deus me livre e guarde!
#44: versos da mpb pra mandar o bolsonaro vazar, meus medos mais inconfessos e uma reflexão sobre a parada gay de buenos aires
olá tudo bem?
na semana passada eu fui a mar del plata, cidade litorânea da província de buenos aires, a 4 horas de ônibus da capital. fazia tipo uns 8 anos que eu não via o mar. e eu amo praia, sou 100% o caipira deslumbrado com aquele azulão infinito, com o barulho das ondas, com o cheiro de maresia, com a textura da areia molhada.
pois bem, fui à praia, entrei no mar, mesmo muito gelado, contemplei o pôr-do-sol, vi leões marinhos. no outro dia, visitei o aquarium, um santuário com um monte de espécies de animais terrestres e aquáticas. vi bicho que nunca tinha visto: flamingo, golfinho, pinguim, lêmure, tubarão, peixe de tudo quanto é tipo. até um axolote, que é o animal mais fofo da face da terra. passei numa calçada da fama onde tem as mãos da xuxa gravadas no cimento. (e as do william defoe, da sônia braga e da susan sarandon). passei um dia cheio de aventuras.
à noite, exausto no hotel, me deito na cama, apago a luz e me chega a notificação: “it’s time to⚠️be real⚠️”. e tudo que estava à minha frente era o teto. é oficial: eu odeio o be real.
era só isso mesmo, só queria compartilhar meu white people problem.
passado o desabafo, vamos aos tópicos deste número: uma lista de versos da mpb pra mandar o bolsonaro ir embora, meus medos mais inconfessos e uma reflexão sobre a parada gay de buenos aires que eu roubei do twitter do meu namorado e traduzo aqui pra vocês sobre a gay machuda conservadora que dizem que “a parada gay não me representa”. vem comigo!
vade retro, satanás!
quando eu era criança, minha mãe gostava de ouvir uma rádio am que se não me falha a memória, se chamava rádio anhanguera. era um misto de notícias, variedades, música, enfim, uma rádio como outra qualquer. exceto que todos os dias, ali por volta do meio dia havia um programa que dramatizava casos reais. era tipo uma radionovela, só que de crimes e casos paranormais, com bastante sensacionalismo.
me lembro bem de uma semana em que anunciaram um programa especial chamado “satanás visita goiânia!!!”. era uma semana contando histórias de como ele estava entre nós e arruinava e destruía a vida das pessoas. em meus recém completos seis anos, achava que aquilo tudo era real, e que ele poderia chegar à noite e vir buscar crianças que não se comportavam. naquela época, notícias envolvendo crianças e rituais macabros faziam sucesso, então eu adquiri um medo real e muito grande do diabo. foi meu primeiro grande medo. hoje eu dou risada, mas naquela época me tirava o sono saber que o tinhoso podia me levar pro inferno.
depois, eu comecei a ter medo de palhaços. quando eu morei no interior, quando eu via os palhaços das folias de reis fazendo arruaça nas comitivas de violeiros eu corria como louco. quando eles passavam na porta de casa, eu me escondia debaixo da cama. com todo respeito que tenho às artes circenses, se você olha direitinho, um palhaço foi criado para ser assustador. se alguém acha engraçado, tá errado. é creepy. já era assim bem antes do coringa. deus me livre e guarde de encontrar um palhaço na rua de noite. prefiro encarar o freedy kruger, o jason e o michael myers juntos a passar uma horinha do lado do arrelia.
eu também tenho medo de cobras. porque sempre ouvia histórias de sucuris e jibóias que matam por contrição. a agonia que eu tenho em ver filmes com serpentes é indescritível. pode ser das que não são venenosas, pode ser protegidas por um vidro, pode ser em vídeo na internet, eu tenho pavor, me dá agonia. a única exceção é o filme serpentes a bordo, que é tão mentiroso e mal feito que em vez de assustar, me causa risos. é mais engraçado que palhaços, inclusive.
tenho outros medos de coisas que ficam ali escondidos no submerso, e dão as caras nas horas mais impróprias. medos que não existem, coisa da minha cabeça mesmo. medo de morrer, por exemplo. de criança, uma coisa que me dava agonia era escutar meu coração batendo. tinha medo de ouvir ele parar a qualquer momento. tenho medo de ser dado como louco e que ninguém acredite em mim, me internem num sanatório, essas coisas. tenho medo de não ter mais ninguém no mundo, nenhum amigo, e passar o resto da minha vida sozinho. são medos tolos, claro.
mas tem uma coisa que me dá medo, muito medo, me enche de pânico: deus me livre e guarde de virar um velho reacionário. imagina dedicar um tempo que dizem ser de sabedoria a ficar no meio da rua marchando, pedindo intervenção militar? deus me livre de ficar paranóico, negacionista, com mania de perseguição, vendo fantasma onde não tem. eu tenho calafrio de pensar onde uma pessoa pode se perder no devaneio, virar careta, ultra conservador. ficar agarrado a um fiapo de salvação de um possível monstro comunista, quando na verdade nenhum dos dois vai chegar, nem o monstro nem a salvação.
