adeus, glória!
#55: a mulher que colocou cor na televisão e levou, por muito tempo, o peso de ser espelho de um brasil que não se via na tv
olá, você!
lutava contra o sono para ouvir a minha professora de jornalismo audiovisual proferir a terceira ou quarta bobagem racista daquele semestre. naquele já tão longe 2014, a ex-repórter de tv se orgulhava de que o brasil tinha um padrão de qualidade televisiva em que o repórter não devia aparecer mais que a notícia. e como exemplo ela dizia que “mulheres negras devem manter o cabelo sempre curto, porque muito volume chama a atenção”. mais de uma vez usou alguma colega negra como exemplo. ou ainda que “a pele negra dá muito contraste no vídeo, por isso não vemos tantos negros apresentando jornal”.
sim, a pouca representatividade de pessoas negras no jornalismo televisivo era fruto de um problema técnico, não de um sistema de exclusão. se alguém contestava esse absurdo ouvia que “infelizmente o mercado é assim”, e ficava por isso mesmo. como se a gente não estivesse ali exatamente para isso, para renovar o mercado e a sociedade. foi um semestre muito difícil, que eu só cheguei ao fim porque precisava muito daquela matéria. como trabalho final, meu grupo escolheu o racismo como tema de um doc e entregamos um vídeo que me dá orgulho até hoje.
eu me lembro bem desses eventos cada vez que aparece uma zileide, uma maju, um heraldo, uma joyce, uma flávia, esbanjando competência e negritude na tela da tv. e penso em quem vem antes, que teve que enfrentar um cenário muito pior, comandado por mentes como a da minha professora de audiovisual. eu penso na mulher que durante décadas foi sozinha a única representatividade negra num lugar de destaque na tv. eu penso em glória maria.
na edição de hoje, além de honrar a memória desta mulher incrível, também falo um pouco sobre o novo acústico mtv e listo os meus álbuns preferidos deste saudoso projeto. vem comigo!
UMA HOMENAGEM
obrigado, gloria!
já virou um clichê dizer que glória maria é a grande referência negra da televisão brasileira. mas é um clichê que tem razão de ser. agora que ela se foi, a gente pode rever toda a sua trajetória e reconhecer, ela era a maioral e ocupava um lugar gigante, real e simbolicamente falando. se temos hoje algumas pessoas negras ocupando espaços e se comunicando, informando e apresentando noticiários, é porque antes houve um caminho rasgado a força por glória maria. sozinha, diga-se.
para meninas e meninos pretos, que só se viam na tv servindo a patroa e levando chibatada, assistir a glória maria era como ser autorizado a sonhar. ver aquela mulher sorridente na tv, apresentando o fantástico e fazendo coisas impensadas, como voar em gravidade zero na órbita da terra ou viajar pelos cantos mais inusitados do planeta, era se ver possível. ver uma mulher inteligente falar de igual para igual com superstars como freddie mercury, madonna e michael jackson, era sentir que não é impossível chegar lá.
e foi lindo ser contemporâneo. ver desde criancinha tanta competência e carisma invadir nossas casas todos os dias. a voz, o porte elegante, os mistérios e as contradições da mulher que não precisava usar um sobrenome. era glória e era maria, e outras tantas mulheres em uma só. obrigado glória maria por haver existido e aberto tantas possibilidades e por amar tanto a vida.
UMA SAUDADE
ando meio desplugado
fui pego de surpresa com o anúncio no instagram da volta do acústico mtv. eu, como adolescente dos anos 90 amei a notícia. muito da minha educação musical começou daí, dos cds comprados a r$ 9,90 nas americanas com versões desplugadas de hits consagrados. aliás acústico até a página dois né? os shows ao vivo da mtv apresentavam versões mais calminhas das originais, mas a interpretação do que é acústico era freestyle, né? valia qualquer coisa.
