a vida secreta dos calendários
#27: os meses: divindade, divindade, divindade, divindade, divindade, divindade, imperador, imperador, número, número, número e número.
oi você.
estamos a 82 dias para as eleições, 159 dias para a final da copa do mundo, 173 dias para a posse do lula e 255 dias para o carnaval 2023. se tudo conspirar a favor, serão quatro carnavais empareadinhos um com o outro. vamo na fé que vai ser um enorme fevereiro pro brasil.
vamos combinar que fevereiro é o mês mais brasileiro de todos. de cabeça eu sou capaz de lembrar pelo menos umas 4 canções da mpb que citam o mês exaltando a alegria que ele evoca. apesar de ser apenas a terça feira do ano, é o mês em que menos se trabalha, em relação aos demais. e o holerite de 28 dias vem igualzinho se você tivesse trabalhado 30 ou 31. e mais rápido. e tem um feriado prolongado no meio, em que se celebra a alegria, a descontração, o hedonismo: o carnaval. mais brasileiro, impossível.
mas você sabia que durante muito tempo na história fevereiro nem existia? e que depois de inventado, foi uma luta pra definir quantos dias ele tem? por que existe ano bissexto, afinal de contas? sabia que por duas vezes na história fevereiro teve 30 dias?um dos meus small talks preferidos é calendários, então vem comigo que neste texto eu vou dividir com vocês cinco ou seis coisinhas que aprendi sobre a contagem do tempo.
vem comigo!
para começar, vamos voltar até o império romano, um tempão aí antes de cristo. os romanos usavam um calendário datado da época do imperador rômulo, aquele mesmo que foi amamentado por uma loba e fundou roma. calendário vem de calendas, que é como chamavam os primeiros dias do mês e também quando o povo pagava impostos. ou seja, não é de hoje que o boleto chega todo mês. este calendário tinha 10 meses lunares, que iam alternando meses de 30 com meses de 31 dias.
o ano começava em março (do latim martius, em homenagem ao deus da guerra), depois vinha abril (há uma versão que diz que venus em etrusco se chamava aprus e outra que defende que vem de aperire, que seria o mês em que as flores se abrem — no hemisfério norte é primavera nesta época), seguido de maio (maius da deusa maia), junho (junius da deusa juno) e apartir daí, pararam com os deuses e começou a numerar: quintilius, sextilis, sectembris, octobris, novembris, decembris. isso explica porque dezembro, mesmo sendo o 12º mês tem um “dez” no nome.
entre o final de dezembro e o começo do ano seguinte, em março, não havia nada. quer dizer, havia, mas não tinha nome. o negócio é que já existia a noção de que o ano levava 12 meses pra dar uma volta em torno do sol produzindo quatro estações. só que o inverno, janeiro e fevereiro no hemisfério norte, é muito rigoroso. é um período onde todos se recolhiam em casa e não havia colheita, plantio, criação de animais, enfim, trabalho. e sem trabalho, sem calendas. ou seja, o tempo romano só se contava para marcar os períodos em que se pagavam os tributos. filius da putius!
e isso também explica porque o horóscopo começa em áries, já que é a primeira constelação do zodíaco a passar pelo sol depois do ano novo romano.
só que esse arranjo de contas era meio irregular também, primeiro porque não era uma contagem totalmente difundida, segundo porque era uma cruza de calendário lunar, com doze ciclos completos da lua, com o solar, que contava o ano pela volta da terra em torno do sol. tinha que contar com a boa vontade da neve de acabar no dia certo e a primeira flor brotar no dia combinado.
então ali pelo século 7, quase 6 antes de cristo, numa pompílio, segundo rei de roma que resolveu botar ordem no galinheiro: “vamos a respeitar os ciclos lunares e ter um ano de 355 dias”. e nesse oco entre dezembro e março enfiou dois meses, januarius em homenagem ao deus janus (o deus com duas caras, uma voltada para o passado e outra para o futuro, ou seja o que abria e fechava ciclos) e februaris, em homenagem ao deus plutão, conhecido nas saunas de roma como februs, purificação em latim, onde se sacrificava animais para a terra voltar a ser fértil.
pois bem, pompílio instituiu que iam ser intercalados meses de 31 e meses de 29. o motivo? é que os romanos acreditavam que números pares davam azar. só que alguém sacou um ábaco do bolso (não sei se as togas tinham bolsos, mas enfim), fez umas contas e viu que não dá pra ter 12 meses impares e ficar com 355 dias. o resultado é sempre par quando você soma uma quantidade par de números impares.
