a paz que excede todo entendimento
#edição extra: uma conversa franca sobre religião e política, dois temas que são uma bênção, mas quando misturam, que grande tribulação!
oi gente!
no brasil temos a mania boba de dizer que sobre religião, política e futebol não se discute. aí a gente não discute e quando vai ver, plau: bolsonarismo, silas malafaia e 7x1. por isso eu vou falar sim. não sobre futebol, porque apesar de vilanovense, não entendo tanto assim do esporte. mas de religião e política, essa mistura que tem causado mais mal estar que leite com manga.
costumo dizer que uma religião é como um clube. imagina ser sócio de um clube em que você frequenta toda semana, até mais de uma vez. e encontra ali as mesmas pessoas, que se juntam sempre, em uma atividade comum e com um mesmo objetivo. o nome disso é pertencimento. é bonito pertencer. se você pertence a um clube, então pra entrar na piscina, você segue as regras, paga as mensalidades, observa os mandamentos.
é bom fazer parte de uma comunidade, então sempre que quiser nadar, você vai ao clube. é um ritual seu e dos outros sócios. só que existe água em outros lugares. rios, lagos, cachoeiras, córregos. o mar, então é água que não acaba mais. não é errado ser parte de um clube, se é o que alegra o seu coração. mas não há porque condenar quem vai nadar em outras águas. ou quem não quer se molhar em nenhum lado.
porque havendo um Deus (e neste texto vou considerar que sim, porque é como eu acredito), ele não está aprisionado em nenhum clube.
eu passei grande parte da minha vida frequentando igrejas, já que nasci em família evangélica, o que implica uma criação que só quem foi gospel kid entende. se por um lado eu (e meus irmãos e primos) crescemos com valores rígidos de disciplina, por outro tivemos acesso a um cabedal diferente de referências culturais. músicas seculares às vezes rolava no rádio, mas me lembro bem do toca-discos que ecoava hinos de shirley carvalhaes, mara lima, álvaro tito, kleber lucas. pra nós essas eram as verdadeiras estrelas da música. conheço muito gay cuja primeira diva pop foi a cassiane, a aline barros, a ana paula valadão…
ser uma criança crente é também saber os hinos da harpa cristã e histórias da bíblia de cor; ter no vocabulário corrente palavras como unção, bênção, tribulação, varão, oleiro, cajado, ímpio e iniquidade. é temer uma revelação no meio do culto que explane seus pecados inconfessos. é saber que quando alguém está falando em línguas estranhas durante um culto, chorando ou tremendo, é porque ali o espirito santo está se manifestando.
ser uma criança crente também é conviver com preceitos que nem sempre são entendidos. dependendo da igreja, uma mulher não pode se maquiar ou um homem não pode usar o cabelo comprido, por exemplo. na assembléia de Deus da missão, igreja que meu avô fundou em goiânia em meados dos anos 60, era pecado qualquer manifestação mundana: tv, música, filme, calça jeans, flerte, depilação, até coca cola. com o tempo, a doutrina sobre usos e costumes foi afrouxando um pouco.
na minha geração, certos desenhos e programas de tv eram considerados demoníacos e o critério não era de todo claro. não podia ver o xou da xuxa, mas tava ok ver a hora dukapeta no sbt? eu tinha pouca idade mas percebia a ironia da coisa. hoje eu sou cristão, mas não frequento nenhuma denominação, embora não me negue a ir quando me convidam, assim como posso ir a terreiros, mesquitas, sinagogas, reuniões de todas as matizes e matrizes.
mas ter sido um adolecrente é um traço inerente na minha personalidade. conheço bem os fundamentos, li a bíblia toda ainda criança e ainda hoje faço leituras esporádicas em momentos de buscar respostas a algum anseio. e nunca deixei de falar com Deus e de escutar quando sei que ele fala comigo. é uma profissão de fé, sem os dogmas de fazer parte de um clube. e uma escolha que me custou um tanto, mas que deixa meu coração em paz.
e é neste lugar de respeito ao uma fé que sei ser legítima, da minha família e de uma parte importante da população, é que eu me divido. por um lado me dói ver que as muitas igrejas do brasil estão cada vez mais conspurcadas com a sede de poder. por outro, vejo que cada indivíduo no fundo só quer poder exercer em paz sua fé e que talvez não tenha a noção exata do perigo que é um estado que deixa de ser laico e passa a contemplar somente irmãos de uma determinada fé.
nesse momento em que o país atravessa uma grande provação, pra ficar num jargão crente, é importante se lembrar do salmo 33:14, que diz:
“feliz é a nação cujo Deus é o senhor”.
muitos se baseiam nisto para insistir na ideia de que o brasil só será feliz quando tiver um presidente convertido, junto com ministros, deputados, senadores, todos seguindo a bíblia e governando para uma nação de evangélicos. mas voltando ao versículo, ele diz “nação” e não país ou estado. e sabe por quê?
porque nação significa a união entre um mesmo povo com um sentimento de pertencimento e de união entre si, compartilhando, muitas vezes, um conjunto mais ou menos definido de culturas, práticas sociais, idiomas. portanto, nem sempre uma nação equivale a um estado, ou a um país ou, até mesmo, a um território. existem muitas nações que são apátridas e muitas pátrias que agregam milhares de nações, como o brasil.
