a vida depois do tapa
o famigerado evento no oscar 2022 rendeu meses de discussão. e olha que só passou uma semana
minha gente, desculpa o atraso, mas antes tarde que mais tarde, né?
sinto informar, mas vamos ter que falar daquele assunto que ninguém aguenta mais, mas que é o grande elefante branco de 2022: o tabefe que o will smith deu no chris rock. mas eu juro que não vou fazer nenhuma comparação entre o ato e a invasão russa à ucrânia ou comparando a violência na cerimônia com o bolsonarismo, e graças ao bom deus, você não vai ler aqui nenhum chorume de humorista branco. mas vamos falar em como este evento tornou pior o que já estava insalubre: o site twitter.
tô pensando em trazer alguns textos ligados à sociedade em rede pra cá. não sou especialista em nada, a ideia é compartilhar alguns incômodos mesmo, criar juntos algumas boas soluções para um ambiente virtual mais saudável dentro do possível. também neste número de five ou six lirou things, uma citação linda da lygia fagundes teles que nos deixou ontem, e uma lista de coisas que eu gostei e recomendo.
vem comigo!
UMA REFLEXÃO
o twitter é uma série ruim que não acaba
eu gosto de pensar no twitter como uma série: no começo era meio freaks and geeks, uma coisa só para iniciados; depois veio a fase seinfeld, reflexões espirituosas sobre o nada. passou por um tempo sendo the office, com piadas internas que nem todo mundo entendia; ali por 2009, quando ficou mais popular, o twitter era friends: sucesso absoluto, amado por todos, bordões sendo sempre repetidos; com o tempo foi virando glee: barulhento, colorido, mas ainda assim divertidinho, embora às vezes irritante. desde 2018, o passarinho azul está no modo walking dead, um troço sem sentido que passou da hora de acabar.
há um par de semanas dois casos me chamaram a atenção no twitter: em um, um rapaz contava a seus quarenta e poucos seguidores que tentou dar um brigadeiro escondido antes de uma festinha pra uma criança, que em vez de aceitar o doce, o dedurou para a mãe. de alguma forma este tweet viralizou e em menos de 12 horas, milhares de pessoas inflamadas bradavam sobre pedofilia, sequestro de crianças e os perigos da obesidade infantil. a realidade é que o garoto só queria comer um brigadeiro antes da festa e a criança em questão, irmã da namorada, não queria desfalcar a mesa de docinhos de seu aniversário.
no segundo caso, uma mulher tatuou o nome da filha e postou no twitter um print de uma seguidora avisando que tatuar nome de filho é problemático porque vai que, no futuro, a pessoa transiciona de gênero e o nome passa a ser ofensa. foi o que bastou para a moça ser julgada e condenada como transfóbica contumaz, praticamente uma discípula de j.k. rowling. a moça apagou o tweet e trancou a conta. ps: a imensa maioria das pessoas que condenaram a moça é cis.
são só dois exemplos, mas todo dia há um surto coletivo deste. o que o twitter virou minha gente? cadê aquele site onde a gente celebrava nossas imperfeições e aprendíamos juntos? hoje parece que há uma olimpíada da correção moral, e o pior de tudo, quase nunca é sobre problemas reais, mas sobre situações hipotéticas. a criança que ~poderia~ ser sequestrada se aprendesse a aceitar doces de estranhos. a filha que ~poderia~, num futuro longínquo se descobrir uma pessoa transgênero ou não-binária e todos os prováveis danos que uma tatuagem poderia gerar na cabeça desta hipotética criança.
lembra quando a gente ria da moça que pediu pra outra apagar um tweet sobre a relação com o pai, porque, segundo ela, isso gera gatilho em muita gente? pois é, a coisa escalou muito e muito. e o site virou um campeonato que quem tem mais virtude, então qualquer experiência compartilhada no site, se não contempla todas as variáveis possíveis, gera este tipo de reação em manada. e há a galera que critica, e a galera que critica quem critica e a galera que pegou o bonde andando, deu um serach e em 30 segundo formulou uma linha de pensamento e assumiu uma posição. e mais um dia a internet está inabitável.
