eu não estou lá
#102: passada a negação, a raiva, a fase do “e se eu criar outra conta?” e a tristeza, por fim, veio a aceitação: eu não estou mais no instagram
olá vocês!
no dia 1º de janeiro de 2024 eu desativei minha conta de instagram após 10 anos na plataforma. era para ser um detox, uma dessas resoluções de ano novo que depois de uma semana a gente já está descumprindo. acontece que de vez em quando eu finjo que li normas de uso e aperto em “concordo”. e sem perceber, em vez de desativar por um tempo, eu acabei apagando a conta para sempre. sabe em ghost, quando o patrick swaize morre e só de dá conta que virou um fantasma bem depois? pois é, eu sou um instaghost.
quando me dei conta de que não poderia ter acesso a minha conta outra vez, confesso que tive um pequeno ataque de pânico. são cerca de duas mil fotinhas contando a minha história. viagens inesquecíveis, reuniões de amigos, ex amores, familiares, fotos da infância, aquela época na pandemia em que eu só postava preto-e-branco, as fotos do meu casamento. é como deixar de existir. lembra quando a gente chamava apagar o orkut de “orkuticídio?”. não sei como se chama deixar o instagram. mas passada a negação, a raiva, a fase do “e se eu criar outra conta?” e a tristeza, por fim, veio a aceitação. eu não estou mais lá.
a primeira foto que eu postei, na então era das fotos quadradas, foi quando liberaram o app para android, quando os donos de iphone surtaram pelo que chamaram de “orkutização” do instagram. grandes bostas, pensei, quero ver como é isso. não entendi muito a graça no começo, era quase tudo foto de comida com as bordas desfocadas, baixíssima qualidade de imagem e filtros mais sombrios que meu passado em micareta.
mas o tempo foi passando e a coisa foi ficando divertida. celulares com câmeras melhores ficaram mais acessíveis, e as pessoas passaram a investir mais em seus dotes de fotógrafo. a palavra “selfie” invadiu nosso vocabulário, a gente aprendeu o que significa #tbt e a não curtir nossos próprios posts. cada perfil era uma casinha, onde nossos amigos e família (veja bem, gente conhecida) entrava e via recortes específicos do nosso dia-a-dia.
e viu deus que aquilo era bom. e viu o diabo que aquilo dava dinheiro. não sei o que veio antes, se a massiva presença de celebridades ou a compra do instagram pelo mark zuckeberg. mas, em algum momento, todo mundo estava lá. estava tão lá que passava o dia por lá. não só estavam lá, mas faziam questão de que todos soubessem que estavam lá. academia, restaurante, pousada, hospital, praia. tudo era cenário pra um registro, até o banheiro. a vida agora era pública, mesmo na privada.
pessoas famosas adoraram a possibilidade de terem seu próprio canal de comunicação direta com o público, sem o intermedio dos portais de notícia. pessoas que queriam ser famosas aproveitaram a rede para promover seus conteúdos, ligados a beleza, moda, rotina de exercícios, qualquer coisa que chamasse a atenção do maior número de pessoas. começou a era das blogueiras sem blog, para quem mostrar detalhes de suas vidas era parte essencial de seu trabalho.
a própria idéia do instagram ser uma casa casa foi mudando, primeiro sutilmente: opa, as fotos agora não precisam mais ser quadradas. logo com mais impacto: vídeos, para competir com o youtube, stories para acabar com o snapchat, reels para imitar o tiktok, e o que quer que outra rede estivesse fazendo. copia, amiga, só não faz igual. e aquela rede que parecia uma comunidade de “olha minha comida/leitura/gatos” virou um shopping center.
o que começou como uma brincadeira de pessoas comuns passou a ficar profissional. fotos cada vez mais elaboradas para valorizar o look, a make, o rótulo, a publi. gente performando uma vida perfeita e gente fazendo de tudo pra chegar lá também, a custo de viver uma vida de faz-de-conta. restaurantes, museus, não há mais um lugar que não seja instagramável. a plataforma obriga as pessoas a postarem o tempo todo pra continuarem em evidência, logo o que é original vai morrendo e todo mundo trabalha no automático. a palavra engajamento está adoecendo as pessoas.
