a caixa de ferramentas
# 169 - não é só um conjunto de alicates, chave de fendas e um monte de outras ferramentas que eu nem sei o nome. aquela caixa é parte da nossa história.
olá vocês!
se eu pudesse dar a vocês uma única dica para o futuro, diria: “compre uma caixa de ferramentas!” se o pedro bial tem fixação por proteger sua pele dos raios do sol, eu só quero que você não passe perrengues nessa vida.
pode parecer bobagem, e talvez seja mesmo, mas é que tem bobagens que sustentam o mundo. e poucas coisas sustentam melhor o mundo do que um martelo, uma chave de fenda ou um bom rolo de fita isolante. uma caixa de ferramenta é praticamente o certificado de que você é um adulto funcional pronto para enfrentar o parafuso que solta, a torneira que pinga, o armário que insiste em desabar. e nessas horas, ou você resolve ou aprende a viver com o barulho da goteira escoando sua sanidade até o último pingo.
quando decidi voltar para o brasil com meu marido, vendemos absolutamente tudo. tudo mesmo: móveis, roupas, pratos, panelas, a televisão, a coleção de mangás dos cavaleiros do zodíaco que ninguém queria, mas alguém levou. a gente se desfez até das embalagens de sabão líquido que ainda estavam lacradas. o que não vendemos, doamos. o que não doamos, demos de presente. e o que não parecia presenteável, a gente forçou a barra e chamou de herança emocional. teve amiga que foi embora com uma estatueta do oscar de plástico nas mãos e uma história inventada de como aquilo era importante pra nós. a verdade é que era mesmo, mas desapegar exige esse teatro.
só que quando chegou na maletinha azul de plástico, o coração apertou. aquela maleta era outra coisa. não era só um conjunto de alicates e chaves de fendas de todos os tamanhos. não dava pra pensar em preço. não dava pra pensar em função. não dava nem pra imaginar deixar ela pra trás, longe da gente. e olha que ela nem era bonita, na verdade era bem comum, quando comprei foi uma pechincha no mercado libre. mas não me parecia certo vender algo tão nosso, aquela caixa tinha história.
no nosso primeiro natal juntos, ainda no calor confuso do início do namoro, eu dei a tal maleta pro victor de presente. uma caixa de ferramentas com um pouco de tudo: alicate de bico, chave phillips, martelo, estilete, fita isolante e mais um monte de cacareco que eu nem sei nomear até hoje. comprei num impulso, desses que vêm quando o coração quer dar um presente que seja útil, mas também simbólico.
victor me olhou com aquela cara de quem não sabe se agradece ou se pergunta se eu sou louco. ficou sem saber se era brincadeira ou se eu esperava que ele construísse um armário com aquilo dali a dez minutos. mas o presente tinha um recado bem claro, pelo menos pra mim: eu queria construir uma vida com ele. e queria ferramentas, base, estrutura. queria estar junto não só nas horas bonitas, mas também quando a dobradiça quebrasse, quando a pia entupisse, quando o mundo ficasse difícil de desmontar.
uns dias depois, quase como se o universo tivesse entendido a mensagem, a máquina de lavar resolveu se manifestar. começou a fazer uns barulhos esquisitos, tipo um gato engasgado com um parafuso. a gente olhou um pro outro e a maleta, como um super-herói convocado pro resgate, apareceu na história. seguimos uns tutoriais meio duvidosos na internet e descobrimos que era “só” trocar a correia. parece fácil escrito assim, mas foi um parto. só que um parto que a gente fez junto. e que, no fim, economizou uma grana. técnico de máquina de lavar cobra caro, e a gente, na época, mal tinha dinheiro pra comprar o sabão líquido (que depois vendemos fechado, veja só o ciclo da vida).
naquele dia, a caixa já se pagou. mas mais do que isso, ela se tornou uma aliada. aos poucos, a gente começou a se sentir invencível. tipo aquele casal de programa de domingo que reforma casas. um fio solto? a gente resolvia. uma torneira pingando? já pegávamos a chave inglesa. se não funcionasse, pelo menos a gente fazia pose de quem sabia. e não é que deu certo? viramos especialistas em gambiarras. um casal unido pela arte de improvisar. porque, veja bem, quem já tentou trocar luminárias no teto de um apartamento antigo sabe o valor de uma chave phillips 1/4 e de um amor que segura a escada.
até o defeito da caixa virou memória boa. quando nos casamos, levamos ela pra chácara onde foi a festa. uma ideia prática: vai que precisa de algo. e precisou, claro, usamos a tesoura de jardinagem que vinha junto pra cortar as flores do campo, as mesmas que enfeitariam nossas mesas improvisadas. só que, na confusão do dia, esquecemos a bendita lá. até hoje, quando lembro disso, imagino alguém da chácara usando nossa tesoura e pensando: “quem deixou essa relíquia aqui?”. pois era a nossa relíquia. um pedacinho do dia em que dissemos sim com flores cortadas à mão.
por isso, quando decidimos voltar pro brasil, não dava pra deixar nossa caixinha pra trás. ela foi no meio das malas, envolvida em plástico bolha como se fosse joia rara. e foi ela quem ajudou a gente a montar o ventilador novo no calorão goiano. foi ela quem permitiu adaptar os plugs das tomadas, porque claro que as tomadas mudam de país pra país, como se a vida já não fosse complicada o bastante. até resistência de chuveiro a gente trocou com aquela caixa. se isso não é amor, eu não sei o que é.
mais do que um objeto útil, a caixa de ferramentas virou um símbolo do nosso começo, das nossas tentativas, dos nossos erros e acertos. ela é metáfora pura: porque a vida a dois é isso, saber apertar os parafusos certos. é descobrir quando o problema é só um prego solto ou quando é preciso desmontar tudo e começar de novo. é encarar o desafio de consertar o que rachou, o que afrouxou, o que enferrujou com o tempo.
com o tempo, aprendi que amar alguém é também ter disposição pra fazer manutenção. que todo relacionamento precisa de reparo, de ajuste, de óleo nas engrenagens. e que, às vezes, não é o mundo que está errado: é só o nível da prateleira que está torto. uma questão de olhar com atenção, medir de novo, tentar com calma.
a nossa maletinha azul continua aqui, firme, fiel companheira de tantas pequenas vitórias. às vezes me pego abrindo a tampa só pra conferir se está tudo no lugar. é quase um ritual. como quem confere o coração. porque no fundo, é isso que ela virou: uma caixa de ferramentas cheia de lembranças, de promessas, de dias bons e dias difíceis. uma caixinha que, de alguma forma, guarda também a gente.
então é isso. se eu tivesse que te dar um conselho pra vida adulta, um só, só unzinho: compre uma caixa de ferramentas. e use com quem você ama.
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júnior bueno é jornalista e escritor e tá procurando trabalho, por favor, mandem freelas ou comprem meus livros na amazon: a torto e a direito e cinco ou seis coisinhas que aprendi sendo trouxa.
Sábia foi minha esposa e parceira de 29 anos e uns dias. O primeiro presente que ela me pediu, quando nos casamos, foi uma furadeira! Nossa caixa de ferramenta é das grandes. Estamos com a manutenção predial e emocional em dia. Mais do que necessário.
Caiu um cisco no meu olho
Que história mais bonita, Júnior 🌻