eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
#4: moda de viola, toada sertaneja, e o goiano mais goiano do estado de goias
cinco curiosidades sobre mim:
1. eu nunca sonhei com você
2. nunca fui ao cinema
3. não gosto de samba
4. não vou a ipanema
5. não gosto de chuva nem gosto de sol
mentira, isso é do tom jobim.
eu queria entrar na modinha do insta. mas tô de férias e fiquei com preguiça de pensar em 5 coisas dignas de eu achar curiosas. e eu me acho muito normalzão, minhas issues tão mais pra patéticas que pra curiosas.
mas se você continuar lendo minha newsletter vai ter muito mais que cinco fatos aleatórios toda semana. eu tô dividindo minha vida aqui, bicho, vê se não me deixa falando sozinho.
hoje mesmo tem meu profundo incômodo com quem critica o sertanejo (mesmo não gostando tanto de sertanejo), um top 10 de melhores modas de viola e uma homenagem ao goiano mais goiano que já existiu em goiás. vem comigo!
UM DESABAFO
sertanejo just wanna have fun
dia desses viralizou um trecho de uma entrevista de kamilla fialho, ex empresaria da anitta, falando do poder do agronegócio em colocar artistas sertanejos nos topos das paradas de radio e streaming. a razão dessa presença maciça, segundo a moça é "muito dinheiro, meu amor. ali é boi. eu pago para tocar uma música na rádio e eles compram a rádio... como fica a concorrência?"
o trecho viralizou acompanhado de uma crítica social foda argumentando que a cultura sertaneja é responsável por tudo de ruim que existe no brasil, já que é o agronegócio quem financia os artistas e também forma a base aliada do atual governo.
era um tal de "baixa qualidade" pra cá, "monocultura musical" pra lá, gente mencionando que "graças a deus eu nunca escutei sertanejo". segundo eles, foram os artistas sertanejos que levaram o inominável ao poder. claro, elba ramalho, nana caimmy, claudia leitte, baby do brasil, zizi possi, tudo sertanejo agora né? ah, essa esquerda vila madalena nem disfarça seus preconceitos.
#forabolsonaro à parte, ao ver os textões e threads eu notei a ausência de um ponto chave na discussão: a moça que reclamava do poder do sertanejo disse em bom tom que também usa de "jabá" pra bombar seus artistas do pop e do funk.
então devagar com esse caps lock aí, que a reclamação parte de uma galera querendo chegar lá, mas sem discutir e repensar a indústria pra que mais gente tenha espaço. se o movimento com mais destaque fosse um adulado pela crítica, ninguém tava falando em monocultura.
goste ou não, a música sertaneja reflete as paixões e os valores de uma parcela muito grande da população. o nome disso é cultura popular. uma gente que não quer e não deve ser tutelada por ninguém. é preciso reconhecer esse apelo como legítimo e parar de tratar este brasil que ama sofrencia como uma nação de pobres coitados.
quer atingir esse público, começa a escutar o que ele diz. o que o mano brown falou no comicio do pt em 2018 vale aqui: quer ser popular se comunique com o povo. fora que os grandes artistas populares do brasil não tão nem aí pra "monocultura" do sertanejo. nunca vi uma marisa monte ou um caetano reclamando disso.
óbvio que a lógica do mercado é produzir artista como quem fabrica salsicha e, com isso, há muito pouca variedade e inovação, mas: 1 - esse é um problema do capitalismo; 2 - todos os segmentos de música em todo o mundo padecem desse mal. 3- gente genial e gente medíocre há em todo lugar.
para todo pretexto que usam para atacar a música sertaneja eu posso apontar o mesmo problema também em outro segmento musical. no fundo o que esses pernalonga de batom não conseguem é disfarçar que pra eles só o que eles gostam tem valor e pra eles gostarem tem que passar pelo crivo de meia dúzia de intelectuais amargos.
dito isso, devo confessar que não escuto quase nada de música sertaneja atual. sou goiano, caipira, cresci ouvindo chitãozinho e xororó, leandro e leonardo, almir satter e moda de viola. me arrepio com pena branca e xavantinho, milionário e josé rico, irmãs galvão. o primeiro show que vi na vida foi de rio negro e solimões. perdi munha virgindade num parque agropecuário, numa festa de peão. mas isso já é outra história.