não dá pra dizer ao certo de onde vem esta pira coletiva de vigiar e punir cada entrelinha de cada tweet publicado, mas ouso dizer que tem relação com o uso da ferramenta por figuras políticas nefastas como trump e bolsonaro family. o nível de ódio gerado e compartilhado nos levou à radicalização dos nossos atos. fomos mordios por cães raivosos e estamos infectados de ódio.
estamos há tanto tempo rebatendo qualquer menção, ainda que velada, ao fascismo, misoginia, racismo, ditadura, pena de morte, neonazismo, que levamos nossos traumas de guerra para toda e qualquer esfera. enxergamos abuso infantil em brigadeiro e transfobia em tatuagem.
em outras palavras, endurecemos, mas perdemos a ternura.
outro ponto a se observar é que com todo esse volume de gente querendo salvar o mundo no twitter (e apenas ali), temas que poderiam avançar, acabam atravancados porque o fluxo de ideias, apesar de caudaloso, é bastante raso. e termos que poderiam ser difundidos para melhorar a compreensão acabam esvaziados de sentido, como problematização, empoderamento, gatilho, cancelamento, sororidade.
alguns assuntos estão sempre voltando num looping infinito, sendo monogamia x não monogamia, racismo recreativo e os limites do humor ocupando o top 3 de assuntos mais insuportavelmente debatidos. (e por debatidos, leia-se, gente com dados tirados do cu dando pitaco em temas que são e deveriam ser da conta dos envolvidos). e o tapa do will smith no chris rock fez um megazord de todos esses temas juntos.
é muita opinião. pra temas que ás vezes basta um pouquinho de humildade pra dizer “é, sobre isso aí, eu não tenho nada que acrescentar” e seguir a vida. digo isso, mas quem frequentou minhas redes ali por 2013, 2014, sabe que eu não era gente. era cada textão cheio de termos difíceis, muita indignação, muito cagação de regra. eu era esta pessoa:
foi preciso muito tapa na cara (metafórico), pra entender o que eu acho é importante, mas não altera em nada o curso das coisas. e que discussão na internet é pra ostentar virtude, o que muda o mundo não é o que a gente fala, mas o que a gente faz. já tem um tempo que eu tenho praticado o “tenho zero opiniões para isso”. para quase tudo na vida. e a minha vida melhorou muito porque metade das coisas que eu discutia na internet não existem aqui, no mundo real.
crimes na internet se combatem com denúncias, não dando palco para o criminoso. mas isso é tema de outra conversa. por agora vamos nos focar no volume de opiniões sobre coisas que, se você for parar pra pensar, nem são tão importantes assim no fim das contas.
então a gente não pode mais opinar? claro que pode, uai. e não deve debater mais nada? também pode, né. o ponto é que precisamos de um controle, não externo, mas interno mesmo, não só no twitter, mas fora dele. isso que eu estou tuitando neste momento afeta exatamente quem? e é esse meu objetivo? como diria minha orientadora, não é exatamente uma pergunta, é mais uma provocação.
pra terminar, é claro que eu fui afetado pela notícia do tapa no oscar, afinal é um ato simbólico ali que tem um milhão de leituras. mas já tem gente demais falando sobre isso, não tenho absolutamente nada a acrecentar. a não ser essa tirinha da laerte, sempre precisa.
ps: a discussão aqui é sobre o twitter, mas é claro que outras redes não estão isentas
de uma reflexão parecida. eu pretendo abordar mais sobre as redes sociais em outros textos, que virão em futuras newsletters. o que vocês acham da ideia? comente abaixo:
UMA CITAÇÃO
a literatura é uma prova de amor
A literatura melhora as pessoas?
pode melhorar, sim. pode desviar do vício, da loucura. pode estancar a loucura através do sonho. eu tenho um impulso, que talvez seja um impulso cristão, pelo próximo. eu tenho vontade de servir ao próximo, verdadeiramente. e a literatura me proporciona isso. e o que eu faço, acredito, com o máximo da competência que me é possível e com, com paixão, acaba chegando, de algum modo, no outro. nunca vou me esquecer de um jovem que ligou para mim, isso na década de 70, dizendo que estava lendo meus livros e, por causa deles, não queria mais se matar. eu comecei a chorar no telefone, perguntei o que tinha lido para pensar assim, em que texto ele sentiu que não queria mais morrer, e tal, eu estava muito nervosa, e o rapaz, muito emocionado também, respondeu que não sabia, só sabia que não queria mais se matar. eu perguntei: “o que é que eu posso fazer por você?” ele respondeu: “a sra. já fez”. e desligou o telefone. nunca mais ligou, mas eu tenho certeza que ele está por aí, em algum lugar. esse episódio me comove até hoje. eu fico relendo às vezes meus textos, procurando, procurando, qual a palavra, meu Deus, qual a palavra que foi capaz daquilo? nunca vou saber. mas essa certeza de que posso servir ao próximo, essa esperança, não vai desaparecer enquanto eu for viva. é uma forma de amor. acho que é isso. no fundo, a literatura é uma forma de amor.”
