isso não é sobre você, meu anjo
#113 - não é um campeonato de virtude, dá para engajar sem fazer lambança. desliga a câmera frontal e liga o cérebro, pelo amor de deus
o rio grande do sul precisa de ajuda. no fim deste texto eu deixei uma lista de links com locais para doações e formas de ajudar. se você quiser pular direto pra os últimos parágrafos antes de ler o texto, tá tudo bem. se não quiser nem ler o texto, tá tudo bem também, mas ajude por favor.
olá vocês!
como maio está passando para vocês? aqui ele anda arrastado, absurdo, inevitável. como despertar de um sono longo e ruim e perceber que ainda é o meio da noite, que ainda falta um monte pra ser vida normal de novo. eu agradeço em silêncio não estar e não ter nenhum dos meus em situação de naufrágio, mas não há como se isolar em uma redoma a prova de realidade. não há ruido branco que cale o barulho de meio estado da federação com a água pelo pescoço.
nos toca ajudar, e toca a ter esperança, e toca a desesperar de novo quando vê que falta muito pra tudo voltar ao normal. ou pelo menos àquela ilusão de normalidade que a gente aprendeu em 2020, um sorriso oco, escandaloso, que deveria disfarçar, mas entrega o indisfarçável: a gente tá muito ferrado. está ruim pra gente, está pior para quem não tem pra onde voltar, quem não tinha quase nada e perdeu quase tudo. há uma palavra em castellano que eu gosto, que é pordioseros. pessoas que só contam com a boa vontade de deus. e se deus negar? como é vai ficar, ô nega?
são tempos em que um rio sai de seu curso e chega onde a corrente quiser chegar, levando embora toda barragem que achar mais bamba no caminho. tempos em que o chão vira lagoa e cavalos vão parar no teto da casa. em momentos assim, eu entendo que a gente precisa muito extravasar, prestar solidariedade e tomar uma posição. e em tese toda ajuda é bem vinda. mas às vezes eu fico na dúvida se o que a gente quer é ajudar ou ser parte de uma história que nem é nossa, só pra poder dizer “eu fui, eu tava”.
rede social é um achado pra juntar pessoas e organizar e difundir modos de auxílio. mas é cansativo também como as pessoas causam tanto ruído em torno do tema e como tem gente sem noção neste mundo. é um tal de cancela hoje, exalta amanhã, volta a cancelar depois o “herói da vez”. é da maior importância, em um momento assim, galera se dar a menor importância possível. não é um campeonato de quem tem mais virtude, todo mundo pode engajar sem fazer uma lambança em cima, desliga essa câmera frontal e liga o cérebro, pelo amor de deus.
meu mantra nos últimos dias tem sido “isso não é sobre você, meu anjo”. deve haver alguma palavra em alemão que resuma espírito desta frase. deveria ser um botão de reação nas redes sociais, ali do lado do coraçãozinho. pra mandar para cada cidadão bem intencionado porém aparecido demais; para a celebridade fazendo selfie sorrindo, como se a lama correndo pela avenida fosse um brinquedo da disney; para o influencer fazendo pirraça porque não deixaram ele protagonizar o momento; para a atriz buscando sair da irrelevância, gravando vídeo-performance em sua banheira de mármore.
o que custa comer um calaboquitos e dar espaço pra quem precisa e pode falar com mais propriedade? o que acontece no rio grande do sul (una tragédia? um escalabro? um crime ambiental?) também não é sobre mim, embora eu só possa dizer isso aqui em primeira pessoa: eu garrei um ódio de discussão na internet. porque mais atrapalha do que ajuda. o trabalho que dá ir atrás de uma notícia falsa pra desmentir poderia ser empregado em divulgar quem ajuda, e os argumentos de ambos os lados de toda treta são bastante taxativos e simplistas. e nada na vida é simples; se tapar daqui vai descobrir dali.