mas teve um momento ali depois de gian e giovani e antes de vitor e leo em que eu perdi completamente o bonde. não acompanhei nada desses artistas novos, tava conhecendo outras coisas. quando vi, já havia uma cena completa de artistas nos quais eu não via muito apelo. com exceção de marilia mendonça, pouca coisa ali me comove.
nunca ouvi jorge e mateus com atenção e não sei se acharia o villa mix divertido, mas entendo muito o fenômeno que é o sertanejo universitário. é onde o urbano encontra o rural. só falam de carro, bebida e mulherada? metade do rock também. é um ambiente machista? o rap, o samba, o rock também são. é elitista? e o que não é?
deixa a galera curtir o que gosta. imagina perder tempo ocupando com o que eu não gosto em vez de ouvir em vez de ouvir e apior artistas que admiro?
e pra terminar: muito cafona esse papo de bom gosto, né não?
UMA HOMENAGEM
caipira pira pora
saramago dizia que é preciso sair da ilha para ver a ilha. é preciso sair de seu ambiente para se conhecer de fato quem se é de verdade. em quase cinco anos morando fora do brasil eu me sinto mais goiano que nos mais de 30 anos morando em goiás.
tenho ouvido musica da minha terra e cozinhado com o temperinho de açafrão da minha mãe todo dia. talvez para me sentir mais eu mesmo. veja bem, eu amo ser um cidadão do mundo e detesto apegos que nos fixam no chão e não nos deixam sair do lugar. mas tenho entendido que, tudo que eu posso oferecer ao mundo parte de um lugar amarelo-pequi, com cheiro de mato molhado de orvalho, gosto de de milho verde, som de viola e sotaque do geraldinho nogueira.
neste momento eu estou passando férias numa fazenda no meio de goiás e vivendo, em uma semana, um intensivo de volta às minhas raízes caipiras. e nada mais caipira que contar causo. por issso resgato aqui a memória do goiano mais goiano de goiás, geraldinho nogueira.
geraldinho nasceu em 1913, numa currutela do interior. viveu sua vida como um caipira típico: trabalhou na roça, casou-se cedo, teve muitos filhos e se dedicou às paixões sertanejas: folia de reis, catira e cachacinha.
seria apenas mais um lavrador, não fosse sua capacidade ímpar de encantar as pessoas contando seus causos. (nota: um causo é uma história bem contada). suas observações espirituosas, a risada característica, o jeito manso de falar e o sotaque bem carregado eram o tempero de suas histórias.
descoberto por um programa de tv (o maravilhoso frutos da terra) nos anos 80, ele caiu nas graças do povo e logo passou a lotar auditórios e teatros contando de forma jocosa coisas da vida no campo. apareceu na tela da globo e fez o lima duarte se desdobrar de rir contando do dia em que tentou “domar uma bicicleta” (video abaixo).
geraldinho morreu há 29 anos mas seu espirito de contador de causos ainda ecoa. ele foi a cara mais conhecida de muitos outros matutos contadores de causos espalhados pelo meu estado.
UM PODCAST
prepare o seu coração
quer saber mais sobre as origens da música sertaneja e como ela chegou com presença maciça às radios, shows e streamings? a jornalista - goiana - lorena lara tem uma série maravilhosa onde divide com a gente tudo sobre o tema. um dos episódios por exemplo é todinho sobre a viola caipira. ouça aqui.
e já que chegou até aqui, veja meu top 10 de melhores modas de viola.
a sementinha - lourenço e lourival
cuitelinho - pena branca e xavantinho
as andorinhas - trio parada dura
o rei do gado - tonico e tinoco
porta do mundo - peão carreiro e zé paulo
chalana - almir sater
meu reino encantado - liu e léu
nelore valente - dino franco e moujraí
moda da mula preta - rolando boldrin
moda da pinga - inezita barroso
escute aqui.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book pela amazon.
leia também:
foi um sonho de verão numa praia
Moro no interior paulista e sei da importância do sertanejo, cresci com o meu pai ouvindo músicas como "Ainda ontem chorei de saudade" e "Franguinho na panela" e, mesmo não gostando muito do gênero, elas têm um lugarzinho no meu coração também. Acho a discussão sobre monocultura muito pertinente, mas você tem razão, muitas vezes é só um motivo pra fazer juízo de valor, é complicado. Você não tá falando sozinho, viu, suas newsletters são muito interessantes :)