aos trancos e barrancos
#67 o outono é sempre igual. infelizmente assim é a vida, o que encanta a alguns pode ser o pesadelo de um monte de gente
olá, gente!
se eu fosse uma estação do ano, eu seria o outono. eu gosto de pensar que sou uma pessoa cálida, mas não excessivamente calorosa. que guarda resquícios da alegria de um verão intenso, mas na iminência de que um inverno vai chegar e trazer algo de triste. é ali, no instante de juntar forças para resistir que eu me encontro. eu amo a companhia das pessoas primavera, admiro a coragem das pessoas inverno e invejo a disposição das pessoas verão, mas eu sou uma pessoa de outono.
eu gosto dos ventos, da mudança das árvores para tons mais terrosos, do pôr do sol mais laranja que nunca. é a época do chazinho quente, de começar a usar pijama e meia, de passear pela cidade e apreciar a paisagem se tornando cada vez mais ocre e terracota. pensei nisto agora há pouco, voltando do mercado, pisando nas folhas secas das calçadas. chega um momento em que é impossível evitar-las, há mais folha que calçada para pisar, não importa quantas vezes a prefeitura faça o trabalho de varrer e coletar as folhas. eu gosto do crec-crec que faz quando piso em cima delas, ou quando passo de bicicleta.
mas nem tudo é poético, as folhas podem entupir calhas, bueiros e dutos de água. e, acumulado com a já colossal quantidade de lixo, pode fazer um estrago com as chuvas mais fortes desta época. porque infelizmente assim é a vida, o que encanta a alguns pode ser o pesadelo de um monte de gente. por exemplo, o inverno que muita gente adora representa um perigo real para pessoas em situação de rua. o verão não é só diversão: com suas chuvas, acaba causando deslisamentos de barrancos. a primavera, sempre tão bacana, tão galera, é um inferno na vida de quem tem alergia. e o outono é sempre igual, as folhas caem etc.
mas se sabemos que vamos ter os mesmos problemas em determinada época do ano, porque diabos não fazemos algo para impedí-los? parece tão simples, não é? ah, querida, nada é simples nessa vida, se algo parece simples é porque não estamos observando bem.
parêntese: eu odeio com força qualquer sugestão, por mais bem intencionada que seja, que comece com “é só”. é só ter força de vontade, é só querer, é só acordar mais cedo, é só se empenhar mais, é só guardar dinheiro, é só fechar a boca. é tão evidente que nada na vida se resolve apenas com um click. eu tenho vontade de socar o coach de rede social que vem com esse papo. porque mesmo as coisa que mudam com um “simples” passo, precisam de tempo e paciência. eu confio muito no processo, mas desconfio demais das soluções mágicas. fecha parêntese.
enfrentamos sempre os mesmo problemas porque estamos equilibramos vários pratos ao mesmo tempo. quase nunca a vida pode parar para solucionar um problema que só vai aparecer de novo lá na frente. porque tem demandas mais urgentes. pra quem tem a vida descendo pelos barrancos, a única prioridade deve ser não morrer. depois vem calcular os danos. bem depois vem reconstruir o que foi perdido. e lá no lugar 19 ou 27 da ordem de prioridades vem estudar um plano para que não aconteça de novo. e muitas vezes acontece de não ser nada linear.
ah, então tem que se conformar e não mudar nunca, não resolver nunca? eu não disse isso. o ideal é que todo mundo tenha condições dignas de vida para poder se antecipar a intempéries, sejam elas um fenômeno meteorológico, um acidente, um mudança brusca de rumo. mas o que acontece é que a vida é real e de viés, como diz um antigo compositor baiano. e emergência, o próprio nome já diz, é uma coisa que emerge do nada e precisa ser enfrentada naquele momento.
outro parêntese: tem coisa mais chata que gente que escreve “o próprio nome já diz?” não tem, mas hoje cometi este crime, me desculpem. fecha parêntese.
eu gosto de pensar que ninguém se coloca em uma situação de risco porque gosta, ninguém gosta de criar problemas para ter que resolver depois. mas a vida é isso aí, tá tudo indo bem, com um ou outro probleminha que você acha que dá pra resolver depois, “agora não dá, tô cheio de trabalho”, ou “nossa, logo agora que eu tirei um tempinho pra descansar?”. e quando você vê, o problema tem cpf, bilhete único, cartão de desconto carrefour, tá morando com você e não ajuda a pagar as contas.
bem, comecei a escrever o texto de hoje pensando numa coisa e quando vi, já tô divagando sobre os problemas da vida. assim é a vida, fazer o quê? eu é que não vou ficar guiando pra onde um texto tem que ir. eu não consigo resolver todos os meus problemas, deus me livre de mais um.