então fizeram 4 meses de 31 dias, 7 meses de 29, e enfiaram o número par da ziquizira em fevereiro, já que ninguém ia com a cara de plutão mesmo. pois bem, o ano tinha 355 dias, compensava os ciclos lunares, mas não o ciclo completo da terra em volta do sol. estava mais organizado, mas ainda andava mal das pernas, né? aí uns aninhos depois, alguém teve a brilhante ideia de, a cada quatro anos somar dois meses mais. um de 22 e outro de 23 dias. como se fosse menos zoado. imagina os fabricantes de folhinha loucos das calças com tanta mudança.
mas com toda essa bazóvia eles seguiram por quase seis séculos. somente em 46 ac, com sosígenes de alexandria, um matemático, astrônomo, filósofo e lateral direito do lazio, é que haveriam mudanças nesse modelo. sosígenes conhecia o calendário egípcio e sabia de uma reforma que haviam tentado fazer e por fim desistiram.
sosígenes chamou o então imperador júlio cesar no cantinho e deu o papo: “olha só, eu achei esse calendário aqui na lixeira dos egípcios e sei lá, se a gente mudar un nomes aqui, outro ali, dá até pra falar que foi a gente que inventou. já tenho até o nome: calendário juliano. o que achas?” júlio cesar que não era bobo nem nada falou “é nóis, queiróis!”, e tome mudança!
mas havia uma defasagem bem grande de antes. então júlio falou, “se vamos começar, vamos fazer direito”. sacou o ábaco do bolso e soma daqui, diminui dali, descobriu que estavam atrasados 80 dias. “bem que eu notei que fui esquiar e tinha flores”, disse o imperador. e agregou esses dias ao ano.
e foi assim que 46 ac teve 445 dias, 365 da versão nova do ano, mais os 80 que estavam faltando. e você achando que este ano tá demorando pra acabar. há diferentes versões dessa história, algumas com mais outras com menos dias. mas o que todos concordam é que ao fim, julio chamou o ano de “o último ano da confusão”. um baita slogan político, se eu fosse o lula adotava pra campanha dele: 2022, o último ano da confusão.
o ano seguinte, 45 ac, o primeiro do calendário juliano, a superstição com negócio de numero par já tinha caído em desuso, então os meses se alternavam: martius, maius, quintilius, sectembris, novembris e juanuarius com 31 dias e aprire, junius, sextilis, octobris e decembris com 30 e fevereiro com 28.
e quando é que fevereiro teve 30 dias? calma que ainda não é agora. não só júlio cesar colocou os dias acomodados nas caixinhas como resolveu um problema astronômico. a terra dá a volta ao sol em 365 dias, certo? quase certo. o tempo exato é de 365,25 dias. ou pra ser mais exato 365 dias mais 5 horas, 45 minutos e 46 segundos.
arredondando, tinham seis horas sobrando ali. um dia inteiro perdido a cada 4 anos. com um dia extra, dava pra resolver o problema. logo atocharam esse dia em fevereiro, que tinha menos dias. mas não no final do mês, como qualquer pessoa normal pensaria. decidiram que a cada quatro anos o dia 24 de fevereiro ia ser duplicado. ou seja, um dia da marmota, termina e começa de novo. como naquele tempo se contavam os dias que faltavam para o começo do mês, o dia 24 era o sexto dia para as calendas de março, assim o dia 24 parte 2 era o “bis” sexto dia. logo esse ano passou a se chamar ano bissexto.
só que o concílio romano, um bando de velho rabugento (e tenho pra mim que terraplanista), achou por bem que o ano bissexto era muito legal e resolveram que ia ter um a cada três anos. é que nem a minha mãe fala quando limpa a casa: “é um pra arrumar e um monte pra bagunçar”.
sabe o imperador júlio césar, que não tinha nenhuma superstição? mór-reu. em seu lugar vem marco antônio que decidiu batizar o mês de quintílis de julius. 21 anos depois, em 23 ac assume o trono otávio augusto. e mal começa a governar e já começa a dar piti: “eu também quero um mês com meu nome!”. pensando bem eu também faria o mesmo.
assim, o mês de sextilis passou a se chamar augustus. mas o mimadinho queria mais: exigiu que seu mês também tivesse 31 dias. “o meu não pode ser menor que o dele!”, bradava. homem insatisfeito com o tamanho do pinto é fogo, viu. aí pra não dar mais bagunça, colocaram julho e agosto com 31 dias e inverteram a ordem dos meses seguintes, setembro com 30, outubro 31 e daí por diante.
bom, o calendário tava quase no grau, mas com essa palhaçada de ano bissexto a cada três anos, a conta não fechava. no ano 8 depois de cristo, o imperador césar augusto definiu que não haveria bissextos por 36 anos para corrigir a bagunça. ufa, finalmente acertaram tudo né? quem dera! lembra daquela arredondada pra mais ali que deram pra dar 365 dias e 6 horas a translação da terra? bom, somando esses centavos de tempo que fica de fora, a cada 128 anos dava uma defasagem de um dia. não é grave, mas vai acumulando.