é só olhar nessa gente entrincheirada nas rodovias: tudo já bateu com as 12, não tem mais nenhum lampejo de sentido nas idéias que eles replicam, acreditam em qualquer lorota, praguejam contra qualquer vento mais forte de mudança. e nessa de combater o comunismo, se agarram com força ao racismo, classismo, xenofobia e tudo que há de mais vil. é disso que eu tenho mais medo: de virar um velho decrépito com ideias mofadas, ligado a uma seita de pessoas que perderam o bonde da história.
com a palavra, meu namorado:
homens gays masculinos discretos não são os únicos por aí. há também muitos transgêneros, transexuais, intersexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e, sobretudo, gays que não têm medo de esconder quem são enquanto lutam por reconhecimento social e político.
para que hoje possamos nos expressar como queremos, tivemos que lutar muito contra a opressão social, religiosa, política, policial e principalmente familiar. crescendo muitos sozinhos e reprimidos porque suas famílias e seu ambiente não aceitavam seu jeito de ser.
esta opressão não teve a ver somente com orientação sexual, mas com a forma de como um homem e uma mulher devem se comportar, que segundo a norma e a lei divina existe apenas isso, um homem e uma mulher, e cada um deve estar em tal uma forma. se for diferente, é uma aberração, um escândalo.
agora que qualquer homem gay, discreto, vem dizer que a marcha do orgulho de buenos aires (no último sábado, dia 6) não o representa porque não concorda em transformá-la em carnaval, me parece um egocentrismo machista. não são os únicos, marchamos por todos, lembre-se que lgbtqia+ não significa homem gay.
existe uma corrente machista entre esses gays que quer que o resto da comunidade se esconda e continue reprimindo quem eles são, além de rejeitar o resto da comunidade diversa. dizem que a marcha não os representa mas gozam dos mesmos direitos.
muitos desses discretos gays masculinos agora gozam da aceitação de sua família, da sociedade, em seus empregos e não pelo que fizeram ou são, mas porque um grande número decidiu marchar e lutar pelos direitos de todos, inclusive daqueles a quem rejeitam.
TOP 10
versos da mpb pra mandar o bolsonaro vazar
“chora, não vou ligar. chegou a hora, vais me pagar, pode chorar, pode chorar.” vou festejar, beth carvalho
“começa uma outra história aqui na luz deste dia "d". na boa, na minha, eu vou viver dez, eu vou viver cem, eu vou vou viver mil, eu vou viver sem você!” não enche, caetano veloso
“apesar de você amanhã há de ser outro dia. inda pago pra ver, o jardim florescer qual você não queria. você vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença e eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa” apesar de você, chico buarque
“amanhã, mesmo que uns não queiram, será de outros que esperam ver o dia raiar.” amanhã, guilherme arantes
“salve os caboclos de julho quem foi de aço nos anos de chumbo. brasil, chegou a vez de ouvir as marias, mahins, marielles, malês” histórias de ninar gente grande, samba enredo da mangueira, 2019.
“o sol há de brilhar mais uma vez. a luz há de chegar aos corações. do mal, será queimada a semente. o amor será eterno novamente.” juízo final, clara nunes
“é um mundo cão pra nóis, perder não é opção, certo? de onde o vento faz a curva, brota o papo reto. num deixo quieto, não tem como deixar quieto, a meta é deixar sem chão quem riu de nóis sem teto.” amarelo, emicida
“presidentes são temporários, meu despertar, temporão. música boa é pra sempre e esses otários jamais serão.” jamais serão, black alien
“eu quero é botar meu bloco na rua, gingar, pra dar e vender.” eu quero botar meu bloco na rua, sérgio sampaio
“eu não tô aqui pra sofrer, vou sentir saudade pra quê? quero ser feliz, bye bye tristeza não precisa voltar” bye bye tristeza, sandra de sá
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Olha só! Compartilho de todos os seus medos (menos o de palhaço, que não tenho exatamente medo e sim uma espécie de ranço - e olha que minha festa de aniversário de 1 ano teve esse tema!).
O de diabo me lembra uma história da mais remota infância: um comercial de um protetor solar chamado Delial, que passava na televisão ali por volta de 1986/87, em que aparecia um cara vestido de tinhoso dizendo "vá por mim, NÃO use Delial", seguido de uma gargalhada. Foi um trauma de criança. Era só eu ouvir alguém dizer "vá por mim" em qualquer situação que eu automaticamente me lembrava e completava.
Durante ANOS eu procurei essa propaganda, perguntava a outras pessoas se elas também se lembravam dela, até que encontrei no meio de um desses vídeos de intervalos comerciais que postam no Youtube. Até salvei o vídeo aqui. Hoje eu acho graça, mas tinha seu componente creepy sim.
Excelente seleção musical.