desculpe o auê
#83 - perdoar não é livrar o outro de uma punição, é antes disso, se livrar de carregar uma dor que você não fez nada para merecer
olá vocês.
quem acompanha o mundinho do pagode no brasil sabe que um dos maiores entreveiros envolve belo, ex-vocalista do soweto e o ex-jogador denilson, que em algum momento dos anos 90 virou dono do grupo. belo resolveu partir pra carreira solo, descumpriu contratos e gerou uma dívida que chegou a 25 milhões, e desde então era uma briga pública que parecia não ter fim.
mais de 20 anos se passaram e o mundo mudou muito desde então. as torres gêmeas caíram, dercy morreu, maisa nasceu, estreou o big brother, sandy e junior se separaram, o brasil foi de centro direita pra centro esquerda, houve um golpe, tivemos um presidente em exercício e outro em exorcismo. e nada da paz reinar entre denilson e belo. até o mês passado, quando eles chegaram a um acordo para que belo pague a dívida e deixaram no ar a possibilidade de uma turnê comemorativa de 30 anos do soweto.
eu amo quando celebridades (ou subcelebridade, vá lá) põem um ponto final em tretas históricas. xuxa, eliana e angélica, j-lo e ben affleck, maria bethania e gal costa, anitta e pabllo, o furacão da cpi e a gatinha miss bumbum. a lista é grande. e mostra que em público e no privado, nada é para sempre, nem tem que ser. e a gente aí, colecionando desafeto e rancor por anos a fio.
vamos combinar que fazer as pazes é a coisa mais difícil que podemos fazer nas nossas relações sociais. dar o braço a torcer, pedir perdão e sobretudo, perdoar, exige coragem e disposição que não temos assim de sobra. mas nesse tempo belicoso em que vivemos, é preciso reduzir a quantidade de atritos ao mínimo possível. é preciso ser mais ponte e menos muro, seja fazendo com que não tenhamos novos desafetos, seja reconstruindo relações que foram rompidas.
eu queria falar sobre perdão aqui nesse texto, mas sem transformar o ato em um sacrifício maior, de uma grandeza inatingível. então comecemos daqui: o perdão não é uma coisa santa, magnânima. é antes, uma solução possível em prol de uma vida mais leve.
talvez pela palavra ser ligada à figura de jesus e ser, na bíblia, o meio para a redenção de pecados, a gente tem a ideia de que perdoar é divino. não é, ou não é somente. as pessoas que perdoam, geralmente não o fazem por bondade ou superioridade moral, mas por inteligência.
inteligência aqui você pode entender como responsabilidade emocional consigo mesmo. e o contrário disso não é burrice, mas orgulho. não perdoar é um ato de orgulho, não de raiva ou desprezo. obviamente não é possível perdoar alguém que te feriu no segundo depois que isso acontece, é pedir demais.
mesmo que alguém diga “sinto muito” e você responda “tá tudo bem”, demanda um tempo para que se compreenda a dor, como ela pode ser curada e quanto tempo isso vai levar. é necessário um ciclo para que se processe tudo e aí, só aí, é possível perdoar de verdade.
porque tem mais essa: não se pode perdoar sem compreender que com o perdão um ciclo se encerra. é preciso estar comprometido com isso, com ideia de que a mágoa que você carrega deve sair para dar lugar a novos sentimentos, senão não faz sentido, é banalizar a palavra perdão.
mais uma coisa: perdoar não é dar razão. se alguém te feriu, isso não é certo, seja lá o que for. mas perdoar tá longe de “vamos fazer de conta que isso nunca aconteceu”, tem mais a ver com “não quero mais carregar esse fardo, não me pertence, vou ser feliz”.
inclusive tá liberado perdoar e não querer voltar a ver a pessoa que te fez mal. tá liberado, sobretudo, aprender com isso a se defender de uma futura mágoa. mas veja bem, se defender é diferente de se armar e ser consciente é diferente de ser ressentido. onde há perdão não rola ressentimento. mas que fique claro, não perdoar também é uma opção e uma pessoa jamais deve ser julgada por isso.
por último, é importante frisar que às vezes o mal que alguém nos faz é também um crime. aí fica quase impossível perdoar, eu sei. mas é fundamental. para todo crime é necessário uma punição dentro da lei que nos rege. trata-se de justiça, embora o que muitas vezes buscamos seja vingança. “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”, já dizia o sábio. e é verdade. perdoar não é livrar o outro de uma punição, é antes disso, se livrar de carregar uma dor que você não fez nada para merecer.
até aqui tratamos da importância de perdoar. mas é preciso que se fale da outra parte, de quem pede perdão. não há ato tão difícil quanto assumir que fez algo de mal e reconhecer estar errado. É de uma coragem enorme e precisa ser reconhecido. mas veja bem. só pedir desculpas não é o suficiente, é preciso reconhecer de fato que errou, intencionalmente ou não. e fazer algo para reparar o dano. mas o orgulho, sempre ele, nos impede de fazer isso direito, então aqui vão umas dicas de como não se deve pedir desculpas.
