eu queria falar mesmo era falar dele
#34 - "eu já enfrentei o luto outras vezes. mas a morte de uma criança tão… sei lá, viva, é diferente." (por mariana felipe)
buenas, qué tal?
como eu havia dito semana passada, estou em repouso médico, então nesta e na próxima newsletter, temos convidadas. a começar pela mariana felipe, que encheu minha caixa de entrada com esse apanhado de amor que vocês vão ler ali embaixo. poucas vezes vi um tema tão doído e sensível ser escrito com tanta beleza e otimismo, eu me sinto honrado de poder dividir ele com vocês.
rainha das comédias românticas e blogueira de casamento, a mari é minha best (a gente se chama assim desde a faculdade) e uma das escritoras mais incríveis que eu já li. lá no finzinho vou deixar as redes dela pra vocês entrarem no mundinho mariflix.
então sem mais delongas, com vocês, mari felipe!
do que eu realmente gostaria de falar?
se tem uma coisa que eu adoro fazer é ler a newsletter do júnior. desde que ele se mudou para bons ares, nos vemos muito pouco, mas ler as cinco ou seis coisinhas faz parecer que estamos juntos, criando teorias aleatórias sobre música pop ou programas dos anos 90, assim como na faculdade.
a verdade é que essa newsletter é meu entretenimento semanal e eu fiquei procurando algum assunto que combinasse com a sensação que o meu amigo xu nos proporciona. mas só tem um assunto passando pela minha mente há meses. eu não escrevi nem meu textão tradicional de aniversário este ano porque não tinha nada a ver com o que eu tenho pensado.
eu só penso no meu sobrinho Matias. hoje eu conversei com as pessoas sobre estratégias de lançamento, teorias do jornalismo, alimentação intuitiva, debate presidencial e anitta no vma. mas se alguém perguntasse: “do que você realmente gostaria de falar?”, eu diria: do meu sobrinho Matias.
nós o perdemos no dia 14 de abril de 2022, um pouco antes de ele completar 02 aninhos. ele falava poucas coisas, mas já imitava galinha rafinha. você já viu esse vídeo? eu dizia: “cadê a princesinha de mamãe?” e ele respondia: cococó cococó. eu sou muito empenhada em ensinar memes aos meus sobrinhos.
[o diabo do algoritmo do instagram]
daria um estudo social a análise da minha família nas semanas que sucederam a perda do Matias. cada um sofrendo do seu jeitinho, esbarrando as dores uns nos outros. às vezes abraçando, às vezes espinhando. mas querendo saber se todo mundo comeu, deu uma alongada, tomou um sol, bebeu água o suficiente.
eu já enfrentei o luto outras vezes. mas a morte de uma criança tão... sei lá, viva, é diferente. o meu pai chorava baixo de madrugada, tinha um câncer se espalhando pelos tecidos do corpo dele. embora tenha doído muito em mim, eu me consolava pensando que ele merecia descansar.
o Matias merecia também, claro, assim como eu e você. apenas o fato de nascer nesse mundo cheio de gente ruim já exige um descanso. mas tinha tanta coisa legal para a gente fazer… as primeiras vezes de uma criança têm jeito de primeira vez para todo mundo. a primeira vez provando frutas azedas, usando uma roupa social, andando de chinela, balançando no parquinho, descobrindo que as cordas do violão fazem som etc. tudo parecia novidade para mim, porque tudo era novidade para ele.
eu nem tive uma pausa para sofrer tudo de uma vez, por isso todo dia eu sofro um pouquinho. até então não havia escrito nada, porque me sinto culpada de sofrer. penso que posso roubar o momento da minha irmã, a mãe, ou da minha mãe, a avó, que também perdeu uma filha pequena e teve que reviver esse episódio.
penso que deveria dar espaço para os meus sobrinhos, irmãos do Matias, sofrerem do jeito deles. e que eu deveria só assistir e dar suporte a todos. penso que não deveria sofrer se dei uma festa de casamento em fevereiro, se acabei de voltar da europa, se ganhei muitos presentes de aniversário.
mas a culpa não ajuda, não há nada a se fazer, apenas dar tempo ao tempo e esperar o momento em que minha saudade estará totalmente elaborada. no meu processo terapêutico, a minha maior dificuldade é ser gentil comigo mesma. mas agora estou aprendendo na marra.
tive que aderir algumas estratégias para continuar vendo algum tipo de normalidade no dia a dia. ter uma rotina e priorizar meu tempo sozinha, recarregando as energias, sem pensar muito no que está acontecendo lá fora. não quero discutir eleições com ninguém este ano, nem vem.
fazer exercícios, preparar meu café da manhã todos os dias, voltar a ler coisas apenas por prazer, comer macarrão sem pensar nas calorias, assistir séries good vibes, escutar corais cantando músicas bonitas, comprar roupas coloridas e assistir vídeos do igor guimarães imitando idosos me ajudaram nesse processo.
a gente perde um pouquinho o controle das emoções, então criar – e manter - uma rotina dá a sensação de que podemos retomar algum controle sobre a nossa vida, de que as coisas ainda podem voltar ao normal... não que tenham voltado, mas podem. tudo indica que sim.
hoje, eu ligo para a minha irmã, a gente se atualiza sobre a vida uma da outra e diz que está tudo bem. mas sobram cinco segundos em que ficamos em silêncio. eu suspiro e digo que “então tá, a gente se fala depois”. mas ela sabe que eu queria falar. e eu sei que ela queria também. só que é redundante.
mas um dia vamos falar sem nem perceber, porque não haverá embaraço nenhum por dentro. até lá, cada dia é um dia diferente e às vezes só me resta fazer um bolo para me distrair.
TOP 10
top 10 coisas que me ajudaram a sair da bad nos últimos meses
a série eu nunca, da netflix
o vídeo os véinhos se divertem, um compilado do igor guimarães
o novo álbum da beyoncé
fazer a torrada com ovo e iogurte do tiktok (custard yogurt toast)
o filme do elvis
alguns vídeos do pastor antônio carlos costa
o viny, vulgo dandara, falando “bom dia serasianes” no tiktok
acompanhar todos os detalhes da treta entre simone e simaria
suar dançando com os vídeos do studio jamie kinkeade, especialmente o 40 minute feel good dance workout
terapia, claro
obrigada, xu, por me incluir na sua newsletter, que eu amo. escrevi tudo minúsculo em sua homenagem.
gostaram? a mari além de escrever crônicas recheadas de afeto e salpicadas de tiradas ótimas, também dá dicas de casamento no perfil case-se quem quiser. segue lá.
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? é só chamar na dm . qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
eu sinto que parte inicial de curar-se de um sentimiento que dói, depois de reconhecer que ele está ali e não vai embora fácil é ser verdadeiro sobre ele, como você está sendo. eu nunca vivi nada parecido com essa dor, mas posso imaginar o quão difícil é entender algo que nem sentido tem. receba aqui meu abraço, mari.
agora mudando de assunto, sinto que uma newsletter da mari poderia vir pir aí hein? hein?