururoa (sim, a gente usava esse "de" no meio) sendo falado no noticiário ali no meio dos anos 90 por causa dos testes nucleares, os protestos do Greenpeace contra o Jacques Chirac, que era o presidente da França na época, e tal. Então naquela época do disco ele era mainstream também, hehehe.
É isso. Feliz Natal, um ótimo réveillon e até 2023!