soluções simplistas talvez sejam bem intencionadas, mas pra resolver de vez o problema, a gente sabe que é um trabalho pra todo mundo. e nem todo mundo quer ser parte da solução. não é só repassar verba, é preciso investir onde corresponde. e é preciso uma parte prestar contas e a outra acompanhar de perto. e é preciso dizer não a projetos que lá na frente vão deixar na mão as populações mais vulneráveis. e é preciso não misturar as vontades do mercado com política pública. e é preciso não dar palco para que cresçam discursos que negam o caos ambiental. e é preciso, num momento de urgência, que não usem da tragédia como trampolim para suas redes.
claro que o governo do estado e as prefeituras investiram muito pouco em defesa civil. e ao mesmo tempo, rifaram áreas que seriam vitais para escoar uma tempestade dessas. todo mundo sabia, todo mundo viu. claro que a indústria em larga escala e as grandes corporações estendem até onde podem os limites do que é ambientalmente responsável, até achar uma brecha para explorar o que ainda tiver de vida no mundo. claro que as bancadas que votam as leis tratam de colocar esses limites cada vez mais elásticos, não importa no que isto vai impactar. é um problema do nossos eus do futuro.
a isso acrescente os cidadãos que os elegeram, a oposição que faz corpo mole, os meios de comunicação que dizem amém para tudo que o mercado ordena, as figuras ditas influentes que vivem em um mundo de fantasia e a gente que passa o dia alimentando esse circo em vez de se importar com o que é realmente importante. se organizar direitinho, todo mundo leva um quinhão de responsabilidade pra casa. é o mais socialista que um mundo capitalista pode ser, aproveite!
enfim, falei, falei e sinto que não cheguei a lugar nenhum, nem tinha mesmo intenção de chegar. eu tinha outro texto no prelo pra enviar, mas de alguma maneira, não senti vontade de falar de qualqer outra coisa. mas pra não dizer que tudo é horrível, está sendo lindo ver tanta gente se movimentando para ajudar as pessoas que precisam, tomara que onda solidária dure muito mais. porque a gente sabe que outras tragédias virão depois desta. também sabemos que é do estado a obrigação de prover socorro e e prever cenários de crise.
mas só saber isso não resolve a vida de ninguém e é nessas horas que viver em comunidade se faz mais importante que nunca. ainda é tempo de doar. porque enquanto tudo isso não passa, o rio grande do sul ainda precisa de ajuda. vem muito frio por aí e só apontar o dedo não vai fazer a diferença na vida de ninguém. já fiz minha parte e separei aqui cinco projetos, mas tem um monte de outros.
cufa - central única das favelas é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1999 e que desenvolve trabalho social em vários estados do brasil. eles tem um canal de doações via pix para auxiliar na reestruturação das residências atingidas pela água no rio grande do sul. o pix da da cufa é doacoes@cufa.org.br.
o mst, movimento dos trabalhadores sem terra está atuando em várias frentes, como cozinhar diáriamente milhares de marmitas para pessoas em abrigos provisórios no vale do taquari. para colaborar com dinheiro, a chave pix é: CNPJ 10.568.281/0001-37.
uma rede de mães está levantando ítens de cuidados para bebês como fraldas, pomadas para assaduras, leite em pó, etc. minha amiga, luana carvalho está à frente e pode dar mais informações pelo instagram dela. quem quiser doar, qualquer valor, a chave pix é o email : criancasdors@gmail.com.
por fim, quem puder doar roupas plus size, a feira de roupas plus size de porto alegre está arrecadando tanto peças quanto valor em dinheiro para comprar roupas íntimas. é importante lembrar porque muita gente que veste tamanhos grandes não encontra roupas nas doações. e claro, agasalho, sapato, roupa de cama. algo que você não use, mas esteja em boas condições, vai fazer uma diferença enorme.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
obrigada por me mostrar a palavra “pordioseros”
é mesmo revoltante ver tanta gente tentando capitalizar sobre uma situação tão difícil.