dinorah vaqueiro na terra do sol
#84 - nada de velho oeste. cangaço novo joga na tela do brasil e do mundo uma história universal, mas com as cores e os sons do nordeste de hoje.
olá vocês!
sabe aquele vazio que dá quando você termina de ler um livro muito bom, acaba de ver um show impressionante, sai do cinema após um filme incrível ou de faz uma refeição deliciosa? é um misto de alegria eufórica com uma saudade precoce, de não saber quando você vai experimentar aquilo de novo. eu senti isso nesta semana, com cangaço novo. fui conferir o hype e a nova sensação do streaming é tudo isso que estão falando. terminei há dois dias e só penso em cratará, e mais ainda, só penso em dinorah vaqueiro.
cangaço novo vale a pena ser vista, porque ao mesmo tempo que reconta a já percorrida jornada do herói, o faz com cores, texturas e sons de uma das regiões culturalmente mais ricas do brasil, o nordeste. filmada na paraíba, ambientada no ceará e com atores pernambucanos, potiguares, paraibanos e um dos diretores baianos, aly muritiba, a série é moderna na linguagem e nas cenas de ação, mas sem deixar de honrar referencias que vão de o cangaceiro, de lima barreto e deus o diabo na terra do sol, de glauber rocha a bacurau, de kleber mendonça filho.
pra quem não viu, vou tentar resumir sem dar (muito) spoiler. no remoto sertão do ceará, uma pequena cidade fictícia chamada cratará se ergue como um microcosmo de um brasil profundo e esquecido. nas mãos dos criadores mariana bardan e eduardo melo, somos levados a uma jornada intrincada, onde poder político, polícia e gangues cruéis se entrelaçam com religiosidade e messianismo.
embora exista apenas nos domínios da ficção, a cidadezinha espelha com precisão a realidade de muitas cidades anônimas que pontilham o interior brasileiro. uma família, os maleiros, há gerações mantém um estrangulamento político sobre a região, estendendo seus tentáculos até as altas esferas de fortaleza e brasília. é um espetáculo de compadrio e favoritismo que se perpetua ao longo dos anos.
entretanto, o que dá um toque intrigante á narrativa é a presença de uma gangue que se encaixa na descrição de “banditismo social”, um termo cunhado pelo historiador britânico eric hobsbawm. estes “novos cangaceiros” descendem do lendário e já morto amaro vaqueiro, e especializam-se em assaltar bancos e propriedades nas cidades vizinhas, espalhando violência e crueldade por onde passam.
no coração do enredo, ao longo dos oito episódios da primeira temporada de está a saga da família vaqueiro. seu sobrenome já carrega um peso simbólico. três irmãos, órfãos desde a trágica morte de seus pais em 1998, são os protagonistas de uma história que tece uma teia complexa de política, polícia, fé e redenção.
allan souza lima, assume bem o papel de ubaldo, filho do patriarca. após anos de ausência, ele retorna a cratará em busca de sua herança, apenas para descobrir que sua irmã, dinorah, está envolvida com o bando de saqueadores. a outra irmã, dilvânia, cujo silêncio fala volumes é interpreta thainá duarte com uma intensidade comovente.
ubaldo é recebido como uma espécie de messias, a encarnação de seu pai, e é idolatrado pela população local, que sofre com a seca, os juros extorsivos cobrados pelos bancos e o poder local que se beneficia da manutenção da pobreza e da ignorância. sua tia, zeza, interpretada pela gigante marcélia cartaxo, lidera uma resistência e sua determinação é trazer o sobrinho relutante para a causa.
apesar do “apelo masculino” das cenas de ação e virulência, o destaque é para as atrizes. thainá, marcélia e uma segura hermila guedes brilham. mas a alma de cangaço novo é dinorah vaqueiro e extrai de alice carvalho uma interpretação visceral em cada segundo da atriz em cena. os olhos gigantes, a voz, a postura corporal da mulher que tem que falar grosso pra ser ouvida e respeitada pelo bando de machos é incrível. uma elo entre diadorim e maria moura, dinorah ja é uma das figuras inesquecíveis do audiovisual brasileiro.
e que lindo ver surgir uma atriz tão talentosa, tão brasileira e tão comprometida com sua vocação. é um deleite ver alice em cena e que venham novas personagens. o arco de dinorah é tão ou mais bem acabado que o do protagonista ubaldo, e é muito por ela que eu quero ver a segunda temporada. aliás, um ponto baixo aqui é esse: a trama poderia ter sido amarrada em uma temporada só, mesmo com arcos que se desenrolassem em outras. mas como ficou, é mais uma parte 1 que vai depender que essa possível continuação seja tão boa quanto a primeira.
tirando esse deslize, a série é entretenimento e cultura pop de primeira. a trilha sonora é ouro, com nomes nordestinos em evidência da nova mpb, como rachel reis, getúlio abelha e aíla. ainda clássicos de fagner, milton nascimento e nação zumbi e uma linda regravação de espumas ao vento pela atriz e dona da porra toda alice carvalho.
a direção de fábio mendonça e aly muritiba dá vida à narrativa com cenas de ação de tirar o fôlego. não à toa a série está entre as mais vistas da plataforma em países cultural e socialmente díspares, como canadá, paraguai, mali, argélia, congo e portugal, entre outros.
cangaço novo é uma crônica dos contrastes, um retrato das veredas ocultas do brasil profundo. uma obra que, como um bom nordestern, desafia o status quo e convida a explorar o enigma que é o sertão, onde a política, a fé e a violência dançam uma dança arriscada sob um sol impiedoso. é uma jornada que nos faz refletir sobre as raízes do brasil e seu futuro, emoldurado por uma narrativa envolvente e atuações excepcionais.
TOP 10
10 séries brasileiras pra ver no streaming
cangaço novo (amazon prime)
os outros (globoplay)
irmandade (netflix)
sob pressão (globoplay)
cidade invisível (netflix)
bom dia verônica (netflix)
sintonia (netflix)
assédio (globoplay)
impuros (amazon prime)
a vida pela frente (globoplay)
links, links, links!
este texto incrível do
, que escreve a newslenta (melhor nome). começa com um relato de golpe de whatsapp e evolui para algo surreal. não vou dar mais detalhes, apenas leia meu novo amigo, eu.- escreve um texto lindo sobre um dos meus filmes favoritos, medianeras, no sempre bom andanças.
e recomendações de bons livros de cartas, na news um canto nosso, da
.e o episódio desta semana da radio novelo apresenta cruza dos fatos históricos que aconteceram em um 11 de setembro: a queda das torres gêmeas em 2001 e o golpe militar no chile há 50 anos. imperdível.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Eu gostei muito de Cangaço Novo, mas foi Dinorah que me agarrou desde o primeiro minuto.
Eu já ouvi falar bastante de Cangaço Novo, mas sabia só por cima do que se tratava. Você falando da Dinorah me deixou ainda mais curiosa pra assistir! haha
E um super obrigada pela menção da Andanças nos links, Júnior! <3