só é alguém quem está lá. e o preço desta existência é um feed alimentado de maneira arbritária por algorítmos, mil sugestões de coisas que você não tem interesse, mas acaba vendo assim mesmo e trocentos post pagos de gente biscoiteira ávida por números. a ostetação passou a ser a tônica da rede. ostentar um corpo, ostentar uma cara harmonizada, ostentar uma viagem, ostentar virtudes, ostentar opiniões burras. eu estava infeliz e sabia. mas cadê que eu conseguia saltar fora?
meu limite com a rede chegou quando percebi que passava mais tempo lá vendo coisa de gente que eu não conheço e não me importa do que interagindo com gente que eu gosto e me importa. entrava pra ver uma coisa, via de um tudo, saía, percebia que não vi o que queria ver e entrava de novo. e via mais um milhão de coisas, num ciclo infinito. num belo dia resolvi mudar. e me libertei dos algorítmos do senhor zuck.
a princípio estranhei um pouco não dar aquele scroll infinito para saber o que estava acontecendo. mas passados quase dois meses, posso dizer que não sinto nenhuma falta do instagram. sinto falta de algumas utilidades da plataforma, como ser informado sobre o aniversário de alguém. sinto falta de ver as fotos da clarice crescendo, dia desses a mãe dela me mandou uma foto em que ela brincava com a boneca da frida que eu mandei e eu quase morri de amor. alô vinicius, alô elisama, favor manter esse tio distante abastecido de fofura.
também descobri só muito tempo depois que uma amiga está grávida, quase dando à luz já. mas aí é caso de mandar uma mensagem, ligar, fazer uma visita. as redes deixaram tudo tão fácil que eu fiquei preguiçoso para as relações sociais. no meu caso é uma bênção não depender da plataforma para expor meu trabalho, sei que muita gente não pode dar-se ao luxo de simplesmente sair do instagram. muita gente aprendeu a fazer um bom uso das redes e consegue ficar lá sem ter seu tempo ou saúde mental afetados. não era o meu caso.
dois meses é muito pouco tempo, eu sei, talvez em um ano eu possa fazer um balanço mais adequado (ou volte a usar de novo, vai saber), mas até aqui eu aprendi umas poucas coisas. a primeira é que o rolo de fotos do celular nunca esteve tão vazio. a segunda é que as relações mais distantes desaparecem de vez. a terceira é que tirando as pessoas mais próximas que sempre te mandam coisas ou te marcam em memes, ninguém liga muito. a vida segue do lado de lá.
mas a maior lição que eu aprendi é que eu não mudei muito meus hábitos sem instagram. passo menos tempo no celular? hummmm, não sei, tenho joguinhos, o xuiter ainda resiste e o tiktok ainda tá aqui, ocupando mais tempo que devia. não li mais livros que achei que leria. o que mudou é que eu tenho um volume menor de estímulos. e agora passo mais tempo escrevendo, revisando e planejando os textos desta newsletter. e lendo mais os textos dos queridos colegas de substack. eu não estou mais lá, mas ainda estou aqui.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor dos livros a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponíveis em e-book na amazon.
eu apaguei minha conta ontem. estava cansado de entrar no instagram para ver o conteúdo dos meus amigos (que era o que me importava) e ser bombardeado de coisas que não pedi para ver só porque o algoritmo do markinho tinha que prestar contas a quem pagou a publi. como já não estava usando muito, não tenho sentido falta. aliás, tem sido bem libertador não ser cobrado por um meme que alguém me mandou por direct e que eu ainda não vi. tenho até o dia 20 de março para me arrepender, mas acho que já superei o relacionamento tóxico com markinho. agora, estou só no substack e no whatsapp.
Júnior, resolvi passar a quaresma sem instagram... E depois pretendo diminuir e MUITO meu consumo por lá... Me vi tão conectada e tão perdida nesse "rolar o feed", "passar stories", tanto tempo consumindo tanta coisa e depois um sentimento de cansaço enorme, de que não aproveitei bem o meu tempo. A verdade é que estou exausta com tantos estímulos e preciso urgentemente aprender a lidar com essas distrações tecnológicas.