idas e vidas
é preciso amar as histórias das pessoas como se não houvesse amanhã (por nicole reis)
buenas e me espalho.
ainda tô de molho, por isso tem um feat aqui pra vocês. deixa eu apresentar a convidada do dia.
se o manoel de barros e o mia couto tivessem tido uma filha bonita, o nome dela seria nicole franciele reis, ou como eu a chamo, nico. a garota é dona de uma escrita sensível e apaixonada pelos pormenores que só os olhos redondinhos e curiosos como ela são capazes de tomar nota.
nossa piada interna nesses 10 anos de amizade é fazer trocadilhos ruins e chamar de poesia marginal (“margem nau/ mar gin now”). mas se os trocadilhos são ruins, os textos dela são bonitos que só. aqui ela manda duas crônicas e um top 10. lá em baixo eu deixo o arroba dela pra vocês seguirem.
semana que vem eu assumo o barco. mas hoje com vocês, nicole reis!
CRÔNICA
idas e vidas da cidade
passou por mim a pessoa que procura por seu cão desaparecido há cinco dias.
não a vi e nem ao cão, porque penso na tinta que deixei cair na camisa nova separada para a entrevista de trabalho.
a entrevista não vai acontecer porque o marido da chefe desabou em doença terminal que não é câncer, mas uma depressão que parece pôr término em tudo. a chefe milionária anda de ônibus desde que as ausências do esposo lhe animaram a vontade de demorar fora de casa.
o olhar quase se infinita além da janela do coletivo, mas arrisca pousar na pulseira de ouro moradora do pulso apoiado sobre o volante de um carro. presente do pai que nunca disse eu te amo, mas queria, e então apostou na mensagem dourada. não daria o tronco a abraçar, já que uma tia certa vez lhe disse que sentimento de homem não sai gritado da boca ou liquefeito dos olhos.
no automóvel do filho ocultamente amado, o cheiro explícito e amargo de boldo-do-chile é resquício da última passageira e sua sacola cheia de folhas aveludadas. ali, de ressaca e ansiosa pela resolução do mal-estar estomacal, como saberia que o motorista odiava a palavra sinestesia pois a aprendeu no mesmo dia em que lhe fizeram engolir um xarope com gosto de cheiro de moeda?
ébrias, as pupilas -desdecidem- sobre serem quatro ou oito os transeuntes mais próximos. quatro: o apaixonado por beatles; a que quebrou a taça com vinho no primeiro encontro com a pessoa desejada; a que pensa que talvez precise de um aparelho ortopédico para as costas; e o que se arrepende de nunca ter aprendido a ler partituras musicais.
porém, oito: o que gosta de beatles, mas sente raiva da música yesterday; a que finge ter dons de enóloga; a que não liga para idas ao médico; e o que teve um insight de que prefere escrever a tocar um instrumento.
um cachorro tropeça nas raízes protuberantes de uma árvore. ela inveja os homens que, com seus braços e mãos, podem rearranjar os cabelos quando o vento os desarruma. e a boca da caixa de um carro de som é a única a descobrir em voz alta que: é preciso amar as histórias das pessoas como se não houvesse amanhã.
o universo na casca de um besouro
carregava besouros para casa. encontrava-os nas folhas das bancas de feira, nos jardins do condomínio e em qualquer plantinha da rua. nas viagens de ônibus com minha mãe, o equilíbrio era dificultado pela aporia entre me agarrar ao balaústre ou proteger os seres heróicos já quase esmagados entre meus dedos.
pareciam mesmo super-heróis, com suas capas azuis, verdes, vermelhas, que mais tarde descobri serem chamadas de élitros. as “asas” de fora formam uma carapaça protetora das – essas sim – asas membranosas de dentro, que permitem o voo de algumas espécies.
couraça quitinosa para mimetismo e defesa: é assim que tento me ajustar ao mundo, em rápidos ensaios. logo me transfaço em palavra e os sentidos evolam claros, deixando à mostra, suscetíveis mas enérgicas, as estruturas aladas de dentro.
na época dos estudos entomológicos infantis, não podia imaginar que cada rebento de luz revelado pelo hubble corresponde à existência de centenas de bilhões de sóis. hoje, essa perspectiva que causa vertigem pela demonstração da grandeza de tudo, é a mesma que me faz amar cada vez mais o que existe próximo ao chão e sussurra vida.
o pedido de hoje é voltar a sentir com as pontas dos dedos a textura do significado presente nas existências mais ínfimas, com suas galácticas dimensões.
TOP 10
as palavras mais bonitas da língua portuguesa
saudade
quimera
chamego
aconchego
dengo
perene
tamanduá
onírico
arvoredo
majestade
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Amei ver um cadinho meu por aqui!
E amo você.