la vie en rose
#80 - "mesmo com a vida perfeita, o corpo perfeito, o namorado perfeito, a barbie sonha em ter o que eu sempre tive: imaginação" por marina tomás
olá vocês!
o grande assunto da cultura pop por estas paragens ainda continua sendo barbie que, como bem disse o davi rocha na newsletter dia sim, dia não, foi rebatizado no brasil como o “filme da barbie”. eu acho maravilhoso que uma boneca, talvez o brinquedo mais antigo da humanidade, ainda seja tema de interesse e discussões. mesmo com a meta realidade batendo à nossa porta, ainda estamos falando sobre brinquedos.
minha relação com a boneca barbie na infância foi praticamente nula. eu cresci entre meninos, numa casa de crentes. brinquedo pra gente era bola e carrinho. mas ainda que meus pais fossem liberais o suficiente para criar os filhos sem rótulos e gavetas, a barbie era cara demais para a nossa realidade. a única boneca que eu lembro de visitar meu imaginário de criança viada era a lu patinadora da minha prima.
se bem que uma criança não precisa de mais do que muita imaginação pra criar sua versão da barbieland. no meu mundinho, os carrinhos eram pessoas, os bichinhos das fazendinhas todos viravam personagens das novelinhas que eu criava na minha cabeça e se era pra brincar de herói, eu colocava os soldadinhos pra namorar. até as canetinhas coloridas viravam pessoas, quando eu brincava sozinho. quando era pra brincar com outras crianças, aí os carros, soldados, bichos, voltavam às suas funções originais.
lógico que bem depois eu não saí incólume ao fenômeno pop que a barbie representa. ela é um ícone de moda, um referencial de possibilidades para meninas, um objeto de desejo para colecionadores, um símbolo perverso do capitalismo, um exemplo de empoderamento, um padrão de beleza opressivo e excludente. tudo isso ao mesmo tempo e ainda assim apenas um brinquedo. complexo e irresistível, como todo bom fenômeno pop.
vi o filme de greta gerwig na semana passada e ele me levou a reflexões que eu jamais pensei que teria vendo um filme sobre um brinquedo. eu amei muito todas as camadas apresentadas na tela e expandidas fora dela. foi sair da sala do cinema pra ir discutir cazamiga cada detalhe. e aprender um bocado. como fã duzamigo que eu sempre fui, pedi pra minha amiga marina tomás compartilhar suas visões sobre barbie aqui. eu não poderia fazer melhor.
também vou deixar alguns links de textos incríveis sobre o tema e uma lista de 10 filmes dirigidos por mulheres. mais feminista que eu? vem comigo!
life in plastic, it’s fantastic (ou não?)
por marina tomás
*contém spoilers*
eu brinquei muito de barbie. muito. quando meninas deveriam virar “mocinhas” (o que é muito cedo, por sinal) e deixar as bonecas de lado, eu continuei brincando de barbie. eu amava as bonecas, as roupas e os acessórios, não só os comprados nas lojas, mas também os feitos em casa. minha mãe comprou uma máquina de costura só para fazermos roupas de barbie. juntas, nós pegávamos retalhos e criávamos looks elaborados no nosso pequeno ateliê (a sala do nosso apartamento).
os móveis da minha casa dos sonhos da barbie eram feitos com caixas de papel e qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. a melhor parte da brincadeira era criar os cenários e histórias que as barbies viveriam. quem elas seriam? onde elas moram? qual drama elas viveriam dessa vez? as histórias eram baseadas no que eu vivia, nos filmes que eu via, em quem eu sonhava em ser um dia. o melhor acessório da barbie era a minha imaginação.
essa foi a parte do filme que mais me tocou. o laço entre boneca e menina. o desejo da barbie em ser uma pessoa. a ideia de que, mesmo com a vida perfeita, o corpo perfeito, o namorado perfeito, com todos os dias sendo o melhor dia do mundo, a barbie sonha em ter o que eu sempre tive: imaginação, possibilidades, momentos bons e ruins que viram lembranças que causam lágrimas doídas, mas gostosas. são coisas que eu jamais trocaria por cabelo impecável ou uma cintura tão fina que é fisicamente incapaz de sustentar o peso dos meus peitos.