UMA SÉRIE
lilly rush, eu te amo
tem coisas que estão na nossa vida há tanto tempo que nem reparamos mais que estão ali, né? por exemplo, sempre que aparece uma dessas correntes de “séries para me conhecer melhor”, eu sempre trato de enumerar as que me marcaram em momentos de crescimento, me fizeram rir em momentos em que eu precisava de um respiro, me ensinaram valorosas lições. mas eu nunca me lembro de mencionar uma das melhores séries já feitas: cold case, ou simplesmente arquivo morto, se você, como eu, via a versão dublada no sbt. então eu tô aqui pra fazer justiça.
nesta semana encontrei as 7 temporadas dando sopa no amazon prime e comecei a rever tudo. pra minha surpresa, a série não envelheceu nada. e era bem progressista para a época, apesar de uma série da tv aberta estadunidense de 20 anos atrás. temas como racismo, misoginia, violência doméstica, homofobia, tudo retratado e de maneira bem responsável, considerando a época em que foi feita. e a dramaturgia é de alto nível, dosando bem suspense e drama. não era raro um episódio me fazer chorar.
cold case é uma das incontáveis séries policiais filhas de lei e ordem que pipocaram entre o fim dos 90 e o meio dos 2000. mas essa tinha três atrativos que a tornaram única e a melhor entre as outras. primeiro, a série se concentrava em crimes do passado que seguiam sem solução, até chegar na equipe da agente de homicídios da filadelfia, lilly rush. a reconstrução dos fatos por meio de flashbacks é sempre muito bem feita, com atores muito parecidos fazendo as versões mais jovens e mais velhas dos personagens.
outro ponto a favor é a trilha sonora de cada episódio, com músicas do ano em que o crime foi cometido. como as histórias vão do começo do século 20 até os anos 2000, é sempre bom ver a seleção musical precisa, sempre de acordo com cada tema. e claro, a cena final, em que o culpado é preso (é uma série bem esquemática, ou seja, sabemos que no final o assassino é sempre descoberto) sempre tem um clipão ao som de um clássico da música pop.
e por fim, o maior trunfo de cold case é a protagonista, lilly (katrin morris), uma personagem obstinada, implacável, cheia de defeitos, mas que faz tudo para colocar assassinos na cadeia. é justa, embora ás vezes opere por meios pouco ortodoxos. bem na linha de personagens masculinos da época, como don drapper e dr. house, mas desta vez com uma mulher vivendo este arquétipo. claro que tenho um monte de coisa nova para ver, ler e ouvir, mas me desculpa, pelas próximas semanas, só tenho olhos e ouvidos pra lilly rush.
TOP 10
séries para me conhecer melhor
crazy ex-girlfriend
queer as folk
confissões de adolescente
orange is the new black
friends
fleabag
one day at a time
modern love
os normais
cold case
links, links, links!
meu hobby recente é ler crônicas antigas no portal da crônica brasileira. o site reúne o melhor do melhor já publicado em jornais brasileiros do século passado e também coisas contemporâneas. craques como drummond, clarice, fernando sabino, nelson rodrigues, rubem braga e meu amorzinho paulo mendes campos, todos reunidos pra ler em qualquer ordem.
“às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na vaidade; no álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer hora o amor acaba.” paulo mendes campos, o amor acaba.
eu sou fã de uma história bem contada. e quando é sobre os bastidores de algum produto da cultura pop que eu gosto, aí é o paraíso. a
, da newsletter imagina só, destrincha neste texto histórias deliciosas por trás de três clássicos do pop: hey jude, dos beatles, i will always love you, de dolly parton e you oughta know, de alanis morissette.e o texto mais forte da semana é uma discussão importantíssima sobre privilégios.
faz um inventário de todos os privilégios que herdou sendo um homem branco de família classe média. leitura obrigatória para todo mundo.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.