idiota é quem faz idiotice
#96 - forrest gump me ensinou que “merdas acontecem”, mas é por elas que a vida caminha e a nossa história vai sendo escrita
aviso: contém spoilers. é um filme lançado há 30 anos, né, gente, tá tudo já mais que espalhado por aí, mas não custa nada avisar.
olá vocês!
abrem os créditos. uma pena branca vem voando lépida e fagueira pelo céu, como se bailasse ao som instrumental do filme, um solo de piano de allan silvestri. de repente ela vem descendo, carregada pelo vento, pousa no ombro de um homem que cruza a rua, voa com o movimento, esbarra num carro que passa muito rápido, balança meio trôpega até cair aos pés de um rapaz que espera a condução, sentado em um banco de praça. e é assim que eu sei que vou me emocionar durante as duas horas seguintes.
não posso precisar exatamente o ano, mas foi no meio dos anos 2000 que eu comecei a fazer meu ritual de ano novo particular. todo ano, no dia primeiro de janeiro, eu assisto forrest gump. nessas duas décadas muita coisa mudou, mas essa tradição, até aqui, se manteve intacta. e quando eu digo que muita coisa mudou, é até na forma qde assistir: a primeira vez foi na tv aberta e depois, em dvd e hoje em dia no streaming. houve um ano em que eu tive que recorrer ao torrent, pois passaria a virada isolado da sociedade, sem wi-fi e sem aparelho de dvd.
para quem esteve fora da terra nos últimos 30 anos e não viu o filme, vou tentar resumir: forrest gump é a história um homem comum que acaba vivendo uma vida extraordinária. apesar de sua inteligência limitada, forrest participa de vários eventos históricos da história estadunidense e influencia as pessoas ao seu redor com sua honestidade e gentileza. ao longo de sua jornada, ele mantém uma amizade duradoura com jenny, uma mulher com grandes traumas e problemas e enfrenta desafios e oportunidades únicas, sempre aberto ao que a vida possa lhe oferecer, de aventuras a grandes amizades.
e por quê essa obssessão e por que exatamente este filme? por acaso eu sou algum idiota? bem, não tem nenhuma razão que não seja 1- este é meu filme preferido; 2 - eu gosto de rever meus filmes preferidos; 3 - ver forrest gump sempre me deixa contente e esta é um uma boa sensação para se ter logo no começo de um ano novo e por fim, 4 - idiota é quem faz idiotice.
eu nunca refleti muito sobre esses porquês, tal qual o protagonista correndo pelas estradas do interior dos estados unidos, eu simplesmente fui, ano após ano, me rendendo ao poder magnético desta história. claro que, conforme fui amadurecendo, novas visões, críticas e muitas mudanças de perspectiva aconteceram. por exemplo, há um par de anos eu tendo a empatizar cada vez mais com a jenny e o tenente dan. e nesta última visita, me peguei contando quantas vezes o roteiro e a direção pesam no drama no afã de extrair lágrimas da platéia.
não que precisasse pesar muito, pelo menos para mim. é um choro atrás de outro, da cena de jenny criança fugindo do pai abusivo ao tenente dan nadando em alto-mar. a sequência da correria na guerra do vietnã culminando na despedida do meu personagem preferido é uma facada no peito, não tem jeito, eu choro toda vez. quando o forrest conhece o filho, a cena do casamento e a despedida da jenny também são momentos de lágrimas, ranho e suspiro por aqui também.
outros pontos a destacar são: a trilha sonora poderosa com grandes hits dos anos 60 e 70, incluindo nada menos que quatro músicas do the doors em sequência. a história se cruzando com eventos reais do século 20 é sempre lembrada quando se fala do filme, mas eu gosto mesmo é de como a cultura pop é contada com citações frenéticas, de elvis presley às camisetas com a carinha amarela do smiley.
sobre a atuação de tom hanks não há nada que se possa dizer que uma estatueta do oscar não tenha dito. o corpo, o olhar e a voz do ator trabalham para mostrar um homem que mesmo com a percepção limitada do mundo que o rodeia não se furta a descobrir coisas que o movem e o apaixonam. o sotaque para mim é um deleite a parte, eu rio toda vez que ele pronuncia “alabama” de maneira carregada.
os demais personagens também são inesquecíveis. além da perdidíssima janey (robin wright, ótima) e do revoltado tenente dan (gary sinise, que homem!) já citados, ainda tem a ternura em forma de mãe, feita pela sally field e o adorável bubba (mykelti williamson), cuja cena citando 800 maneiras de se fazer camarão virou uma piada recorrente aqui em casa.
mas a coisa que eu acho mais incrível em forrest gump é a mensagem do filme. não essa coisa simplista de “a vida é uma caixa de bombons”. eu tenho uma certa birra de quem vê o filme como uma ode à simplificação das coisas. forrest é uma pessoa sem muitos recursos intelectuais, mas ele é tão complexo e fascinante quanto os demais personagens que percebem a dureza do mundo com mais facilidade.
(também não sou fã da teoria de que o filme é uma propaganda de valores tradicionais como patriotismo, capitalismo e laços familiares. ok, é um filme de hollywood no sentido mais amplo que isso possa ter, então dããã. mas ao mesmo tempo o filme faz críticas ao racismo, à guerra, às forças armadas, entre muitas outras. é que tem gente que só enxerga o que é óbvio, bem sublinhado. com essa gente eu nem discuto.)
neste ano eu o que eu aprendi com forrest é que “merdas acontecem”, não há como ter controle absoluto de tudo. mas é por elas que a vida caminha, que a nossa história vai sendo escrita. aprendi também que nossas escolhas nos levam a lugares nunca antes imaginados. com jenny, aprendi que se deixamos nossos fantasmas interiores vencer, nunca vamos ver quão valentes e poderosos somos. e com o tenente dan aprendi que nem sempre a vida segue o rumo que pensamos ser o correto, mas se aceitarmos as mudanças de cursos, a vida pode nos surpreender.
a vida até pode ser uma caixa de chocolates, mas nem todo dia vai tocar uma serenata de amor. a gente tem que aprender a amar e aceitar nossos dias de chocolate caribe.
¡que los cumpla feliz!
amanhã, 10 de janeiro, esta newsletter faz dois anos, parabéns para nós! obrigado pela companhia nesses quase 100 emails semanais e grandes trocas. me lembro até hoje o nervosismo de lançar a primeira edição, para uma dezena de amigos e a proporção que foi tomando pouco a pouco. infelizmente esse espaço vitual não comporta bolo e salgadinhos, mas tem um presente especial para vocês na próxima edição. e se vocês quiserem me dar uma lembrancinha, não precisa gastar nadinha, basta clicar no botão abaixo e contar nas demais redes porque vale a pena assinar esta newsletter. desde já, obrigado pelo carinho!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
"a vida até pode ser uma caixa de chocolates, mas nem todo dia vai tocar uma serenata de amor. a gente tem que aprender a amar e aceitar nossos dias de chocolate caribe." <3
Foi muito bom ler hoje dia 22 quando retornou ao trabalho, e merdas acontecem sim, mas temos que seguir correndo.
Seu texto me deu vontade de assistir esse filme e ao Náufrago também.
Muito obrigado por um texto tocante e maravilhoso.