danço eu, dança você, na dança da solidão
#74: estar só é uma condição inerente de estar vivo no mundo, não importa quanta gente esteja ao seu redor
olá vocês!
há uns anos eu fiz aquela trend de citar um filme por dia respondendo um questionário da página 365 filmes. aí teve um dia que a pergunta era: “um filme que te deixa com um sorriso no rosto” (ou algo assim) e eu respondi sem nem pensar muito: o fabuloso destino de amelie poulain, já que foi assim que fiquei quando vi pela primeira vez o colorido e aclamado filme francês. a coisa mais fofa desse mundo.
no dia seguinte, eu tive que postar um filme que me deixou na bad. e eu também não duvidei: na natureza selvagem. eu me lembro de chorar um rio inteiro e jurar nunca mais ver esse filme. porque, sem querer dar spoiler, aquele final é dolorido demais. (é uma história real, logo, saber o que acontece não vai estragar o filme, mas enfim). eu achei triste a história de um jovem, frustrado com o mundo, que busca o isolamento completo e no final acaba se dando mal.
mas veja você como nós nunca somos sempre a mesma coisa e reagimos do mesmo jeito: revi esses mesmos filmes depois dessa lista, mais de uma década depois de ver cada um pela primeira vez e algo tinha mudado. eu consegui ver otimismo em na natureza selvagem. e achei amelie meio deprê. não de uma maneira pesada, niilista, a-vida-é-uma-bosta, mas por trás daquelas cores, musiquinhas e filtros, tem um travor de melancolia que se você olhar direitinho, é bem triste.
os filmes não mudaram nadinha, mas eu sim. nesse meio tempo, eu experimentei o lado bom e o ruim de estar sozinho. no processo de amadurecer e ir morar sozinho em outro país, eu conheci a triste solidão e sua irmã mais divertida, a solitude. podem parecer sinônimos, mas tem uma grande diferença:
a solitude é um estado de isolamento voluntário e positivo, já a solidão é uma condição associada à dor e à tristeza. a solidão é um sentimento de vazio, é o desejo de ter a companhia das pessoas, mas não ter. na solitude, uma pessoa opta por passar alguns momentos em reclusão pois entende que isso lhe proporcionará sentimentos positivos, crescimento espiritual, autoconhecimento e até mesmo alegria.
no filme de jean genet, amélie é uma jovem que cresceu isolada em casa pelos pais, que tinham medo que o contato externo com o mundo fizesse a filha adoecer. com isso, ao crescer, ela não tem muitas habilidades sociais e, sua jornada consiste em aprender a se conectar com as pessoas em seu entorno. amélie sofre de uma melancolia profunda e, felizmente reage contra seu destino fazendo amigos e conhecendo o amor. mas sua motivação era a solidão que sentia.
já em na natureza selvagem, temos o recém-formado christopher que decide abandonar uma vida “convencional” e viajar sem rumo pelos estados unidos em busca da liberdade. durante sua jornada pelos estados de dakota do sul, arizona e califórnia, ele conhece pessoas que mudam sua vida, assim como sua presença também modifica as delas. durante esse trajeto, o vemos descobrir o mundo e a si mesmo, e “estar sozinho” nunca é sinônimo de estar triste, tampouco de não se conectar com pessoas e lugares.
mas seu destino é chegar ao alasca e experimentar uma vida totalmente isolada da sociedade, e numa desses misturas de ingenuidade e infortúnio, tem um fim trágico e precoce. claro, que se nos apegamos a este final e a frase que virou o lema do filme “a felicidade só é real quando compartilhada”, dá a sensação de que não vale a pena deixar seu rincão e sair pra se descobrir no mundo. e que a mensagem do filme é essa, de que christopher foi punido por querer ir para longe.
mas presença física não implica necessariamente ausência de solidão, muita gente se sente sozinho mesmo estando acompanhado. eu mesmo já sofri solidão a dois, solidão em família, a sensação de abandono, por mim mesmo, por deus, pelo mundo. e lutando muito contra esse demônio interior, o de que eu jamais iria encontrar com quem compartir uma vida, eu descobri a solitude.
sabe quando dizem que você é sua melhor companhia? não é (somente) um clichê, mas quando você alcança prazer em estar só, sem sentir que nada está faltando naquele momento, você descobre o paraíso. e passa a desfrutar da beleza de descobrir coisas novas e únicas: se conectar com seus desejos mais íntimos, não depender da companhia de ninguém para aproveitar um show, um filme, uma viagem, uma comida. eu recomendo muito. claro que nem sempre se escolhe estar só, e isso dá um medo danado. mas faz uma grande diferença a forma em que encaramos este estado.
e vou te contar um segredo: estar só é uma condição inerente a estar vivo no mundo, não importa quanta gente esteja ao seu redor. não porque nos falta companhia, mas porque cada um de nós tem seu labirinto interno para atravessar, e ninguém pode percorrer a jornada de outra pessoa, é algo pessoal e intransferível. só você sabe o que é ser você, só você se acompanha o tempo todo no mundo e só você sente integralmente as coisas que você sente.
há dores que uma comunidade sente, por partilhar do mesmo sofrimento. há alegrias que uma nação inteira sente, por esperar juntos a mesma notícia boa. há gente que sofre com você e sorri com você. mas no fundo, a dor e a delícia de ser quem você é, só você conhece. é um peso, mas é libertador. não acho que a felicidade só seja real se compartilhada. há valor em decidir ser feliz em carreira solo. e mesmo pra quem escolhe ser uma família para alguém, só pode ser feliz acompanhado, quem sabe ser feliz sozinho.
links, links, links!
escrevi este texto escutando a maravilhosa playlist baile da solidão, que eu descobri na newsletter da lethycia dias. de nelson gonçalves a lana del rey, é uma seleção ótima para te acompanhar numa tarde fria de inverno.
e por falar em frio, a
trouxe a melhor receita de chocolate quente que eu já provei na vida:eu vi só o primeiro episódio da nova temporada de black mirror, mas já fiquei empolgado. eu sou muito fã da série e das discussões que ela levanta sobre nossa relação com a tecnologia e as conexões digitais. joan é horrível conta a história de uma mulher que vê sua vida transformada em uma série de streamimg em tempo real, estrelada por salma hayek. eu gostei tanto que nem dei o play na história seguinte pra poder pensar mais sobre esta. já tá no meu top 10 de episódios preferidos.
TOP 10
melhores episódios de black mirror
san junipero
hang the dj
15 milhões de méritos
nosedive
urso branco
hino nacional
arkangel
calaboca e dança
joan é horrível
rachel, jack and ashley too
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? é só chamar na dm . qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Tenho por mim que certas descobertas de si mesmo só são possíveis se experimenta a solitude. Eu particularmente vejo esses momentos como necessários para a saúde física e mental hahahaha
Ah, mas eu sei muito bem como é isso de "ser você mesmo a sua melhor companhia". Sempre me sinto mais à vontade e em paz quando estou sozinho fazendo qualquer coisa do que na companhia de outras pessoas (ou, pelo menos, da maioria delas).