bem-te-vi
#88: foi o barulho de um pássaro que me fez não ouvir os barulhos de dentro da minha cabeça e aprender que o frio não é eterno. nada é.
olá vocês!
atenção. gatilho: suicidio.
eu tenho uma porção de tatuagens e cada uma conta uma história sobre mim. e a que eu gosto mais é o bem-te-vi no peito. eu costumo achar chato gente que que conta uma história longuíssima para explicar o significado de uma tatuagem, mas neste caso eu juro que vale a pena.
no inverno de 2018 eu enfrentava um perrengue absurdo em buenos aires. eu estava quebrado, vivendo de pequenos bicos, dormindo no corredor de uma república de estudantes; também enfrentava o luto da perda recente da minha melhor amiga; tinha terminado um namoro breve, mas conturbado com um cara que eu amei muito, mas me fazia mal. e pra completar, o tempo não ajudava muito, tudo era cinza, seco, frio e solitário.
eu já havia passado por tempos difíceis antes, mas este foi um dos momentos mais desafiadores da minha vida, porque eu estava longe da minha família, com poucos amigos e não via muitas perspectivas a curto prazo. logo, isso se tornou uma porta aberta para a tristeza. sem ter muito o que fazer, eu às vezes me isolava no terraço pra pensar na vida e tentar achar uma saída. confesso que a saída mais definitiva de todas passou algumas vezes pela minha cabeça.
foram alguns dias assim, até que um dia, do nada, eu comecei a escutar um som bem conhecido. era um bem-te-vi. já era inverno há tanto tempo que eu nem lembrava mais a última ver que que tinha escutado um pássaro. de repente, não era somente um, mas muitos sons, de várias espécies de passarinhos. e logo, uma revoada deles em direção a um jardim que havia ali perto.
as aves que estiveram recolhidas (ou migrando?) no frio estavam voltando, era sinal que o inverno estava acabando. e foi como se algo maior que eu estivesse me dizendo que tudo na vida passa, nada vai durar para sempre. em pouco tempo eu consegui um bom emprego, voltei à terapia, fui adotado pelos amigos da minha amiga e curei meu coração. na primavera eu já estava florido como um jacarandá.
o bem-te-ví é uma espécie muito comum em quase todo o brasil e em vários países do continente americano, desde a argentina até a costa dos estados unidos. e em cada lugar tem um nome, quase todos ligados ao que o som que seu canto parece emitir em três sílabas: cristo fué (venezuela), bicho feo (argentina), chicha fría (colômbia) , victor díaz (peru), kiskadee (usa) e qu´estce (guiana).
para mim é um som que me faz lembrar de férias na roça, de mato molhado de relva, de cheiro de bosta de vaca, de café moído na hora e passado no coador de pano. e desde então, o canto do bem-te-vi também é um chamado pra vida. por isso eu tatuei esse bichinho no peito uns meses depois. porque foi o barulho de um pássaro que me fez não ouvir os barulhos de dentro da minha cabeça. e também para não esquecer que o frio não é eterno, nada é.
há algum tempo eu li, ou não sei se me contaram, um dato que pode até ser lenda urbana ou até fake news. dizem que em algum lugar fizeram um estudo com pessoas que haviam tentado se matar. o estudo incluia acompanhamento da rotina, questionários, algo assim, nos dias seguintes ao que a pessoa foi salva ou dissuadida de levar a cabo a ideia do fim. segundo este estudo, em um numero grande desses casos, em média 10 dias depois, a vida da pessoa já tinha rodado e o ciclo de depressão e desespero já tinha atingido seu pico e passado.
como não encontrei nenhum registro desse estudo em nenhum lugar da internet, prefiro não tomar ele como verdade. só estou contando aqui porque, quando ouvi isso, ecoou aqui. as poucas vezes que experimentei esse desespero, resolvi seguir em frente só mais 10 dias. aguentar firme, esperar só mais 10 dias.
não sei se isso pode ajudar alguém aí, enfrentando seus próprios demônios, mas se for o caso, vale a pena seguir por aqui. a cada um cabe saber o tamanho de seus desafios. mas se a palavra de alguém que já chegou à beira do precipício algumas vezes vale algo, então eu vou dizer: isso também vai passar. ás vezes mais rápido que a gente imagina. então é questão de esperar um pouco mais, só um pouco de cada vez.
cada um tem um relicário de motivos para seguir vivendo. nem sempre a gente se lembra deles porque é muito ruido interno. e é por isso que vale a pena pedir ajuda e procurar um especialista. e colocar pra fora, confidenciar com alguém, escrever num papel, até mesmo falar em voz alta. a nossa mente mente muito e nos dá muita ideia errada. melhor escutar os passarinhos.
mudando de assunto
minha amiga annanda mandou uma mensagem contando algo incrível: uma amiga deu pra ela um livro que ela achou na rua em barcelona. com uma dedicatória do autor. o livro é lula sem censura: … e aí a peãozada partiu pro pau, escrito em 1982, o ano em que eu nasci, quando o lula era líder sindical. ou seja, esse livro esteve nas mãos do nosso presidente há 40 anos, e veio parar na mão de uma brasileira em buenos aires no dia em que a argentina passava pela eleição mais acirrada dos últimos tempos. eu amo essas poesias da vida.
não paro de repetir “jamais tolerarei”. erika hilton obrigado por existir.
uma coisa boa de preparar seu próprio casamento e ninguém te conta: sentar com seu amorzinho pra escolher músicas pra tocar na festa.
a série argentina nada (star+) é incrível. primeiro por buenos aires ser um personagem tão importante na história quanto os outros personagens. eu sou fã de uma cidade. segundo, porque fala de comida o tempo todo. terceiro, porque o humor ácido típico porteño dá o tom dos diálogos. e por fim, robert de niro hablando em espanhol a diferença entre boludo e pelotudo. série curtinha, vale muito a pena.
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
💕💕💕
não li a primeira parte por motivos de gatilho. mas adorei essa coincidência do livro ainda mais num data dessa!
não tem um dia que eu não diga "jamais tolerarei" pelo menos umas 5x hahaha!