inimigo do meio
#111 - tem gente que não quer que algo acabe, há quem prefira que nem comece, já eu, pularia o meio do caminho, se pudesse
olá vocês!
tem gente que é inimiga do fim. prolongam cada minuto do rolê, são dos que só chegam em casa de manhã, se é que chegam, que vão falando só vou dançar mais esta, até que alguém desligue o som e acenda as luzes. aí eles partem para um after. são pessoas que amam programas que envolvam passar dois dias em uma rave, um festival. a idéia de voltar à rotina é um pesadelo.
tem gente que é inimiga do começo mesmo. que marca de sair já almejando que desmarquem no dia. dos que dão a vida para passar a noite de sexta de pijaminha, skincare feita e maratona de série. das que precisam de 8 horas diárias de sono para não virar um monstro de oito cabeças. das que para sair de casa precisam de um alinhamento tão preciso de todos os astros que é mais fácil o cometa halley aparecer antes dele colocar o pé para fora de casa depois das 10 da noite.
eu sou inimigo do meio.
não em relação à balada ou vida social, claro. neste ponto eu já entendi que virar a noite compromete muito minha saúde e humor, mas de vez em quando saio para sacudir o esqueleto. o que eu não gosto é o processo que envolve. o malabarismo de chegar na hora certa, não cedo demais nem tarde demais, enfrentar uma fila longa demais para entrar, esperar os olhos acostumarem com a luz e os ouvidos com o volume. o processo me estressa tanto que eu evito e até esqueço a diversão de uma pista cheia de pessoas balançando ao som da mesma música.
e o mais gostosinho vem no final: ir embora da balada. se deu a hora (e por “deu a hora” eu me refiro a sentir que eu devia estar na minha cama quentinha em no máximo meia hora), eu simplesmente vou embora, sem fazer alarde. já passou da hora da gente normalizar sair de fininho e no máximo avisar pro dono da festa, assim na surdina: “olha, eu amei ter vindo, tá ótima a festa. mas eu já vou indo, meu uber tá chegando já”. e sair sem culpa.
eu já fui, dei o meu melhor, adorei a noite, mas preciso da minha cama e não vou ficar aqui com sono e bateria social baixa. não tenho carisma para sustentar uma noite inteira de festa. se eu digo que “vou dar uma passada”, é um feito e tanto, e garanto, a festa vai sobreviver sem mim. e eu vou poder recompor meu corpo, tomar um banho e cair na cama tendo aproveitado tanto a esbórnia quanto o soninho. o melhor de dois mundos, como diria minha amiga hannah.
sair de uma festa no meio não é nada, os inimigos do meio não esperam chegar ao fim de algo ruim só para ver se melhora. se o livro ficou chato, eu não insisto. se a série me perdeu, eu paro de ver. e não é que eu não me esforce e me entregue ao momento, mas a vida é muito curta para estar em algum lugar pensando no quão bom seria não estar.
eu aguento no máximo chegar ao fim de um filme, se ele for ficando ruim, porque aí é algo que me desperta curiosidade mesmo. que tão pior esta bosta pode ficar? dia desses mesmo eu resisti ao impulso de largar godzilla e kong no meio e fui recompensado porque o filme entrou em uma espiral de ruindade tão grande que até ficou divertido. mas se for algo ofensivamente ruim como cats ou o filme em que o adam sandler faz ele e a irmã gêmea dele, aí eu passo, nada salva.
mas uma coisa que eu gosto nos filmes é que eles sempre pulam a parte chata de uma coisa, dão um fast forwad e já cortam para o final. a garota fala que vai se arrumar? na cena seguinte já é ela entrando na sala maquiada, de perna depilada, cabelo arrumado, roupa nos trinques. se precisa mostrar um processo mais longo, é só o tempo de uma música, e tome cena do rocky correndo e treinando e três minutos depois, voilá, ele tá prontinho para arrebentar a cara do outro no ringue.
tem algumas coisas que eu pularia se pudesse. por exemplo, acordar. eu amo dormir e gosto de estar acordado. mas o processo de acordar eu acho doloroso. aquela meia hora em que seu corpo, mente & alma não sabem exatamente o que está acontecendo, você não consegue agir, falar ou até mesmo raciocinar direito de tão zonzo. eu não não me responsabilizo por nada que eu venha a fazer até uma hora após eu acordar.
outra coisa que eu detesto o meio: viajar. eu adoro a idéia de sair daqui e certamente adoro mais ir a outras partes do mundo. mas o processo, pelo amor de deus, que troço horrível. pegar um taxi, chegar no aerporto três horas antes, pegar fila para fazer check in, fila para embarcar, esperar o avião subir, esperar descer, esperar para sair do avião, esperar para pegar um taxi, sair do aeroporto. e viajar de ônibus, então? tão cansativo ou mais. podíamos dar x2 na velocidade do meio, não?
fazer tatuagem é sempre um drama. e olha que eu tenho 17. gosto de escolher um desenho, pensar no significado, ver o desenho pronto, tudo isso me dá um frio na barriga. a primeira agulhada é sempre um susto. isso até os três primeiros minutos. passou daí é tão incômodo, sabe? nem é a dor, quer dizer, também é, mas é que é monótono ficar na mesma posição e ver a maquininha indo e voltando no mesmo lugar, parece que o tempo não passa e que nunca vai acabar. aí é só eu olhar para ela novinha, prontinha, tão para-todo-sempre-minha que já dá vontade de fazer outra.
e escrever? eu vibro quando tenho uma idéia para um texto e amo ver ele tomando forma. mas entre uma coisa eu sofro tanto, mas tanto. sofro mais que a juliete no bbb 21. porque eu não paro de pensar no que eu quero escrever, exceto, quando eu me sento para escrever. porque aí vai tudo embora e eu só penso em analogias ridículas como “sofro mais que a juliette no bbb 21”. mas depois que o texto sai, bem depois, tipo um mês depois, eu leio de novo e até gosto do que eu escrevi.
minha psicóloga me disse que minha ansiedade não me deixa aproveitar o processo. e tem coisa que não tem muito o que fazer, não tem o que aproveitar, é só esperar passar mesmo. porque é o preço que se paga para chegar do outro lado. então se não dá para pular, ao menos que a gente tenha em mente que algo melhor está por vir. parece papo de coach, mas é como dizia a minha avó, o que arde cura, o que aperta segura.
e se consideramos que a morte é o fim da vida (ao menos como a conhecemos), tudo que acontece é o meio. e aí pra quem quer continuar vivo, a solução é se amigar com o recheio.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
Queria muito me amigar com o recheio
eu achava que era inimigo do começo, mas depois percebi que - na verdade - meu problema é o horário. sou uma pessoa muito diurna. se o evento começar e terminar com o dia ainda claro, a possibilidade da minha presença é bem maior...