peça perdão pelo que fez, não pelo modo como as pessoas se sentiram. “perdão se você se ofendeu” não é pedido de desculpa, é culpar o outro por algo que é responsabilidade sua. além de ser muito arrogante, faz o outro passar por burro por não compreender sua intenção. “peço desculpas aos que, de alguma for se sentiram ofendidos”, parece familiar? Sempre que alguém famoso, alguma entidade ou empresa se manifesta em público sobre alguma cagada que cometeu, usa do recurso de tentar separar o que foi feito da forma com que foi recebido. quer um conselho? Faz isso não, só piora as coisas.
peça perdão pelos atos e consequências deles, não pelas suas intenções. por melhor que sejam as suas intenções, às vezes erramos em nossa perspectiva e podemos errar em palavras e gestos e é sobre esses que pesam a responsabilidade de reparação. dizer “eu não falei por mal” ou “foi sem querer” não ajuda em nada a sanar uma dor. “olha, eu não queria te machucar, mas eu sei que eu machuquei, e eu me sinto mal por isso. você pode me perdoar?” Viu, não arrancou nenhum pedaço.
não peça perdão por “qualquer coisa”. quando você diz “desculpa qualquer coisa”, não tá querendo de verdade ser perdoado, só quer que o outro veja que você pediu desculpa. se você não sabe exatamente porque está pedindo desculpas, é melhor que não faça. seja específico, vá ao ponto, “desculpa por ter feito isso”.
não peça desculpas por ser como é, mas por agir como age. não há desculpa mais cínica que “desculpa, esse é o meu jeito”. bom, se seu jeito é capaz de magoar as pessoas e isso é algo imutável, você tá mais justificando seu comportamento que pedindo desculpas. agora, se além de agir como um idiota você põe a culpa disso em algum fator que não pode ser mudado, como sua personalidade ou até mesmo o seu signo, aí não tem como te defender.
entenda: pedir perdão é propor mudança. é dizer “até aqui foi assim, mas daqui pra frente, eu vou fazer de tudo pra que seja diferente”. com o perdão, uma nova possibilidade se torna real, é como abrir um novo caminho para seguir, não dá pra ser da boca pra fora. e é preciso entender se o outro não tiver disposto a perdoar. talvez sua dor seja maior, pode ser que leve mais tempo. então, se conforte sabendo que você fez a coisa certa e deixe o que as coisas tomem seu espaço em seu devido tempo.
na principal oração do cristianismo, o pai nosso, dizemos “perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. ou seja, se condiciona o ato de ser perdoado por deus às vezes que perdoamos a quem nos fez algum mal. já parou para pensar que se deus leva isso a sério, você nunca vai se sentir em paz consigo mesmo? e se você não é capaz de perdoar alguém por uma treta que rolou naquela manhã de terça-feira em 2005, na escola, segundo período, aula de educação física e deus tá com isso anotadinho no caderno dele?
vai por mim, perdão é bom pra ambas as partes, mas pra quem perdoa é muito melhor.
links, links, links!
na semana passada a
publicou uma linda crônica em sua newsletter, vou te falar, sobre a sua relação com a revista capricho e me levou de volta ao tempo em que eu era louco por revistas.há tempos cala na garganta de todos uma pergunta que paira por aí, a espera de resposta. e finalmente alguém decidiu colocar para fora o que todo mundo quer saber. o texto do
não nos traz respostas, mas pelo menos nos conforta em saber que não estamos sozinhos com esta dúvida: onde está o filme se eu fosse você?recomendo dois podcasts muito bons de política, tema que costuma ser abordado de forma quadrada e monótona, mas nas mãos de quem sabe contar uma história, o resultado é irresitível: o primeiro é alexandre, sobre a trajetória do ministro do supremo alexandre de moraes, terceiro vértice da crônica política nos últimos anos. o segundo é collor versus collor, sobre a briga entre o então presidente fernando collor e seu irmão pedro, que culminou no processo de impreachment e a renúncia do primeiro, em 1992.
estou amando a terceira temporada de only murders on the building, que tá chegando em episódios semanais na starplus. a química entre os três protagonistas, steve martin, selena gomez e martin short é incrível, a trama é ágil, os diálogos são impagáveis, mas a cereja do bolo é meryl streep como uma atriz de teatro que nunca teve uma chance de brilhar. vale a pena ver como o mundo para só para vê-la brilhar em qualquer cena, por mais banal que pareça. abaixo deixo uma lista com meus 10 filmes preferidos de merylzinha.
TOP 10
meus filmes com meryl streep preferidos
a morte lhe cai bem
adaptação
as pontes de madison
o diabo veste prada
as horas
mama mia
a dúvida
caminhos da floresta
angels in america (tecnicamente é uma minissérie, mas quem liga?)
julie e julia
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.