a má notícia é que o show que escolheram para a volta do formato me decepcionou um pouco. acústico mtv: manu gavassi canta fruto proibido não é exatamente um disco ruim. mas tá longe de ser um bom trabalho. é um registro bem feito mas morno. e ser morno é um pecado grave quando se trata da obra da rita lee.
eu acho a manuga fofíssima, canta músicas ótimas, cheias de humor e ironia. mas achei docinha demais a voz dela cantando rita lee. faltou um tempero ali, não sei, acho que ela manda muito mais nas próprias letras. pra ser sincero, acho que o que faltou foi personalidade. você não pega uma coleção de canções que são eternas e grava como se fosse um karaokê. tem que ao menos tentar acrescentar alguma coisa a elas. se no lugar de manu tá a luiza sonza ou a wanessa camargo daria na mesma ali.
é tipo o silva cantando marisa monte: não é desagradável de ouvir, mas se tem a marisa original, pra quê que eu vou ouvir um cover pasteurizado? “ah, mas é bom porque aproxima o artista veterano de um público mais jovem”. mas as músicas da rita são atualíssimas, as gravações envelheceram bem demais e têm força para atravessar outras quantas décadas. não faz sentido fazer um disco de versões se não estiverem à altura do original.
pra não ser ranzinza, vou enumerar os pontos positivos. a banda tá muito boa, a guitarra moendo nos solos. liniker é perfeita participando de ovelha negra, deveria ser chamada para cartão-postal também, ficaria tudo de bom. tim bernardes em gracinha (de manu) também é bom de ouvir. escolher algumas músicas não tão conhecidas da rita lee também foi um acerto, como dançar para não dançar e a já citada cartão-postal.
escolher um repertório de outro artista também não foi justo com a própria manu gavassi. a querida já tem chão suficiente pra fazer um projeto desses com as próprias músicas. tanto que a melhor música do disco é a versão sambinha de bossa nossa. se em vez de um tributo tivéssemos um “acústico mtv manu gavassi”, com músicas de toda sua carreira em novas versões, esse álbum pudesse até entrar na galeria dos melhores já feitos. esperar que venha o próximo projeto e enquanto isso, botar o acústico mtv rita lee (1998) pra tocar na vitrola.
TOP 10
acústicos da mtv brasil
cássia eller
os paralamas do sucesso
ira!
rita lee
paulinho da viola
legião urbana
kid abelha
capital inicial
gilberto gil
titãs
acústicos mtv internacionais
nirvana
paul mccartney
eric clapton
mariah carey
pearl jam
shakira
lauryn hill
oasis
julieta venegas
neil young
LINKS, LINKS, LINKS!
um perfil do twitter dedicado a comidas que não existem mais. o @comidasextintas da
é muito bom, como tudo que ela faz. aliás, sigam a newsletter da lenda:já que falamos e celebramos e nos despedimos de glória maria, essa entrevista no podcast mano a mano é uma boa forma de relembrar e conhecer ainda mais a jornalista:
eu ando muito muito muito apaixonado pela versão de ludmilla para o clássico garota nota mil, do mc marcinho. parece que a música, que já era uma delícia, ficou 10x melhor.
um tratado sobre as sobremesas das famílias suburbanas do brasil no tiktok desta gênia aqui:
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júnior bueno é jornalista e vive em buenos aires. é autor do livro cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa, disponível em e-book na amazon.
Que coincidência você comentando o acústico da Manu Gavassi, Júnior!
Ontem eu tentei ouvir a versão dela de Ovelha Negra só porque tinha aberto a página da Liniker no Spotify e visto esse cover como lançamento recente. Assim que abri a página do single e vi que era junto com a Gavassi, bateu a vontade de nem ouvir porque não gosto dela. Aí insisti. E não consegui nem chegar na particiação da Liniker. Fiquei incomodada com a mesma coisa que você, a doçura da voz.
Perfeita a sua lista de acústicos da MTV. Meu pai tem o da Cássia Eller e o dos Titãs, e aqui em casa nós temos o DVD de Legião Urbana. Cresci ouvindo.