para garantir que haja respeito entre todas os indivíduos de raças, credos e religiões diferentes é que o estado deve permanecer laico. e uma das marcas mais lindas do povo brasileiro, é a diversidade de culturas em um mesmo território e o respeito que havia entre elas. com um estado apitando somente para um lado, os outros grupos tendem a ser perseguidos e marginalizados.
nesse momento em que o voto evangélico está no alvo de uma disputa entre duas vertentes políticas, é interessante notar como esse capital político vem sendo manipulado de maneira inconsequente, pra não dizer desonesta. sabe o principal meio de obter influência para garantir votos sem necessariamente trabalhar em prol da população? o medo.
quase todos os políticos eleitos sob a égide de “escolhidos do povo de Deus” têm um padrão: não apresentam projetos concretos sobre nada que de fato melhore a vida de toda a população (qualquer que seja a fé). antes, dizem que estão trabalhando para barrar inimigos imaginários: o comunismo, a ideologia de gênero, a dissolução da família. coisas que não existem.
ora senhores, o trabalho de um político eleito e pago pelo povo é combater a fome, o desemprego, a inflação, a corrupção, a violência, a desigualdade social. coisas que sim existem. os muitos anos de vida pública dos felicianos e bolsonaros da vida se resumem a isso, alardear sobre um suposto inimigo e não trabalhar de fato, apresentando projetos e contribuindo com a sociedade.
nesse segundo turno tenho visto muitos familiares e amigos compartilhando suas escolhas de voto, o que é sempre bom, porque participar da escolha de um representante é importantíssimo. mas vejo da parte mais conservadora e à direita esse apelo ao medo das pessoas: de que o brasil será comunista e perseguirá cristãos, que o aborto será liberado, que homens adultos e meninas pequenas usarão o mesmo banheiro.
votarão de novo num homem perverso que riu da morte de milhares de pessoas; que não articula três frases sem proferir preconceitos ou violências; que tirou verbas da educação e da saúde para investir num orçamento secreto para garantir apoio em seus desmandos e crimes. tudo isso por medo.
e é nesse momento em que recorro ao salmista mais uma vez:
“no dia em que eu temer, hei de confiar em ti.” salmos 53:3.
e como a gente pode afastar o medo? confiando em Deus e conhecendo a verdade, já que ela liberta.
o aborto ser legalizado não depende do presidente. (embora lula tenha razão em dizer que o aborto é uma questão de saúde pública. ser legalizado ou ser proibido não muda a realidade de que o aborto existe. e se a igreja é realmente contra e quer participar da vida pública do país, por que não apresenta alternativas para as principais causas das mortes por aborto, que são falta de educação sexual, pobreza, abandono do estado e desigualdade de gênero? já que o objetivo do evangelho é salvar almas, quem está zelando pelas almas das mulheres que morrem? como o evangelho chegou até elas, como um alívio ou como uma condenação?)
não existe comunismo no brasil, ou não como as pessoas acham que são governos comunistas. os governos do pt sempre estiveram mais ao centro, com um grande aceno ao mercado, aos banqueiros e empresários. e com muito mais trânsito entre demais países, tanto diplomatica quanto comercialmente. movimentos populares de esquerda que estão ligados a questões sociais, como diversidade sexual e trabalhadores sem terra, por exemplo, existem e precisam existir porque numa democracia há de haver espaço para todos dentro da lei. ninguém vai roubar sua casa pra dar para outra pessoa, nem obrigar seu filho a ser gay, isso é delírio.
durante todos os governos, sempre existiu liberdade religiosa para todas as denominações. sobretudo as religiões cristãs. é só procurar vídeos na internet e ver que esses pastores que estão do lado do bolsonaro já estiveram publicamente elogiando lula ou dilma em nome de seus fiéis. nenhuma igreja será perseguida porque 1: nunca foi, 2: não teria porque começar a ser agora.
ninguém em sã consciência faria banheiros de adultos e crianças no mesmo espaço e sem privacidade, e com toda a problemática do país em todas as áreas, quem é que começaria a tentar solucionar algo começando por banheiro público?
em carta aos filipenses, paulo dizia que
“ a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.” filipenses 4:7
e como haver paz e ao mesmo tempo compactuar com a morte? como pregar a paz, se para chegar a ela eu tenha prazer em ver mortos a quem eu considero inimigos? como construir um país se pra isso a gente tem que deixar um irmão pra fora do nosso convívio? pra que se armar, se quando pedro usou uma espada contra um soldado romano, o próprio jesus o alertou: “embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão.” (mateus 26:51)
amigo querido, amado familiar, não quero mudar seu voto, de verdade, a essa altura todo mundo já decidiu em quem vota. mas eu não queria passar esse período sem usar esse espaço pra dizer isso. vote em quem quiser pelas razões que você sente que são justas. mas pelo amor de Deus, não deixe que o lado sujo da política atrapalhe o evangelho, a boa nova de chegar aos corações que o necessitam.
da minha parte, além de usar meu voto, sigo firme no intuito de tentar orar pelos meus inimigos, essa parte linda do sermão da montanha que ninguém faz questão de lembrar. e sim, acredito que o amor vai vencer o ódio.
essa foi uma edição extraordinária da cinco ou seis coisinhas, porque senti que seria bom falar sobre esse tema que estava deixando meu coração aflito. pronto, falei, passou. espero que te faça bem também e se vc quiser ampliar o debate, dentro do que é saudável e produtivo, pode responder esse email ou na publicação original no site da substack. pode também encaminhar para alguém que vá gostar de ler este texto. um beijo grande, até a próxima.
Muito bom texto!