lygia fagundes telles, em cadernos da literatura brasileira do instituto moreira salles.
RECOMENDO
eu gostei e vai que você gosta também, né?
eu estou revoltado com vocês que não criaram hype algum sobre zoey and the extraordinary playlist. puxa vida, uma série ótima, dessas, e quase ninguém fala sobre. é um musical romântico, mas mesmo assim bem feitinho com personagens críveis, elenco muito bom e uma ótima seleção musical. fofinha, só teve duas temporadas, mas vale pra passar o tempo. tá na hbomax.
muito tem se falado sobre a importância de jovens tirarem o título de eleitor e votar pela primeira vez, mas tem muito marmanjo aí que não tá com o título em dia e por isso não vai votar. vamo galera, brasileiros, até o dia 4 de maio dá pra regularizar o título e/ou mudar o local de votação no site do tre. eu moro fora e vou fazer minha parte, conto com vocês.
o joguinho framed é ótimo: todos os dias sai um novo desafio, que consiste em adivinhar qual é o filme através de um frame. a cada chute, um novo frame é mostrado. são cinco chances de acertar. garanto que é tão aditivo quanto wordle ou contexto.
não há uma definição que contemple totalmente a maravilha que é o canal da faela maya no youtube. esquetes com textos muito engraçados escritos por faela e encenados por seus amigos e vizinhos de jaguaribe, interior do ceará. todos os vídeos são muito bons, mas eu recomendo começar pela novela pobreza brasil, entretenimento de qualidade.
minha amiga nicole desbloqueou esta lembrança ótima: os fones de ouvido da saraiva do flamboyant. os cds mais novos ficavam disponíveis pra gente ouvir, então era uma emoção passar na sessão de música deles pra ouvir o que tinha de novo. parece que foi há eras, mas foi nesse século ainda. ainda existem esses fones nas lojas de música? ainda existem lojas de música?
este tweet:
hey, chegou até aqui? pois se gostou ao ponto de ler até o fim, que tal apoiar essa publicação autoral, independente, sem recurso e sem assinaturas? eu ainda não tenho pix, mas você chamar na dm que a gente dá um jeito. qualquer quantia é bem-vinda, é só pensar quanto você investiria numa assinatura de um conteúdo que você curte. outra forma bacana de ajudar é compartilhar com quem você acha que gostaria de ler meu conteúdo. desde já muito obrigado!
júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book pela amazon.
Desde que cansei do facebook não usei mais rede nenhuma. No twitter parece que só tem gente amarga e no instagram só tem gente perfeita, não dá. Acho que a nossa cabeça não é feita pra saber de tudo e todo mundo o tempo todo. Prefiro newsletters, leio no meu tempo, clico nos links que me interessam e me mantenho atualizada do que acontece pelas redes, mas de forma indireta e bem por cima, só para afastar o fomo mesmo (funciona pra mim).
Já tava estranhando abrir o e-mail na segunda e não ter cartinha.
E que texto certeiro. Vai bem ao ponto pelo qual eu considero o Twitter a pior rede social de todas (entre as que uso). Chata, insuportável. É um telefone sem fio de maluco, um negócio absurdamente tóxico. Eu nunca consigo engrenar um perfil pessoal (já tentei três vezes) porque não me animo de escrever diante do que leio - embora essa overdose de comentários sobre tudo já tenha me enchido o saco desde os tempos do Facebook e seus "textões".
Mas a gente fica numa autocensura enlouquecedora, até pra escrever coisas à primeira vista inofensivas. E, por outro lado, o que já silenciei de gente falando bobagem também não tá no gibi.
É cansativo.