no ano de 325, no concílio de nicéia decidiram que iriam festejar a páscoa sempre no primeiro domingo depois da lua cheia que saia depois do equinócio de primavera no hemisfério norte. só que com o passar dos séculos perceberam que essa data, que já é móvel, estava retrocedendo mais, e pela matemática, iam chegar ao momento em que o equinócio viria em janeiro. os supermercados nem bem se livraram do estoque de panetone e já vinham os ovos de páscoa. 1545, concílio de trento viram que estavam adiantados 10 dias. já não tinha mais negócio de império romano, quem dominava os paranauês era o papa gregório.
gregório reuniu uma galera pra achar uma solução. ao fim de anos de estudo, decidiu-se que os anos terminados em 00, ou seja, múltiplos de 100 não seriam bissextos. mas com exceção de quando fosse um múltiplo de 100 mas também de 400. e é por isso que o ano 2000 foi bissexto, apesar de ser um ano terminado em 00. pausa pro meme da nazaré fazendo conta.
e é também por isso que dizemos que o calendário que usamos é o gregoriano. mas ainda tinham 10 dias sobrando. e foi assim que dormiram no dia 4 de outubro de 1582 e acordaram no dia 15 de outubro de 1582.
e o dia 30 de fevereiro, quando é que veio? senta que lá vem história. acontece que o não é como se todos os países estivessem de acordo com o calendário gregoriano. os países que estavam alinhados com a igreja católica suprimiram esses 10 dias no mesmo dia: espanha, itália e portugal, por exemplo. outros faziam como bem entendiam. o reino unido só foi adotar em 1752. a grécia foi mais rebelde e só em 1923 adotou a reforma.
a suíça resolveu adotar em 1699. só que em vez de tirar 10 dias de uma vez, pensaram: “se nos anos bissextos colocamos um dia a mais, então é só ficar 40 anos sem esse dia”. grande idéia. no ano seguinte, 1700 não tiveram ano bissexto, então tinham agora 9 dias a mais. só que em março deste mesmo ano, começou uma guerra que levaria pelo menos 20 anos pra terminar. e lá por 1711, alguém lembra do esquema do ano bissexto e percebe que tinham esquecido de não ter ano bissexto em 1704 e 1708.
como ninguém estava com cabeça pra fazer conta, decidiram que não só iriam voltar para o calendário juliano, como também iriam colocar esse dia que agora estava faltando no mês de fevereiro. então em 1712 na suíça o mês de fevereiro teve não um, mas dois dias bissextos, logo, pela primeira vez houve um 30 de fevereiro. em 1753 decidiram saltar os 10 dias e passaram para o calendário gregoriano.
o segundo 30 de fevereiro aconteceu na extinta união soviética. em 1929, decidiu criar o calendário revolucionário que seria uma forma de dividir as jornadas de trabalho em semanas de 5 dias. na teoria a ideia até que era boa, só que não rolava na prática. todos os meses tinham 30 dias e os 5 ou 6 dias que sobravam eram distribuidos pelo ano como feriados ligados á causa, como o dia de lenin e o dia da revolução proletária. a ideia da semana de 5 dias era, a princípio boa para o trabalhador, porque este trabalhava 4 dias e folgava 1.
só que para que a economia não ficasse um dia parada, esse dia variava conforme a categoría. ou seja, se você trabalhava de motorista de ônibus e seu crush de atendente de farmácia, vocês nunca poderiam ter folga no mesmo dia. o domingo era um dia laboral qualquer, nada de festa. enfim, depois de dois anos, perceberam que não tava rolando e voltaram ao calendário anterior. assim, em 1930 e 1931, na união soviética, fevereiro teve 30 dias.
ufa, demorou bastante chegar aqui, e olha que eu só falei do calendário cristão/ocidental. existem outras formas de contar o tempo, desde os maias até os chineses. desculpa o texto muito longo. ás vezes, quando a gente passa por uma sucessão infinita de notícias ruins nos jornais, precisa simplesmente falar, falar e falar sobre qualquer outra coisa. eu falo sobre calendários também porque contar os dias é uma forma de me lembrar que esse pesadelo está perto de acabar. e quando este dia chegar, pode apostar, será um fevereiro infinito.
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Hahaha, tá inspirado, hein? Adorei as referências!
E, a propósito, vê-se que Numa Pompílio era mesmo um político carreirista, já que depois de ter sido rei de Roma, mais tarde elegeu-se vereador em Tubiacanga.
Só não gostei nada de terem pulado meu aniversário lá em 1582...