***
permitam-me viajar um pouco. para 1997, mais precisamente. sabia que a mattel processou a banda aqua pela música barbie girl? a mattel alegava que a música prejudicava a marca barbie ao caracterizá-la como uma “blonde bimbo” (algo tipo biscate ou loira burra). no fim das contas a música foi considerada uma paródia, logo estaria protegida pela liberdade de expressão.
infelizmente para a mattel, barbie girl é uma das músicas mais contagiantes da história e nunca será esquecida. tanto que em 2009, a música apareceu em um comercial da barbie (com outra letra) e um sample da música aparece em barbie world da nicki minaj e ice spice, parte da trilha sonora do filme.
a música é uma sátira ao estereótipo da mulher sexy, superficial, que existe para satisfazer uma fantasia masculina (“you can touch/you can play/ if you say ‘I’m always yours [..] make me walk, make me talk, do whatever you please/ I can act like a star/ I can beg on my knees”). a barbie girl da música é um esteriótipo. não é uma mulher real.
a década de 90 foi lotada de bombshells: pamela anderson fazia sucesso em baywatch. anna nicole smith figurava capas da playboy e propagandas da guess, surpreendendo com sua semelhança com musas do passado como marilyn monroe e jayne mansfield. britney spears era a bombshell virgem no topo das paradas. no brasil, xuxa era a principal representante da instituição nacional “loira gata apresentadora de programa infantil”.
essas mulheres eram tratadas pela mídia e pelo público da época não só como objetos de desejo, mas também como piadas. elas eram constantemente motivo de críticas e chacota justamente por caber na caixa em que elas tinham sido colocadas. não existia espaço para humanidade ou vulnerabilidade para essas mulheres. elas eram tratadas como se fossem de plástico.
mais recentemente, essas mulheres finalmente conseguiram contar suas histórias. britney spears finalmente saiu juridicamente das garras do seu pai e de seus empresários. pamela anderson e xuxa ganharam seus próprios documentários. anna nicole smith infelizmente não sobreviveu para contar a sua, mas sua história também foi contada com carinho e respeito por quem viu além de um objeto sexual. elas não são putas, santas ou figuras trágicas arrastadas pelas circunstâncias. são pessoas complexas, com nuance, agência e uma história para contar.
talvez o filme barbie ofereça um mundo que até mesmo mulheres de plástico sejam vistas como os seres complexos demais para caberem em uma caixa.
TOP 10
filmes dirigidos por mulheres
lady bird, de greta gerwig
cleo das 5 as 7, agnès varda
retrato de uma jovem em chamas, de celine sciamma
elena, petra costa
encontros e desencontros, sofia copolla
selma, ava duvernay
que horas ela volta?, anna muylaert
la ciénaga, lucrecia martel
nomadland, cloé zhao
as patricinhas de bervely hills, amy heckerling
links, links, links
pra saber toda a história e as tretas por trás do império da boneca barbie, o segundo episódio da série brinquedos que marcaram época é um delicioso almanaque. aliás a série como um todo, já que conta histórias cabulosas sobre inocentes símbolos da infância, do meu pequeno pônei ás tartarugas ninja.
das muitas análises sobre barbie, eu gostei muito do que a
escreveu em sua newsletter sobre a importância de uma franquia feita por e para mulheres.e no instagram, minha amiga pessoal natália loiola mandou a real sobre a dicotomia “feminino x feminista” e todas as implicações sobre que mensagem o filme passa. “a maior questão que se levanta quando falamos sobre barbie é gênero, e eu acho que existe um “furo” na discussão de gênero atual que é necessário pontuar: não dá para falar sobre feminino sem falar sobre masculino também, gênero existe em dualidade e oposição.” não tenho uma unidade de amiga que não seja foda.
e apesar de ser um filme feito para as mulheres, ou pelo menos percebido como tal, neste vídeo ensaio do coletivo argentino “los nenes no lloran”, tem um lindo e tocante video ensaio sobre a relação de homens gays com as bonecas desde sempre. e claro, toca em temas como masculinidade frágil e representatividade. (em espanhol, mas com cc embutido em português).
e por fim, a melody do perfil repete roupa trouxe toda a info de outro filme da barbie, tão delicioso quanto: barbie e os roqueiros, animação de 1987. a trilha sonora, o visual e o roteiro maluco são bons demais pra não ter um live action, fica a dica.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.